O mundo mobile é uma terra de ninguém, com cópias e tentativas de monetização descaradas tomando conta das lojas online e, muitas vezes, assumindo o espaço que deveria ser das boas propostas e títulos. O conceito de Jurassic World Alive é exatamente esse – emular o sucesso de Pokémon GO enquanto chama a atenção para o mais novo filme da franquia dos dinossauros.
Logo de início, porém, já se percebe que ele não se diferencia muito das contrapartes chinesas com as quais divide as lojas de aplicativos – até mesmo na tradução tosca, “Jurassic World Com Vida”, presente na Google Play Store brasileira. Rapidamente, o que se nota aqui é que a desenvolvedora Ludia não fez muita questão de entender exatamente o que tornou o game dos monstrinhos de bolso, entretando um resultado aquém do que se espera quando o assunto é “Pokémon GO com dinossauros”.
O conceito é basicamente o mesmo. Usando geolocalização, o título coloca as criaturas em nosso mundo, não para serem capturadas, mas para extração de DNA. Os dinossauros não são obtidos por meio dos encontros, mas sim, criados em laboratório a partir do que é obtido nos encontros aleatórios, em uma transposição interessante de um dos aspectos centrais dos filmes.
Jurassic World Alive traz uma boa ideia completamente destruída por mecânicas mesquinhas de monetização. Um verdadeiro jogo pay-to-win, no pior sentido possível.
O título coloca o jogador na pele de um caçador, incentivando-o a andar pelo mundo e procurar não apenas pelos animais, mas também por itens que garantem os encontros. Coletar DNA exige dardos, que devem ser disparados a partir de um drone. Encontrou o total de dados necessário para criar um dinossauro? Use moedas para gerá-lo. É uma dinâmica simples e de fácil entendimento.
Ao tornar diferente o processo de “captura”, também, a desenvolvedora parece querer sair na frente de seus pares, criando algo que captura o espírito selvagem da franquia que retrata. E o processo de coleta de DNA é efetivamente interessante, exigindo sensibilidade do jogador nos controles e disparos precisos para que o maior número de informações seja obtido no curto tempo em que o dinossauro está na mira.
O drone, porém, nem sempre funciona como deveria, com um joystick virtual que não dá a precisão necessária, enquanto a área de mira é pequena, e a que garante os acertos críticos, menor ainda. Quem quiser ser certeiro pode obter pouco DNA em um encontro, enquanto aqueles que forem menos econômicos com os disparos gastarão muitos dardos para conseguir uma quantidade considerável de informações. E, como dito, os disparos são um dos tantos recursos consumíveis do jogo.
É pequeno, também, o alcance dos jogadores enquanto caçadores. Só é possível coletar itens ou perseguir os dinossauros que estão em curta proximidade, mais ou menos como no sistema de Pokéstops de Pokémon GO, um aspecto que torna a experiência, ao mesmo tempo, realista e limitante. O game da Niantic permite a caça de qualquer monstrinho que estiver na tela, de forma a tornar as coisas mais interessantes, enquanto o da Ludia vai pedir que o jogador ande bem mais do que jogue.
Seria uma proposta adequada se estivéssemos falando de um título fitness, e não de um jogo com um sistema aleatório de aparição. Não existem postos fixos de aparição de dinossauros ou itens, o que faz com que, muitas vezes, os elementos surjam em pontos distantes e inacessíveis – dentro de um prédio de escritórios em que não podemos entrar, por exemplo. A pequena margem de alcance, de apenas poucos metros, dificulta a vida, e quanto isso acontece, só resta seguir em frente até que tais elementos desapareçam da tela e sejam substituídos por outros, em novos locais aleatórios.
Una isso a ótimos gráficos, como não costumam aparecem em games de realidade aumentada, e temos um pacote que parece dourado. Afinal de contas, é efetivamente como prometido: temos o melhor de Pokémon GO, apesar das falhas, unido a aspectos únicos que somente poderiam aparecer em um jogo de Jurassic World. É no gerenciamento dos consumíveis, porém, que Alive deixa de ser uma proposta interessante para se tornar uma tentativa descarada de ganhar alguns trocados.
Não que jogos sejam feitos como obras de caridade, como sempre falamos por aqui. Não dá para ser inocente e excluir o aspecto financeiro, até mesmo, das obras independentes mais autorais do mercado. É o uso dessas soluções de monetização, entretanto, que diferenciam uma proposta caça-níqueis de uma que diverte. Apenas mais uma das tantas lições que a Ludia não aprendeu com Pokémon GO.
Caso o jogador efetivamente entre no clima de Jurassic World Alive, logo irá perceber que a quantidade de recursos entregues pelo game é inferior ao mínimo necessário para uma jogatina normal, mesmo que se ande bastante por aí. A solução para isso, logicamente, é usar dinheiro para comprar suprimentos. E é aí que está o problema.
O game traz ideias interessantes, como um sistema diferenciado de “captura” e combate entre jogadores, além da criação de dinossauros híbridos. Mas só quem enfiar a mão no bolso vai aproveitar isso de verdade.
Durante as horas em que experimentamos o título da Ludia, nenhum dos pontos de coleta de itens nos entregou as verdinhas necessárias. Os bônus temporários, entregues ao jogador de seis em seis horas, davam apenas “dois dinheiros”, pouco para a aquisição de itens – o menor pacote de moedas, por exemplo, custa 60, enquanto 10 dardos custam 10 unidades (e esse total é necessário para pouco mais de um encontro com um dinossauro).
Você já entendeu onde a desenvolvedora deseja chegar, certo? Ao acessar a loja de Jurassic World Alive, porém, surpreende-se com uma opção de dinheiro gratuito, que pode ser obtido com a realização de determinadas ações, como baixar um jogo ou realizar certas ações em títulos de parceiros. Uma boa ideia, até, e que pode levar o jogador a conhecer novas propostas.
O que se vê pelo caminho, entretanto, são longas barreiras de propagandas e vídeos promocionais que não podem ser pulados, a não ser, claro, que você feche Jurassic World Alive e abra novamente. Os downloads e ações exigidos, também, nem sempre entregam o que deveriam, seja dando menos dinheiro do que o prometido ou simplesmente não sendo registrados. Em todos os casos, mais uma vez, é uma proposta sendo derrotada pela monetização exacerbada.
Com o tempo, em vez de diversão, o título se torna um longo jogo de espera, como nas piores propostas pay-to-win que temos na terra sem lei que é o mercado mobile. O jogador só poderá aguardar o tempo de carregamento das incubadoras gratuitas para ganhar poucos dardos e moedas que garantem encontros esporádicos com dinossauros, a não ser que queira enfiar a mão no bolso ou dar uma de maratonista por aí, ignorando todas as criaturas que encontrar para acumular itens.
É um sistema mesquinho que derrota até mesmo outros aspectos de Jurassic World Alive que poderiam ser interessantes, como a gigantesca quantidade de dinossauros disponíveis ou os híbridos muitas vezes bizarros que podem ser criados a partir deles. Ou, ainda, o sistema de batalhas, que garante mais pontos de evolução para as criaturas e traz uma variação interessante para a jogatina, apesar de, novamente, dar vantagem aos jogadores que aceitarem as microtransações do jogo.
Some a isso, ainda, o grande gasto de bateria que é comum em títulos de realidade aumentada dessa categoria e a performance aquém do esperado, principalmente em aparelhos de médio porte que rodam o sistema operacional Android. No iOS, as coisas funcionam de forma um pouco melhor, com os usuários da plataforma só não podendo fugir da longa espera para carregamento inicial.
Felizmente, a Ludia tomou um cuidado com o consumo de dados, de forma a tornar Jurassic World Alive econômico. Com exceção de um download inicial de informações e atualizações, o consumo usual do título é baixo, de acordo com outros jogos do tipo, como o próprio Pokémon GO. A dica, então, é abrir o título em casa, realizando essa sincronização inicial ainda no Wi-Fi, somente saindo para fora do alcance da rede com o título já funcionando.
Seria fácil finalizar esta análise afirmando que, assim como o sucesso da Niantic, Jurassic World Alive carece de cuidado e balanceamento, com um desenvolvimento mais apurado resolvendo muitos dos seus problemas. Bastaria, afinal de contas, um ajuste numérico na quantidade de itens e uma redução nos totais gastos para coleta de DNA para que a experiência se tornasse mais agradável, não é mesmo?
Isso seria verdade se Alive fosse uma experiência feita para durar, como Pokémon GO. Entretanto, estamos falando de um título promocional, ligado ao lançamento de um filme que chega aos cinemas neste mês de junho. Após a chegada do longa, parece improvável que a Ludia mantenha o suporte ao game e, acima de tudo, corrija suas falhas. Quem jogou Jurassic World, o interessante mais quebrado simulador de parque lançado em 2015, junto com o primeiro longa, sabe muito bem disso.
A ideia de trazer dinossauros para o mundo real é interessante e atrativa, mas como mostrado nos longas da franquia, quando unida à ganância de uma corporação, o resultado não é nenhum outro, senão o fracasso. Ian Malcom estava errado. A vida, nem sempre, encontra um caminho. A não ser, claro, que seja o do dinheiro, seguindo do bolso dos jogadores para os cofres da Ludia.
O jogo foi testado no sistema operacional Android.