Em nossa análise de Bloodborne, fizemos uma breve comparação com os cinco passos do luto. Essa relação também se aplica a Sekiro: Shadows Die Twice, bem como à inevitável familiaridade com toda a série de jogos produzida pela From Software, popularmente conhecida como “Soulsborne”. No entanto, se apegar a esses jogos passados tanto para escrever essa análise como na hora de jogar o game em si tem corroborado para que a tarefa seja muito improdutiva e rasa.
Sekiro é o game mais difícil, enervante e frustrante já produzido pela From Sotware. E isso é maravilhoso!
As melhores jornadas heroicas geralmente começam com uma grande perda para o protagonista, que é forçado a sair do seu estado de conforto a fim de se vingar, resgatar alguém próximo e importante ou destituir do poder o mal opressor na forma de uma pessoa ou organização. Essas situações resumem bem a trama básica de Sekiro, onde após ter seu jovem mestre sequestrado e sofrer uma terrível derrota em combate, o Lobo, nosso protagonista, se vê desonrado (um ronin, ou samurai sem mestre) e sem um de seus braços, partindo em busca de vingança em uma missão de salvamento, tendo ajuda de outros personagens misteriosos.
Apesar de seguir a estrutura de revelar de maneira misteriosa a trama ao jogador, Sekiro consegue se distanciar da formula sendo muito mais didático em seus tutoriais, diálogos e cutscenes, onde essas duas ultimas funcionam muito bem, o que já não pode ser dito dos tutoriais por escrito que interrompem o jogo com certa frequência, beirando o exagero. Os itens continuam tendo descrições que dão detalhes do mundo em que estão inseridos porem bem menos relevantes do que nos games anteriores.
O Lobo é um protagonista de fato na trama, não um avatar que representa o jogador. Ele tem sua própria personalidade, fala e emite opiniões que podem ou não condizerem com a vontade de quem o controla, mas que de forma nenhuma atrapalham nossa identificação com sua motivações.
Essa personalidade trabalha em favor do modo como a trama principal se desenvolve e, como o protagonista perdeu parte de sua memória recente, também funciona como um tutorial de para onde devemos ir. Isso funciona muito melhor do que um texto que surge na tela ou um ponto a se seguir no mapa.
Saindo do escopo medieval ou vitoriano ocidental (filtrado pelo olhar oriental), Sekiro nos leva para o Japão feudal, mantendo assim a tradição de um ambiente exótico emoldurado por fantasia e pela cultura popular, ao mesmo tempo em que renova a fórmula, saindo de locações escuras, claustrofóbicas e decrépitas para as cores, beleza arquitetônica e luminosidade da Terra do Sol Nascente, com suas construções características imponentes, natureza vibrante e exótica, além do figurinos e armamentos característicos.
Sekiro é o game mais difícil, enervante e frustrante já produzido pela From Sotware. E isso é maravilhoso!
Todo o visual funciona muito bem e continua a nos causar a estranheza instigante tão característica da desenvolvedora. A vontade de conhecer o mundo, explorar seus locais e histórias continua presente e ainda é bem recompensada, mas também satisfaz aos jogadores apegados ao objetivo principal. Nesse sentido, todos vão se sentir maravilhados.
Graficamente, o jogo é tão bonito quanto se espera de um título da atual geração. Nem mais, nem menos, principalmente por se tratar de um jogo da From Software, que não é conhecida por ter o motor gráfico dos mais impressionantes.
É possível notar, principalmente para quem jogou algum game “Soulsborne”, certas animações e efeitos propositalmente copiados de jogos passados, que criam uma certa familiaridade e proximidade com o personagem principal e o título em si, além é claro de outros elementos do mundo e de como a jogabilidade e mecânicas se complementam.
Um exemplo está nas paredes de fumaça que limitam certas áreas, estátuas de Buda que têm a mesma função primaria de “save point” das lanternas em Bloodborne, ou os frascos de cura vistos também em Dark Souls. De forma proposital, tais elementos, entre outros, são adaptados para fazerem sentido com o escopo e ambiente atual de forma coerente tanto com o mundo como com a jogabilidade.
O enunciado acima nunca fez tanto sentido, mesmo tento sido afirmado em todos os games Soulsborne anteriores. Se você nunca jogou nada da From Software antes, mas tem familiaridade com jogos de ação, vá preparado para se frustrar muito com o desafio que Sekiro tem a oferecer.
Você vai ficar perdido e morrer, vai usar itens e morrer, vai morrer e perder parte do progresso, inevitavelmente vai abandonar o jogo (por um tempo), pois tudo o que você sabe sobre jogos de ação, aqui, não funciona, é fato.
Os veteranos de Dark Souls ou Bloodborne, eu diria, estão em uma situação ainda pior, pois vão descobrir que seus vícios de jogatina, que até o momento eram encarados como uma vantagem, aqui não valem de nada e ainda vão atrapalhar muito.
Em Dark Souls aprendemos, resumidamente, que um combate cadenciado escondido atrás de um escudo é a chave para o sucesso. Em Bloodborne, onde não existem escudos, a luta bem sucedida é a que nos lançamos contra o inimigo de forma suicida, desviamos e aproveitamos ao máximo a chance de causar dano, literalmente em uma briga de foices.
Sekiro, por sua vez, joga todo esse conhecimento prévio fora e brinca com suas expectativas para com jogos de ação, descontruindo comportamentos a fim de te frustrar ao estremo.
O objetivo do combate em Sekiro não é arrancar a barra de vida do oponente aos poucos, se escondendo atrás do escudo, mas sim finalizar o oponente com um ou dois golpes precisos e mortais. Se abusar da defesa, uma barra que a representa inevitavelmente se desgasta e sua guarda é aberta para receber um golpe fulminante.
Os veteranos de Dark Souls ou Bloodborne estão em uma situação ainda pior, pois vão descobrir que seus vícios de jogatinanão valem de nada e ainda vão atrapalhar muito.
Ao atacar de forma aleatória, em algum momento o inimigo ira rebater, algo que é a mecânica central do jogo, também o deixando exposto a um ataque mortal. Mesmo no inicio, os mais fracos dos inimigos podem te executar com um ou dois ataques, e isso vai acontecer muito mais que duas vezes, como sugere o subtítulo do game.
Repelir o ataque inimigo já esteve presente na série “Soulsborne”, mas nunca de maneira tão crucial e satisfatória no combate (você vai vibrar a primeira vez que repelir uma sequência de ataques completa). A mecânica é bem simples de se aprender, bastando apertar o botão de defesa quando estiver para receber um ataque e assim abrir a guarda do inimigo para um golpe fatal.
Porém, dominar o tempo correto de cada inimigo é do que consiste o desafio, sendo a partir desse ponto que o jogo passa a ser mais gratificante que qualquer outro no mundo dos jogos. A mecânica de repelir um ataque foi tão bem trabalhada que os sons das espadas colidindo, indicando indicam uma ação bem-sucedida (quanto mais agudo, melhor a defesa), a animação dos personagens, os efeitos de iluminação e câmera, deixam cada ato bem realizado ainda mais épico e gratificante.
Repelir um ataque, ou ter um rebatido, drena a barra de defesa, essa muito mais importante que a de vida. Com a defesa aberta, a morte é inevitável mas, não definitiva.
A mecânica que também completa o nome do game, e totalmente ligada à trama principal, é a possibilidade de ressuscitar o personagem imediatamente após a morte. Claro que isso é limitado e ligado a certas regras, mas é uma novidade bem interessante à fórmula, que possibilita corrigir pequenos erros durante uma batalha, pegando inimigos desprevenidos, como também, a princípio, gera uma sensação de vantagem sobre os inimigos. Essa, entretanto, é uma palavra que raramente se aplica em Sekiro.
O game também distorce a expectativa ao implementar um sistema de múltiplas arvores de habilidades, em vez de apenas aprimorar atributos ou trocar equipamentos. Golpes novos incrementam o combate e equipamentos podem ser anexados à prótese mecânica que substitui seu braço, perdido no inicio do game.
Uma corda com gancho adiciona verticalidade à exploração, um machado retrátil pode ser usado para destruir escudos inimigos, um canhão dispara labaredas ou dezenas de pequenas bombas para distrair animais e lidar com muitos inimigos ao mesmo tempo. Cada equipamento abre um grande leque de possibilidades para os diversos inimigos do game.
Mesmo com todas as técnicas e equipamentos à disposição, o game consegue equilibrar de maneira eficiente ação e combate com furtividade e exploração metódica, mais uma vez recompensando o jogador em detrimento de toda a frustração inevitável até que se consiga entender o balanço necessário para apreciar o jogo.
Você vai tentar negar Sekiro, vai passar raiva e abandonar o jogo, mas algo vai impelir você a negociar, estudar o título e seus inimigos; Depressão e frustração farão parte do processo até que você vai aceitar o desafio de frente e conquistará a primeira vitória épica, a segunda, e a próxima, e outra, e mais outra, se tornando um jogador melhor a cada passo.
Não melhor que o amiguinho que também está jogando, mas melhor que o jogador que você era antes daquele desafio! Sekiro: Shadows Die Twice é construído de forma que você nunca irá progredir sem ter aprendido algo, jamais passará de um chefe sem estar preparado para ele. A morte faz parte do gameplay como nunca antes na série Soulsborne e você será recompensado a todo novo desafio superado com uma das mais bem construídas sensações de superação que um jogo pode proporcionar.
Sekiro não é perfeito em tudo, mas executa com maestria aquilo a que se propõe a fazer. Palavras ou números em uma avalição não definem o sentimento de jogar este título.
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Activision.