Erica

Erica

por Felipe Demartini

Você decide

Ninguém dá muita atenção ao sistema PlayLink, que permite o uso do celular para experiências interativas com jogos do PlayStation 4. Mas foi justamente por meio dele que apareceu uma das propostas mais interessantes e, porque não, surpreendentes da gamescom 2019, quando Erica não apenas voltou a aparecer aos olhos do mundo de uma forma completamente diferente, mas foi disponibilizado logo após sua demonstração, durante a cerimônia de abertura do evento europeu.

O título de estreia da Flavourworks tenta investir em um estilo que ficou consagrado, justamente, nos consoles da Sony e a partir de títulos como Until Dawn ou obras da Quantic Dream. A ideia é proporcionar uma “noite de filme”, com os jogadores não efetivamente interagindo com o mundo ou os personagens, mas realizando escolhas em pontos-chave que mudam a trama e podem levar a resultados esperados ou não.

A diferença é que, aqui, esse caráter é literal, já que Erica é, realmente, um filme jogável. Gravado inteiramente em live action e com pouquíssimas aplicações gráficas, o game funciona, ao mesmo tempo, como uma relíquia de um passado em que “jogos como filmes” eram a norma, enquanto apresenta alguns problemas para funcionar de verdade.

O primeiro deles é um elefante que tiraremos da sala desde já: ignore a indicação dos desenvolvedores e esqueça jogar com o celular. Pelo menos durante nossos testes, a experiência utilizando o aparelho foi das piores, não pela interação em si, que funciona muito bem, obrigado, mas por todo o restante. O título simplesmente travava a todo minuto, com cenas que ficavam congeladas na tela enquanto o áudio indicava que as coisas estavam seguindo adiante.

Erica

Não sabemos exatamente o que aconteceu, mas testamos todas as possibilidades que estavam em nosso alcance, sem sucesso. No NGP, jogamos em um PS4 Fat e, originalmente, ele está cabeado, enquanto o celular fica ligado ao Wi-Fi. Mesmo com ambos na rede sem fio, e após duas reinstalações do game, não foi possível aproveitar Erica com o sistema PlayLink. Felizmente, é plenamente possível jogar com o controle, sendo a única diferença, aqui, o tamanho da superfície sensível ao toque.

Erica não é o maior blockbuster do mundo, nem o game com as melhores atuações que você já viu, mas cumpre o que promete e, pelo preço de um ingresso de cinema, manterá você ligado e instigado.

Sim, Erica é jogado inteiramente pelo touchpad, com exceção de alguns eventuais pressionamentos do botão Bola para sair de um determinado ponto de atenção. Com isso, a Flavourworks reforça seu caráter de filme interativo, uma vez que mesmo jogadores inexperientes poderão aproveitar o título sem olhar para o joystick. Essa, inclusive, é a intenção aqui, fazer com que os jogadores (se é que podemos chama-los assim) efetivamente assistam.

Os comandos não exigem muito e, na esmagadora maioria dos momentos, envolvem pequenos movimentos ou a escolha de uma linha de diálogo ou atitude. A simplicidade é máxima, justamente pelo fato de a jogabilidade em si. Esse, por si só, já é um aspecto que deve afastar muita gente. A Flavourworks também sabe disso e, justamente por isso, investiu em uma trama não exatamente intrincada, mas que possui ramificações claras e, principalmente, sabe deixar o jogador instigado.

Erica

Erica, claro, é nossa personagem principal. Interpretada por Holly Earl, ela vive atormentada pelo assassinato do pai e acaba envolvida em uma nova trama de mistério quando recebe uma mão decepada pelo correio. A investigação acaba a levando ao centro dos mistérios da Casa Delphos, um local de atendimento a jovens garotas que também está no centro da história de sua própria família.

A interpretação da protagonista não é de todo ruim, mas a dublagem em português brasileiro, por incrível que pareça, ajuda bastante, além de ser uma grata surpresa. Earl mantém aquele ar de assustada e impactada durante todo o tempo, não o bastante para tornar a trama uma galhofa, mas o suficiente para fazer com que o jogador se destaque dela enquanto protagonista, passando a se importar mais com as decisões e o centro do enredo do que com o bem-estar da personagem principal.

Ninguém, na realidade, dá um show de atuação, mas alguns dos atores, bem como dubladores, apresentam um trabalho competente. A grata surpresa de termos um game completamente em português e falando nosso idioma ajuda, e não existem os tradicionais erros de tradução e problemas de contexto que normalmente aparecem nos jogos da Sony, apesar de os ouvidos mais atentos perceberem falas sendo repetidas durante a edição.

Erica

Vamos evitar falar mais sobre a trama pois Erica é um daqueles games que, quanto menos você souber, melhor. A levada da história é das mais tradicionais, constituindo mistérios paralelos para depois os resolver, mas é interessantíssimo notar que, ao assumir essa postura um tanto conservadora em relação ao enredo, o game também acaba mexendo com o jogador, o colocando em uma posição de, poucas vezes, ter plena convicção do que está fazendo.

Foi impossível fazer o game funcionar com o celular, pois essa interação gerava travamentos constantes. Felizmente, Erica também pode ser jogado com o touchpad do controle.

A jovem Erica não serve, na esmagadora maioria dos momentos, como um agente de mudança, mas sim, como uma peça em um xadrez muito maior, jogado por gente com um entendimento pleno das coisas. Ela costuma estar em posição reativa e, mesmo enquanto coleta informações, faz perguntas e tenta entender o que está acontecendo, o jogador não vai saber exatamente até que ponto vai a manipulação.

Enquanto as barreiras entre verdade e mentira são indistinguíveis, o peso sobre as decisões aumentam, principalmente entre as que aparecem em pontos chave da história, em que claramente percebemos estarmos diante de uma alteração de final. São vários para explorar em Erica, com desfechos às vezes bizarros, outras vezes heroicos, mas sempre instigantes.

Erica

Como um filme, o título pode ser terminado em menos de duas horas, mas a quantidade de opções faz com que o fator replay seja alto, apesar de as coisas mudarem de verdade apenas no final. E como um bom longa, Erica é daqueles que surpreendem, envolvem e divertem, como todo bom entretenimento.

Para os fãs de longa data dos jogos em live action, é uma alegria ver os jogos nesse estilo recebendo esse tipo de tratamento, que passa longe da galhofa e traz bons valores de produção. Erica não é o maior blockbuster do mundo, nem o game com as melhores atuações que você já viu, mas cumpre o que promete e, pelo preço de um ingresso de cinema, manterá você ligado e instigado. Funciona, apesar dos problemas técnicos e, acima de tudo, entrega o que promete de forma simples e objetiva, como se vê pouco na inflada indústria de hoje.

O game foi testado em cópia cedida pela Sony.