Far Cry New Dawn

Far Cry: New Dawn

por Felipe Demartini

O fim do mundo pode ser muito estiloso

A estética de um mundo devastado por uma guerra nuclear é conhecida. Temos paralelos em nosso mundo real, de lugares completamente destruídos, grandes estruturas em escombros, com ferros à mostra, e tons pastéis para dar aquela sensação de desolação. Não é esse o apocalipse do mundo de Far Cry. Em New Dawn, como o nome já diz, o fim representou um novo começo.

Estamos 17 anos depois dos eventos finais de Far Cry 5, e se o encerramento do jogo original era ambíguo, aqui não restam dúvidas. Os Estados Unidos foram completamente devastados e, enquanto uma parte da população se abrigou sob a terra até que os efeitos da radiação passassem, a natureza fez todo o trabalho no andar de cima. A fauna e a flora se transformou, mas, mais do que isso, tomou conta de tudo. O mundo resultante é familiar e, ao mesmo tempo, diferente.

E ao nos colocar nesse universo simultaneamente novo e plenamente explorado no game anterior, a Ubisoft retorna com um dos principais conceitos artísticos de seu antecessor. Far Cry 5 se passava no meio do nada americano, na cidadezinha de Hope County e em meio à poeira e isolamento. Era, também, um título bastante colorido e vistoso, mais até do que as raízes orientais de seu antecessor foram capazes de demonstrar. E New Dawn leva isso às últimas consequências.

Carros destruídos por todo lado funcionam como as lápides de um mundo antigo. Se antes quem dominava eram os sedans e carros esporte, agora tudo o que restou foram os fortes buggies e caminhões de trabalho pesado. A madeira das casas e das igrejas que marcaram a dominação por Joseph Seed não resistiram às bombas e aos tempos, enquanto as usinas e fábricas, com seu forte metal, continuaram de pé e servem agora como fortalezas nesses novos tempos tão violentos quanto os anteriores.

A visão de fim de mundo da Ubisoft prevalece em New Dawn, que aproveita as boas escolhas feitas em Far Cry 5 para tomar novas decisões igualmente interessantes. Seria injusto falar no novo game como uma mera expansão.

Enquanto os tons de rosa e azul, os animais albinos e as flores espalhadas por todos os lados são uma decisão que mostra as mudanças desse mundo, mas também têm ordem claramente estética, o mesmo não pode ser necessariamente dito das pichações. Ao contrário das terras devastadas de outras fábulas apocalípticas, o pós-guerra de Far Cry: New Dawn é baseado em tinta spray, uma marca, assim como as pichações das grandes cidades, de que aquele lugar tem um dono.

E quem manda aqui são as gêmeas Mickey e Lou, líderes dos Salteadores, um grupo de bandidos que corta o que restou dos Estados Unidos como uma nuvem de gafanhotos. Eles chegam, matam quem estiver pelo caminho, consomem os recursos da região e depois seguem para um novo local. A dupla é um fruto direto dessa nova ordem que tomou conta do país, onde é cada um por si e a lei do mais forte impera.

Far Cry New Dawn

Far Cry: New Dawn, inclusive, faz questão de colocar, de forma quase sutil, dois opostos dessa mesma equação em jogo. Ao mesmo tempo em que estamos diante de Mickey e Lou, lapidadas pela guerra e por um mundo em que não existem mais estruturas, também temos Carmina Rye, uma das primeiras companheiras de combate do game. Ela, também, nasceu após as explosões, mas enxerga o mundo com o deslumbramento de alguém que passou a infância sob o solo. Para ela, Hope County é um local para estalecer raízes e viver em paz.

Uma tranquilidade que, na verdade, nunca existiu, pois até mesmo forças de um passado pré-devastação ainda estão agindo na região, mas de maneira completamente diferente. O apocalipse mudou tudo, até mesmo o balanço de poder na região, mas a fé permanece viva, mesmo que abalada e envenenada por dentro. E a Semente de um mal original, em determinado momento, não soa tão distante assim da salvação que era prometida há 17 anos.

Nesse sentido, soa mais uma vez como uma pena a escolha de colocar o jogador na pele de um protagonista mudo e que influencia na história apenas pela força bruta, sem participação ativa em seu andamento. O Capitão ou Capitã, como é chamada por não ter nem mesmo um nome, remete às antigas convenções dos FPSs, em que o personagem principal era o próprio jogador. Em um mundo tão rico, entretanto, isso acaba soando como um desserviço.

O que restou de antes

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Visualmente, temos um jogo mais vistoso e tão interessante que o antecessor, mesmo se passando no mesmo local, reaproveitando recursos gráficos e com um mapa idêntico. A Ubisoft fez um bom trabalho em chacoalhar as coisas ao dosar, quase que de maneira equilibrada, a revisita a locais conhecidos, como o Centro F.A.N.G., onde conhecemos o destino de um velho amigo, e a transformação do ambiente após o apocalipse.

O jogador, por exemplo, sentirá um quentinho no coração ao entrar em uma ruína em busca de suprimentos para, então, perceber que aquele foi o palco de um momento específico do primeiro game. Agora, ele não tem mais importância alguma e está soterrado, enquanto outro ponto do mapa ganhou mais relevância do que nunca, seja como posto avançado dos Salteadores ou base dos aliados.

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Explorar o cenário ganhou importância adicional pois praticamente todos os elementos do jogo são baseados em suprimentos. Sucata, peças de carro, fita adesiva, plantas e fios de cobre são uma alegoria para um sistema de crafting bastante básico que garante armas, explosivos, itens de cura e veículos para facilitar o combate contra os inimigos e a navegação por Hope County.

Ao contrário das terras devastadas de outros apocalipses, o pós-guerra de Far Cry: New Dawn é baseado em tinta spray, uma marca, assim como as pichações das grandes cidades, de que aquele lugar tem um dono.

O combustível, bem mais importante de todos já hoje, serve como elemento fundamental para a melhoria de sua base, enquanto decisões têm que ser feitas quanto aos postos avançados, que podem não serem mais ilhas de tranquilidade em meio ao combate. Ao dominar um, o jogador se vê capaz de exaurir seus recursos, como os Salteadores, ganhando uma boa quantidade de etanol, mas liberando o ponto para inimigos que o dominarão novamente. É uma escolha que pode parecer óbvia de começo, mas depois, nem tanto assim.

Há demanda por todo tipo de componente e item, já que cada um deles serve para um fim diferente. Quem gosta de caçar, entretanto, ficará triste em saber que a ênfase nessa ação continua em baixa, assim como no caso de Far Cry 5, apesar de New Dawn colocar a troca de peles e carne como um bom caminho para conseguir suprimentos extras. Dificilmente, entretanto, o jogador se verá saindo de seu caminho para realizar essa ação específica, a não ser, claro, que tenha um gosto específico por ela.

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Quem explorar o cenário e saquear inimigos não terá dificuldade com os componentes, apesar de, às vezes, se ver na posição de economizar alguns para obter uma arma, carro ou equipamento melhor. O jogo dá a sensação de abundância, mas, ao mesmo tempo e com exceção de munição, tudo gasta uma bela quantidade de itens. Saber onde investir é essencial.

Isso é particularmente importante quando se leva em conta que Far Cry: New Dawn toma inspiração de seu vizinho apocalíptico, The Division, e cria uma evolução mais cadenciada, com zonas de inimigos mais fáceis ou difíceis pelo caminho. O jogador pode seguir a rota desenhada pelo jogo para uma experiência mais tranquila, mas dependendo de suas decisões, se verá diante de oponentes bem mais poderosos que suas habilidades. Não há vergonha em fugir, se armar e retornar depois.

Tais elementos são exibidos por meio de uma estranha decisão de design, que coloca barras de energia sobre a cabeça dos oponentes e exibe numericamente o dano causado neles pelas armas. É uma forma rápida de mostrar que o jogador pode estar dando um passo maior do que a própria perna, mas, ao mesmo tempo, soa como um elemento deslocado na franquia e para um título que não tem quase nada de RPG.

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A nova cara desse mundo também coloca um peso a mais sobre os companheiros controlados pela inteligência artificial. Eles são ainda mais burros do que no game anterior, não hesitando em passar no meio do fogo cruzado ou se meter entre os inimigos, estragando uma estratégia de furtividade. Agora, entretanto, eles não retornam após algum tempo, mas sim, precisam ser “ressuscitados” com o uso de componentes, também utilizando itens específicos de acordo com suas habilidades.

E aqui, basicamente, entra uma conta que sempre estará sendo feita pelo jogador, principalmente na primeira metade do game. Estamos sempre em posição de tirar de um lugar para colocar em outro. Vale a pena reviver o Pastor Jerome em vez de adquirir um lança-foguetes? É importante conhecer o próprio estilo de ação para selecionar armas adequadas e, além disso, conhecer as próprias deficiências para investir em melhorias que as compensem, juntamente com o sistema de vantagens, que volta sem alterações, mas também é força ativa nessa conta.

Expansivo, inspirado e apressado

Far Cry: New Dawn, como em todo game da série, tem toda uma miríade de missões secundárias, objetivos adicionais e elementos para serem explorados. Dá para ser objetivo, como em qualquer outro da franquia, mas menos aqui, devido à já citada necessidade de busca por recursos. Mas, ainda assim, ele é menor que o quinto jogo da franquia. Uma comparação possível, por exemplo, é com Primal, que reutilizou conceitos, mas transformou a fórmula, com a diferente de que, aqui, as mudanças são muitas, mas não alteraram o conceito central.

Com exceção, é claro, das Expedições, que expandem a ideia de qualquer Far Cry. Em vez do isolamento e da opressão tradicionais, temos a chance de viajar para outros pontos dos Estados Unidos em busca de recursos, levando o combate contra os Salteadores para fora dos limites de Hope County. Isso inclui até mesmo visitas a lugares históricos e cidades reconhecíveis, que mesmo em mapas pequenos e direcionados, permitem ver o alcance da destruição causada pelas bombas.

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Por outro lado, no microcosmo, nem tudo correu tão bem. A Ubisoft é reconhecida por seus bugs em jogos de mundo aberto e, em Far Cry: New Dawn, eles retornam ainda mais agressivos do que no jogo original. Não será incomum ver inimigos atravessando paredes ou ficando presos em pedras, com o mesmo também podendo acontecer com o próprio jogador. Em um dos maiores problemas, loadings podem gerar lag nos controles e, quando acontecem no meio de uma cena de ação, colocam tudo a perder.

A visão de apocalipse da Ubisoft prevalece em New Dawn, que aproveita as boas escolhas feitas em Far Cry 5 para tomar novas decisões igualmente interessantes. Seria injusto falar no novo game como uma mera expansão do anterior, quando, na verdade, ele é uma sequência propriamente dita.

Enquanto as memórias do culto Aos Portões do Éden continuam vivas na mente dos jogadores, afinal, Far Cry 5 saiu apenas há um ano, o jogo inédito acrescenta ainda mais a essa fórmula. Juntos, os títulos formam um enredo em duas partes com uma história de opressão, esperança e a busca pela liberdade. Só que, nesse apocalipse colorido, tudo isso é acompanhado por grafite, destruição e sons da banda sul africana Die Antwoord. A Ubisoft não poderia ter escolhido uma maneira mais legal de continuar a história de um de seus jogos mais interessantes da história recente.

O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Ubisoft.