O coração da selva amazônica não é necessariamente o lugar mais amigável do mundo, mas sob a sombra da mata fechada, a Collective Justice Mission viu seu renascer e estabelecimento. É uma cidade sustentável, uma sociedade fechada baseada em ideais de compartilhamento de recursos, além do temor a Deus, liderada por duas figuras que regem o caminho de todos os outros.
Estamos nos anos 1970, uma época de liberdade de pensamento e, também, de repressão, que levou o culto religioso a deixar os Estados Unidos e se dirigir à América do Sul. Sob o comando de Isaac e Rebecca, dezenas de fieis deixaram a vida fácil das cidades em prol da devoção. E você, como um ex-policial, deve se infiltrar no meio disso tudo, não a serviço da lei, mas por interesses bem familiares.
The Church in the Darkness é a obra de Richard Rouse III, o nome por trás de jogos como The Suffering e Homefront. Em seu mais recente título, ele reúne as características de loucura, violência e discussão política dos antecessores, mas embaladas em um pacote bastante diferente do usual. A descrição acima, por exemplo, pode até ter te lembrado de Far Cry 5, mas as semelhanças param por aí.
A verdade é que o título, agora desenvolvido pela independente Paranoid Productions, apresenta o tipo de ideia que até estamos acostumados a ver por aí, só que de uma maneira um tanto diferente. A ambição de um mundo procedural e opressor, com forte e clara inspiração em games mais do passado do que do presente, chama a atenção, mas só até o momento em que colocamos o título para rodar.
No controle de Vic, que é ex-oficial da polícia, estamos em busca de Alex, nosso sobrinho seduzido pelo carisma de Isaac e a Collective Justice Mission. Partimos sozinhos e subequipados para o meio da mata e nos infiltramos em um local que não tolera estranhos e, mais do que isso, rejeita tudo o que vem de fora, uma vez que seu estilo de vida já foi ameaçado por isso. Agora, eles estão isolados, o que significa que podem prosperar, mas também que podem desaparecer sem deixar vestígios, pelas mãos do inimigo. Por isso, o ideal é não deixar ninguém chegar perto.
The Church in the Darkness é um jogo cheio de ambição e com grande visão, mas que acaba falhando no básico, sem apresentar uma boa experiência para acompanhar essa abordagem diferenciada.
Incorporamos um personagem cujo gênero e tom de pele é selecionado pelo jogador, e isso tem influência na história. Da mesma forma, os nossos atos também mudam as coisas, e aqui, falamos de forma literal: tudo muda algo. Você pode agir como uma máquina de matar ou uma sombra furtiva, pode seguir do começo ao fim da aventura sem ter contato com ninguém, além dos personagens essenciais, ou, então, assumir uma abordagem no meio termo, de acordo com os desafios que vão sendo apresentados.
A história é contada por meio de narrações que soam tão opressoras quanto interessantes. Os atos de Vic são refletidos imediatamente nas falas de Isaac e Rebecca sobre a missão do culto e porque estão ali. Palavras de ordem contra o estilo de vida americano aparecem o tempo todo e, na medida em que o jogador se deixa flagrar, o texto apenas vai ficando mais agressivo.
A jogabilidade, no entanto, segue no sentido contrário, com The Church in the Darkness apresentando mecânicas bastante limitadas e que ficam abaixo das possibilidades que apresenta em seu enredo. O sistema é interessante, com elementos de cenário que mudam a cada jogada, assim como diálogos e itens encontrados, mas a felicidade com as mecânicas para por aí.
Em meio a quedas de frame rate constantes, com um jogo que, mesmo com os gráficos simples, insiste em não rodar nem mesmo a 30 quadros por segundo, o usuário notará as diferentes abordagens para com os inimigos e habitantes, que podem ser rendidos, revistados, desmaiados ou mortos. Rapidamente, entretanto, perceberá que o melhor é, mesmo, permanecer pelos cantos e torcer para dar sorte na montagem dos cenários procedurais.
Jogar pedras para atrair a atenção de soldados ou usar a falta de visão periféricas deles em favor próprio é um conceito de tantos jogos desse estilo, presentes também aqui. A abordagem furtiva, entretanto, acaba minada pelo peso dos controles e a falta de detalhamento dos visuais, que muitas vezes dificultam até mesmo enxergar um inimigo entre os diferentes elementos presentes. Da mesma forma, bancar o Rambo não é nada recomendado, pois atirar não é tarefa fácil, por mais que a munição não seja exatamente limitada.
Existem conceitos interessantes e que tornam as coisas menos penosas, como o uso de disfarces que permitem mais liberdade de movimento ou os esconderijos espalhados por todo lugar. O jogador também tem algumas chances extras, quase como “vidas”, que são gastas sempre que ele esgota a barra de energia. Isso, também, muda as coisas e pode tornar os membros do culto religioso mais agressivos e atentos.
Assim como a abordagem está nas mãos do jogador, a forma como ele vai encarar a missão também muda. Os objetivos, em si, não se alteram, mas cabe a cada um seguir diretamente até eles ou explorar os cenários em busca de suprimentos e itens, além de arquivos que contam mais sobre a história (e também servem para liberar opções extras em alguns momentos mandatórios da história).
Após algumas rodadas, entretanto, o jogador se verá com mais vontade de ir direto ao ponto, seja para um momento que acredite ser de divisão entre possibilidades, ou simplesmente por ficar cansado de lidar com as mecânicas ruins do jogo. A aventura é curta, mas com mais de uma dezena de finais, investe pesado no fator replay, mesmo não sendo nada interessante onde mais importa.
The Church in the Darkness acaba sendo um game com uma visão e ambição maiores do que o resultado final apresentado. O game da Paranoid falha no básico, que é apresentar uma experiência divertida para acompanhar a abordagem diferenciada, e acaba não passando acima da linha que divide um game ruim de um bom. De boas intenções, o inferno está cheio, e assim como a Collective Justice Mission, essa é uma iniciativa que pode acabar na obscuridade pelo próprio caráter duvidoso de sua execução.
O jogo foi testado no Switch, em cópia cedida pela Fellow Traveler.