O tema do apocalipse zumbi é uma constante nos jogos, ao ponto de muitos falarem em saturação. É aquela trama que todo mundo já conhece: uma infecção, que pode surgir de diferentes maneiras, destrói o planeta como o conhecemos e devasta famílias, cria selvagens e transforma um mundo que já não era muito seguro em um verdadeiro caos.
O que diferencia uma proposta de outra e, também, torna algumas bem-sucedidas, outras esquecidas e algumas ignoradas, é a abordagem. E a impressão que dá, também, é que todos os caminhos, aqui, também já foram explorados. Ou não necessariamente, como bem mostra State of Decay 2.
O título desenvolvido pela Undead Labs e lançado para PC e Xbox One (nos consoles, ele é exclusivo) foca no aspecto humano da coisa, não em termos de narrativa ou tragédias pessoais, mas sim, na vida em sociedade. Mesmo com tudo devastado e a caminho do inferno, a maior chance de sobreviver ainda está na quantidade, com a permanência em grupo tornando todos mais seguros.
State of Decay 2 acerta bem mais do que erra. Está longe de ser perfeito, mas traz o envolvimento e longevidade necessários em um bom jogo de serviço.
Mas isso é mais fácil dito do que realizado, e no caso de State of Decay 2, não estamos falando apenas dos conflitos potenciais de qualquer grupo de pessoas diferentes forçadas a ficarem juntas, ou da ameaça sempre constante dos mortos-vivos. Juntamente com tudo isso, o jogador ainda terá que enfrentar alguns problemas de otimização ou intuitividade que tornam a já difícil tarefa bem mais complicada do que já seria naturalmente.
Quem olhar os trailers e as imagens de divulgação pode pensar que está diante de mais um jogo de ação em mundo aberto, mas não é bem por aí. Além da porradaria, do tiroteio e da exploração, o título é focado no gerenciamento. O usuário sempre estará em missões ou empreitadas relacionadas à sobrevivência de seus companheiros e o progresso da própria base. State of Decay 2 é cheio de opções e possibilidades, se configurando como um jogo altamente complexo, como todo bom simulador precisa ser.
Entretanto, principalmente nas primeiras horas, isso acaba entrando diretamente no caminho da experiência. O jogador é simplesmente jogado em um mundo devastado e deve aprender a não apenas se virar nessa nova realidade, mas também entender como tudo funciona. Na introdução é fácil, pois basta andar, bater e atirar; quando nossa comunidade começa a se formar, porém, a sensação de não fazer a menor ideia do que se está fazendo é bastante incômoda.
Os objetivos de missões nem sempre são claros, enquanto problemas na localização para o português dificultam ainda mais as coisas. Um exemplo está logo no início, quando o game nos pede para colocar um saco de suprimentos na “dispensa” (sim, com a grafia errada mesmo), quando na verdade, não existe tal área em nossa comunidade. Ela se chama depósito, na realidade.
Aqui, aliás, temos um problema bastante grave, com problemas de digitação, equívocos de tradução em expressões idiomáticas e, acima de tudo, erros de digitação. Estamos falando da Microsoft, uma empresa que é pioneira nesse tipo de trabalho, em um mercado onde isso não é mais um diferencial, mas sim, algo básico. Aqui, porém, temos o que possivelmente é o pior trabalho da companhia nesse quesito. Para tristeza de muitos, não há dublagem, apenas textos e legendas em português.
O título, ainda, tem uma abordagem um tanto esquisita quanto aos tutoriais. Eles estão disponíveis no menu inicial e cobrem boa parte dos aspectos de State of Decay 2, é verdade. Entretanto, as instruções específicas sobre atos a serem realizados aparecem apenas depois de eles serem efetuados pela primeira vez, explicando aquilo que o jogador acabou de aprender na prática, e não no momento em que ele está perdido sobre como deve agir.
Junte, aqui, certa confusão nos controles e a ausência de confirmações para ações importantes, como a destruição de um saco de suprimentos em prol de itens normais (algo que nunca, absolutamente nunca, vale a pena) ou a desmontagem de uma arma. Basta um pressionamento errado de botão para que o usuário acabe, sem querer, perdendo itens importantes para sua sobrevivência.
O gerenciamento de inventário atribui complexidade a tarefas simples, com o jogador tendo que entender, sem indicação, a diferença entre os slots de itens equipados, os bolsos dos personagens que permitem acesso rápido a certos objetos e os artigos que estão na mochila, além da transferência deles entre porta-malas e armários de armazenamento. Elementos como peso, fadiga, saúde e ferimentos também precisam ser levados em conta.
São coisas que, na união, transformam State of Decay 2 em uma experiência bem realista, abrangente e, acima de tudo, rica. Mas até chegarmos lá e aprendermos exatamente como tudo funciona, permanece a frustração, com jogadores perdidos e desbaratinados tentando entender como funciona a jogabilidade pesada de um título no qual cada recurso é precioso.
Mesmo após as primeiras horas, quando a salada de botões e características já está clara na cabeça, ainda existem os momentos de confusão causados pela falta de indicação. Navegando pelo mundo, fui alertado que alguns dos suprimentos que eu possuía na minha comunidade foram perdidos devido à falta de armazenamento adequado. Pior ainda, o estoque descartado era de comida, o que fez com que minha comunidade inflada passasse da conformidade para a depressão, com os integrantes começando a brigar entre si.
O game aproveita elementos até de jogos mobile e adiciona consistência e complexidade a eles. É um game profundo e envolvente, apesar dos vários problemas e bugs.
Ali, eu era culpado por algo que eu não fazia a menor ideia como evitar ou consertar. Algo que seria simplesmente resolvido com uma indicação textual ou um indicador de objetivo, que a Undead Labs decidiu não exibir. Talvez isso se deva a uma confiança na experiência dos jogadores com o primeiro título da franquia ou por acreditar que as instruções, ali, seriam óbvias. Não são, e o resultado foi uma correria em busca de novos suprimentos para atender aos famintos brigões.
Fazem falta, também, outros indicadores que transformam a experiência em um jogo de tentar, errar e voltar atrás. Não seria nada mal, por exemplo, transferir automaticamente os itens de um personagem que vai descansar para o depósito, ou, então, dar ordens a NPCs para que eles conduzam carros, carreguem determinados itens ou cuidem de zumbis específicos. É o que faríamos na vida real que State of Decay 2 tenta emular tão bem, mas que só é possível, por motivos óbvios, na jogatina cooperativa.
Porém, durante nosso período de testes, que aconteceu antes e durante o acesso antecipado para compradores das edições especiais de State of Decay 2, os problemas de conexão eram intermitentes. Na maioria das vezes, as partidas correram relativamente bem, apenas com lags bem frequentes. Em outros, porém, era difícil entrar em partidas com amigos, enquanto desconexões interrompiam mesmo as que funcionavam.
Em contrapartida, essa falta de usabilidade, como dito, é a cobertura de um bolo altamente complexo, cheio de opções e caminhos. O mapa do título não é exatamente gigantesco, mas há tanta coisa para fazer e tantos recursos para coletar que atividades, com certeza, não vão faltar.
O jogador pode ser punido por algo que nem sabia existir. Um pouco mais de explicação sobre como gerenciar a comunidade não faria mal a ninguém.
Além disso, tem muita coisa acontecendo durante todo o tempo. Você pode estar em uma missão de coleta de suprimentos ou resgate a um grupo de sobreviventes quando, no caminho, encontra um vendedor com boas barganhas ou um traficante de armas que resolveu ser ganancioso, achando que tudo se resolve com um tiro na cabeça.
É fácil se ver tentado a abandonar um objetivo específico em prol de uma busca mais frutífera por itens. Algumas missões podem ser abordadas em tempo indefinido, enquanto outras ficam disponíveis por um período – e podem gerar inimizades com assentamentos, caso um pedido de socorro não seja atendido, por exemplo. Saber priorizar também é parte de ser um bom líder.
É muito fácil, também, se meter em uma situação complicada devido à ganância por itens. Após a já citada confusão inicial e com a jogabilidade já fluindo, os jogadores podem se sentir confiantes a seguirem em missões mesmo nas escuras noites de State of Decay 2, a própria definição do breu. E quando não enxergamos dois palcos na nossa frente, podemos nos ver bem no meio de um foco de infecção ou um grupo de zumbis, que nos atacam de todos os lados e impedem a fuga.
Aí entra um dos aspectos mais interessantes de State of Decay 2, que são as mortes permanentes. Temos vários personagens em nosso assentamento e podemos controlar todos, mas eles são únicos – e se morrerem, não voltam mais. Seus ferimentos também permanecem, com machucados mais graves não sendo curados só com o tempo. Isso me fez, inclusive, preferir sacrificar um habitante em uma busca por itens do que curá-lo na enfermaria e gastar recursos preciosos. Coisas do apocalipse.
A moral das ações, porém, acabam ficando mais na cabeça do jogador do que na prática. O game até pincela elementos assim, como um assentamento hostil ou um personagem que resolve se rebelar, mas os reflexos reais disso no cotidiano dos sobreviventes será ínfimo, assim como os efeitos de preferir atirar na cabeça de mercadores em vez de negociar melhores preços com eles. Por um lado, é algo a menos para se levar em conta, por outro, um esvaziamento de proposta que tornaria State of Decay 2 ainda mais rico.
Conta muito o fato de os cenários do jogo aparecem bem bonitos na tela. Eles já se mostram com muita qualidade mesmo nas configurações mais baixas da versão PC e brilham, em 4K, no Xbox One X, com uma draw distance que permite ver longe e um nível de detalhes apurado quando se está observando tudo de perto, apesar dos elementos repetidos e algumas texturas faltando. Os ambientes têm vida e mostram que foram habitados pelos mesmos mortos-vivos que você acabou de matar, quando eles ainda eram seres humanos.
Entretanto, há de se levar em conta que houve pouco avanço entre a remasterização do primeiro jogo da série e esta sequência, principalmente no que toca os personagens, com expressões congeladas e roupas genéricas em sua maioria. Enquanto os cenários brilham, não com o maior nível de realismo e fidelidade, mas com um tom de desesperança que adiciona à experiência, os poucos sobreviventes parecem ter saído diretamente da geração passada.
Existem bugs e problemas de otimização. Durante nossa experiência de testes, por exemplo, um foco de infecção surgido nas proximidades da base se tornou impossível de destruir quando um dos zumbis “nasceu” dentro de uma pedra. Personagens travados em paredes, barreiras invisíveis e paredes reais que podem ser atravessadas, bem como texturas que não carregam aparecem bastante. Em alguns casos, elas atrapalham a jogatina, em outros, só deixarão uma marca feia no resultado geral.
Para cada bug e protagonista travado sem conseguir sair do carro, há a surpresa de descobrir um local com tantos suprimentos que mal dá para carregar. Antes de um momento de não fazer a menor ideia do que se está fazendo, está um combate ao melhor estilo The Walking Dead, com zumbis caindo sob disparos com precisões cirúrgicas e cabeças cortadas. Em meio a uma busca meio repetitiva por itens, um susto com uma criatura nova que você nem sabia existir nesse mundo.
Analisar State of Decay 2 é uma experiência de compensação quase matemática, que nos leva a um resultado positivo. Nesta sequência, a Undead Labs aproveita elementos presentes até em jogos mobile e adiciona consistência e complexidade a eles, suficientes para fazer com que o jogador siga adiante mesmo quando encontrar aquele bug que pode colocar tudo a perder.
A proposta ainda está longe de ser perfeita e carecia de um pouco mais de polimento e cuidado. Entretanto, State of Decay 2 acaba posicionado mais como um jogo com profundidade e envolvimento, características que geram a longevidade que um bom jogo de serviço precisa. Um passo considerável na direção certa, que acerta bem mais do que erra.
O jogo foi analisado no PC, em cópia cedida pela Microsoft.