Ao dar uma primeira olhada em Days Gone, é fácil fazer associações com outros exclusivos da Sony, games de mundo aberto ou jogos pós-apocalípticos. O gênero de zumbis está saturado, diriam alguns, enquanto a empolgação a cada capítulo de “The Walking Dead” ou título que tente adicionar à fórmula mostram que as audiências estão mais vivas do que mortas. O título da Bend Studio, então, tenta entrar nesse barco e tenta firmar sua própria personalidade, ao mesmo tempo em que se baseia em elementos que já vimos antes.
Não que isso seja ruim, muito pelo contrário. Boas mecânicas e ideias, afinal de contas, são o que dividem um bom jogo de um ruim. O problema é quando ficamos no limiar, não se aproveitando totalmente daquilo que há de bom e reconhecível, mas também evitando dar um passo ousado na direção de algo que poderia trazer algo de novo à fórmula.
Essa dualidade está presente em praticamente todos os elementos de Days Gone, desde seu enredo até as mecânicas e funcionamento do mundo. A maioria de seus aspectos são interessantes, mas todos têm um “porém”, muitas vezes inexplicável. Mesmo na jogabilidade em duas rodas, o maior pilar e também seu aspecto mais interessante, existem vírgulas e considerações a serem feitas.
Andar de moto pela terra devastada de Days Gone é, sem dúvida, uma das coisas mais interessantes do game, junto com outro aspecto diretamente relacionado do qual falaremos mais adiante. Ao contrário do que acontece com muitos jogos de mundo aberto, há uma preocupação com a física e a variação de terreno, exigindo que o jogador esteja sempre atento ao que está à frente.
Ir de um ponto a outro nunca é um mero deslocamento, pois o caminho está sempre cheio de obstáculos. Carros destruídos, escombros e até pontos de interesse aparecem o tempo todo e exigem habilidade ao guidão. Pisar fundo o tempo todo não é indicado, já que a moto é pesada e difícil de controlar, como um modelo real. O barulho do cascalho se chocando contra as peças passa uma sensação de realismo e manobrar o veículo, em caso de erro, não é tarefa das mais rápidas.
Nada em Days Gone cativa de verdade, mas o jogo também não deixa a desejar. A Bend Studio parece ter aplicado cautela demais, o que é bom, mas tornou o resultado um pouco morno.
Entretanto, todo o peso e robustez de nossa companheira de viagem é, literalmente, quebrado quando a moto parece ser de porcelana. Um dos principais aspectos de Days Gone é a busca por recursos e isso também se aplica à nossa companheira de duas rodas. Ela pode quebrar e apresentar defeitos como qualquer outro maquinário de um mundo devastado e sem a manutenção adequada. O problema é que isso acontece por absolutamente qualquer coisa.
Mesmo em baixa velocidade, colidir contra o que resta de um carro ou construção já gera algum dano, assim como saltar ou deixar a moto cair no chão ao sair dela com rapidez. E, na pior escolha de design, atropelar criaturas em alta velocidade, uma das coisas mais deliciosas de se fazer em Days Gone, também pode ser causa de problemas.
É claro, atropelar um indivíduo em alta velocidade não é o ideal para nenhum tipo de veículo, mas no game, fazer isso é correr um sério risco. Fugir de uma situação complicada passando por cima de tudo pode parecer uma solução óbvia para o jogador, mas ele sempre deve saber que, ao tentar, podee sofrer uma quebra bem no meio de uma horda, transformando o que seria um momento épico de sobrevivência em um fracasso saboroso para os inimigos comedores de carne.
E já que estamos falando das hordas, são elas o segundo brilho glorioso de Days Gone. Jogos de zumbis existem aos montes por aí, mas existem poucos em que os mortos se comportam como uma onda implacável, que corre em direção ao alvo e faz barulho de maneira ensurdecedora e absolutamente assustadora. É preciso pensar rápido nesses momentos e tomar a decisão correta, que normalmente envolve correr e usar explosivos.
A alegria de ver bombas detonando os monstros e jogando corpos para todos os lados aparece lado a lado com a tensão de saber que, ao contrário de Deacon, eles são incansáveis. O motoqueiro é mais rápido que os inimigos, claro, mas também tem uma barra limitada de fôlego. Correr sem parar nunca é a opção, o que faz com que escolhas como o posicionamento da moto antes do início de uma missão ou o conhecimento do terreno sejam essenciais, também, para a sobrevivência.
As quedas na taxa de frame rate incomodam, mas não atrapalham, e mostram que o PS4 já tem dificuldade em carregar os elefantes saídos dos estúdios.
Tais aspectos ajudam também quando a performance deixa a desejar. Days Gone até impressiona na versão básica do PS4, mas não consegue fugir das quedas de frame rate em ataques de horda ou momentos em que há mais elementos na tela.
Há, ainda, algumas questões de processamento paralelo que ficam evidentes na transição de cenas in-game para cutscenes, com texturas surgindo diante dos olhos do jogador e elementos sendo carregados enquanto o “filme” já está rodando. Ao avançar pelo jogo, a moto se torna mais rápida, com motor melhor e um nitro, o que faz com que os pop-ins se tornem ainda mais evidentes enquanto os cenários são carregados bem na nossa frente.
As baixas no frame rate atrapalham um pouco, principalmente nos momentos que exigem movimentos rápidos, mas não são muitas as situações em que o jogador vai morrer por conta disso. Na maioria do tempo, as mortes acontecerão por vacilos ou desatenção, ou simplesmente pela tomada equivocada de decisões, algo comum em jogos de mundo aberto e apocalipse. Tais aspectos, entretanto, servem como uma prova de que, principalmente em suas versões tradicionais, o PS4 já sofre um bocado para carregar os elefantes saídos dos estúdios.
No panorama geral, Days Gone apresenta um estilo um pouco diferente da maioria dos jogos de mundo aberto. Desde o começo, percebemos que o game da Bend Studio está aqui para contar uma história em que os elementos do ambiente, assim como seus próprios personagens e acontecimentos, são personagens centrais. A trama, claro, é levada adiante por Deacon e seus dramas pessoais, mas a ideia é que todo o restante, também, seja parte essencial do enredo.
Estamos dois anos depois do apocalipse e também da perda da esposa do protagonista. Antes membro de um motoclube, cujos colete e valores ele ainda carrega nas costas e no coração, Deacon se tornou um errante, que trabalha caçando recompensas envolvendo Frenéticos, como são chamados os zumbis desse universo, e realizando pequenas tarefas para seguir adiante. Ele se agarra ao pouco que resta de sua vida pregressa, uma mistura de obsessão e sentimento que também carrega a história para frente.
Tais elementos se desenrolam em um mundo não apenas devastado, mas também decrépito. Ao andar pelo que restou das rodovias, mas passando a maior parte do tempo em estradas de terra, o jogador percebe que nem mesmo existe uma esperança de que as coisas voltem a ser como eram antes. Tudo, efetivamente, acabou e, agora, assentamentos e sobreviventes tentam se reerguer, não sem antes entrarem em conflito na medida em que tentam aplicar aquilo que acreditam ser uma nova sociedade.
Para o jogador, a sensação é de sempre estar alheio a tudo isso. Deacon tem seus companheiros mais próximos e também aliados que surgem aqui e ali, mas na maior parte do tempo, a sensação é de estarmos de passagem, o que auxilia na construção do clima de desolação. Os objetivos do personagem principal estão sempre adiante e ele passa o tempo se preparando para coisas que virão. Afinal de contas, porque existiria a intenção de firmar raízes para alguém que perdeu as poucas que já teve na vida?
Com a jogabilidade, a intenção da Sony Bend foi atrelar tudo a esse sentimento. Como em todo jogo de mundo aberto, é claro que existem as missões secundárias, mas mesmo elas tentam causar reflexos no ambiente como um todo. Uma das mais frequentes, por exemplo, envolve a destruição de ninhos do Frenéticos como forma de tornar os caminhos um pouco mais seguros. Às vezes, elas podem ser promovidas de paralelas a principais, uma vez que, ao limpar uma rota, novas possibilidades se abrem. O mesmo vale, por exemplo, para o assassinato de oponentes de um assentamento, que aumentam a confiança das pessoas em Deacon e faz com que elas trabalhem mais ao lado dele.
Além disso, pelo caminho, é essencial vasculhar tudo em busca de itens, ferramentas e objetos para criação. Como estamos de moto o tempo todo, a gasolina é um dos elementos imprescindíveis, mas outros como querosene, garrafas e trapos assumem importância similar. O fogo é uma das principais armas de Days Gone, principalmente na já citada destruição de ninhos, e andar sempre carregado de coquetéis molotov e explosivos facilitará bastante a vida de Deacon.
O trabalho na movimentação também apoia a opção pelos combates corporais. Bater em Frenéticos ou oponentes traz a violência esperada de um taco com pregos acertando uma cabeça, com sangue espirrado e execuções bastante brutais. Atirar também tem o peso adequado e dá para sentir a arma e o recuo ao efetuar cada disparo, transmitindo a sensação de que cada bala é, efetivamente, preciosa.
O problema é que o game nunca compra realmente suas apostas. A munição é escassa, a gasolina também, mas a não ser que atire e ande como um louco, o jogador dificilmente se verá sem balas ou com o tanque vazio. Sucata é essencial para sair de uma situação de moto quebrada, mas ela também está em todos os lugares, assim como os elementos para criar molotovs ou itens de cura.
A progressão é lenta e, mesmo com um sistema de upgrades, a sensação é de se estar melhorando aquilo que já é adequado à sobrevivência, tornando o game mais fácil a cada novo ponto de habilidade. É claro, Days Gone tem os seus momentos de tensão, mesmo com um protagonista “tunado”, e dar de cara com uma horda, seja ela escriptada ou não, é sempre assustador. Mas na maioria do tempo, se souber como jogar, o usuário seguirá de forma suave.
Os objetivos sempre repetitivos ajudam nessa sensação de que Days Gone é mais um passeio por uma terra arrasada do que uma verdadeira luta pela sobrevivência. Queimar ninhos é uma experiência tensa, pois faz com que os Frenéticos se espalhem, mas rapidamente o jogador perceberá como a inteligência artificial funciona e saberá como lidar com a situação de olhos fechados. O mesmo vale para inimigos humanos, que tendem a se espalharem pelo cenário, gerando grandes oportunidades de mortes furtivas ou disparos precisos, acabando por cair um a um.
Os animais são uma ameaça à parte e acabam representando as boas surpresas de Days Gone em termos de inimigos. Lobos infectados, por exemplo, surpreendem quando surgem sorrateiramente em meio a grupos de Frenéticos, com o jogador achando que poderá fugir até ser derrubado da moto por um deles. Os ursos, por outro lado, são como tanques, que atacam de forma implacável e bruta. Leonardo DiCaprio sabe bem como eles são e, logo no primeiro confronto, Deacon e o jogador terão a mesma experiência.
As estruturas repetitivas de um local desolado, que já deveria ser meio devastado antes mesmo da infecção, não chamam a atenção. Interiores sempre parecidos e prédios com pouca personalidade falham em dar brilho e uma cara real a esse universo, dificultando até mesmo a localização e o senso de direção dos usuários. Tudo é muito igual o tempo todo e faltam detalhes, transformando tarefas de exploração em algo mecânico e feito quase que de olhos fechados.
A Bend Studio também escolheu um meio tradicional e engessado para contar sua história. Apesar de o enredo ser aquilo que nos leva para a frente, a opção por flashbacks não foi das melhores, por tornar o desenvolvimento arrastado e previsível. O texto não ajuda, apesar de as interpretações, principalmente a de Sam Witwer, no papel principal, impressionar.
Aliás, há de se levar em conta o amplo trabalho de dublagem e expressividade feito em Days Gone, algo que também o faz se destacar entre outras propostas de mundo aberto. Os personagens centrais, principalmente, têm boa expressão facial, apesar dos rostos comuns, pouco criativos e até parecidos demais com vistos em outros jogos. A localização nacional não deixa nada a desejar em relação à original, mas os bugs também aparecem aqui, com frases deslocadas ou que não carregam no momento correto, além de legendas fora de sincronia.
Days Gone é um título com dezenas de horas, mas, às vezes, a sensação é de que ele poderia ser muito menor. Quando encontramos barreiras artificiais como a necessidade de mais molotovs do que o personagem é capaz de carregar para completar uma missão ou escolhas questionáveis com relação à forma que o enredo é contado, a impressão é que o game tem gorduras desnecessárias, que poderiam ter sido deixadas de lado em prol de, por exemplo, um maior polimento ou enriquecimento do enredo.
Seguir os agentes da NERO para ouvir suas conversas é interessante na primeira ou na segunda vez, com toda a sensação de estarmos em território inimigo aumentando a tensão. Queimar ninhos e botar fogo em construções tomadas pelos Frenéticos também. Mas quando fazemos isso inúmeras vezes seguidas, ou andamos sempre pelos mesmos lugares para liberar cutscenes, o resultado acaba ficando um bocado enfadonho.
Há pouca sensação de urgência em Days Gone, mesmo quando um amigo está ferido ou à beira da morte. E, como tal, o título também se mostra como um para ser jogado devagar e em pequenas doses, ao contrário do que manda a maioria dos títulos de mundo aberto, nos quais a palavra de ordem é mergulhar no universo e viver aquela vida como se fosse a sua própria.
Nada no título efetivamente cativa, com exceção, talvez, da sensação de andar de moto pelas terras devastadas, mas, da mesma maneira, nada é mal acabado ou ruim. Com sua nova franquia e em sua primeira aventura pelo gênero sandbox, a Bend Studio parece ter aplicado cautela demais, o que é bom em um título dessa categoria, mas também acabou por tornar o resultado final um bocado morno.
E isso é algo que está aquém das capacidades do estúdio e, também, do próprio universo criado por ele. Days Gone poderia ser muito mais, mas ao ser criado por gente que preferiu jogar seguro, acabou deixando a desejar até mesmo em relação às suas propostas. A nota 70 deste review é branda como o próprio game, mas os motoqueiros, Frenéticos, Deacon, Sarah e Boozer poderiam ser bem maiores do que tudo isso.
O jogo foi testado no PS4, em cópia cedida pela Sony.