Alguns dos jogos de mundo aberto da Ubisoft são feitos sob um modelo já estabelecido e isso é bom. Não é difícil vermos em um título, por exemplo, métodos de varredura de uma área feita por drones, e em um outro, a mesma coisa realizada por uma águia, e ambos seguem muito bem. Pegar elementos que funcionam e mistura-los tem dado certo e geraram bons jogos.
Pensando dessa forma, quando Tom Clancy’s Ghost Recon: Wildlands saiu em 2017, com seu enredo mais pé no chão, atual, cheio de referências culturais e de gameplay mais crível – onde um tiro na testa É um tiro na testa –, logo me veio à mente The Division e toda a sua boa história empolgante e futurista, clima de filme de ação e com a jogabilidade beirando o surreal. Ambos muito competentes no que propuseram, mas que deixavam uma sensação de “podia ter isso”.
O “isso” seria um amálgama perfeito desses jogos. Um com aspecto multiplayer, com o loot constante de equipamentos diversos e brilhantes liberando rios de dopamina no nosso cérebro e uma generosa pitada ficcional bem amarrada como visto em The Division. E um outro, com o mesmo mapa gigantesco, lotado de veículos utilizáveis, heróis, anti-heróis e vilões carismáticos e a ação desenfreada e tática onde tudo pode depender de um tiro, assim como em Wildlands.
Hábil em misturar, a Ubi faz exatamente isso com Tom Clancy’s Ghost Recon: Breakpoint. Algumas coisas soaram bem, a presença do ator Jon Bernthal como vilão é uma delas, já outras não foram tão boas assim.
A união de duas boas ideias não fez um jogo ótimo. A impressão final é que a Ubisoft deu um passo para trás com Breakpoint, e agora, precisará dar dois pra frente para continuar avançando.
Quatro anos depois dos eventos do jogo anterior, dessa vez sem um cartel de drogas multifacetado para desmembrar, mas ainda no controle do Líder Ghost, Nomad, partimos em uma missão para descobrir o que afundou o navio de carga USS Seay próximo ao arquipélago Auroa, sede da empresa Skell Tech. Um berço de criações de plenitude tecnológica, porém incomunicável pelo lado de fora.
Para solucionar o caso, a CIA lança a Operação Greenstone e 32 Ghosts, liderados por Nomad, sobrevoam até a ilha principal, mas algo dá muito errado logo na chegada a Auroa. E resta ao Líder Ghost descobrir o que ocorreu no arquipélago, encontrar o paradeiro de seus soldados sobreviventes e terminar o processo vivo, também.
O começo de Breakpoint é o início de qualquer filme brucutu de ação com um pé na mentira e o outro na diversão. Ele dá o tom que aparentemente o título empregará dali em diante. Entretanto, numa curva quase brusca, o jogo apresenta a real premissa: sai de cena a campanha redondinha para que ele se aprofunde os conceitos de multiplayer online.
As missões secundárias parecem até mais interessantes do que a campanha, principalmente as que narram a história do arquipélago. Enquanto isso, o velho mapa de pessoas ligadas ao antagonista volta sem muita informação.
Não há demérito algum nisso, contudo, o próprio The Division faz isso muito bem, sem deixar de criar e aprofundar a narrativa. Em Breakpoint, diferentemente do seu antecessor – onde havia uma história menor, mas bem amarrada, motivações críveis em ambos os lados da briga e personagens secundários precisos para o bom andamento de tudo –, agora o escopo precisou se expandir para tentar enfiar todo mundo ali. Mesmo assim, o jogo pareceu diminuir.
Começando pelo primeiro ponto evidente, o mapa e a ambientação. Se antes, numa Bolívia fictícia e cheia de reais referências culturais e seus vários pontos geográficos, onde precisávamos trocar tiro no deserto de sal e em seguida infiltrar-se em favelas com casas ainda no tijolo para invadir um centro de refino de cocaína, dessa vez baixamos num arquipélago onde o cenário vai de terrenos montanhosos simples para bases e casas high tech assépticas. E só.
Fora outros detalhes cortados para poder fazer esse mundo online funcionar melhor, que vão desde as animações a alguns veículos, como os aviões, por exemplo. Até mesmo a dublagem e o texto de interação foram reduzidos ao máximo, que eram o ponto alto desde o primeiro The Division e evoluíram bastante em Wildlands. Ou seja, empobreceram o jogo no todo para mantê-lo vivo através de capítulos e DLCs futuros.
A quantidade e disponibilidade de armas de todos os tipos é bem completa e constante. É quase impossível dois personagens iguais se cruzarem em Erewhon.
Em Tom Clancy’s Ghost Recon: Breakpoint, você pode customizar o Nomad com todo aparato militar disponível. Objetos dropados de inimigos, com seus níveis e bônus evoluindo conforme se avança. Mas não importa o nível do coturno ou o quanto ele é tratorado, Nomad vai escorregar como se estivesse de All Star surrado. E em um cenário montanhoso, isso vai acontecer com frequência.
Apesar disso, a movimentação do título está melhor. Com o foco agora apenas em Nomad – não há mais companheiros controlados pela IA para auxiliar ao jogador –, foi dada uma atenção especial a esse ponto. Isso facilitou um pouco a vida na caçada aos soldados do Coronel Cole D. Walker, interpretado pelo ator Jon Bernthal. É possível finalizar o game sozinho sem maiores dificuldades.
Mas isso não significa que os tiroteios frenéticos cessaram. Em determinadas áreas, o framerate vai cair durante os combates de maior intensidade. Nas versões básicas dos consoles, essas quedas serão mais frequentes. Quanto ao combate, Ghost Recon: Breakpoint manteve toda a parte boa dos jogos de tiro da Ubisoft. Ainda é muito bom marcar os inimigos com o drone e caçar um por um, seja com uma sniper silenciosa ou chegando com um trabuco barulhento e destroçador, dependendo do estilo.
Contrastando novamente com o título anterior, a sutileza dessa vez nem sempre será a melhor aliada. Com a alta tecnologia vinda da Skell Tech, drones de combates com metralhadores de calibre grosso vão encontrar o jogador com facilidade dependendo dos níveis e do cenário, onde só o confronto direto trará um bom resultado.
Aqui, John Wick ou Neo fariam uma festa. A quantidade e disponibilidade de armas de todos os tipos é bem completa e constante. É quase impossível dois personagens iguais se cruzarem em Erewhon, reduto dos refugiados de Auroa e a famosa área social dos jogadores.
É aqui que missões principais são adquiridas, projetos de armas são entregues, arena para PVP são montadas e dezenas de “outros Nomads” se cruzam ao mesmo tempo. Curiosamente, formando um exército até muito mais sofisticado que o do próprio Coronel Cole D. Walker.
É uma área que, na verdade, não faz muito sentido. Quando você é apenas mais um agente da Division, soa coerente estar sempre esbarrando com um colega. No caso de Breakpoint, como os próprios NPCs levam o lugar bastante a sério dentro da história – afinal, famílias e crianças fazem dali sua proteção contra a tirania do vilão –, o mesmo sistema falha, fica estranho, justamente por serem propostas diferentes.
Aprofundando um pouco mais a diferença entre os jogadores, ela não fica apenas na estética. A árvore de habilidades gerais, mesmo não sendo tão extensa, consegue minuciar bem qualquer estratégia. É possível, inclusive, transitar entre as quatro “classes” iniciais, cada uma com habilidades e itens específicos, um recurso muito útil na hora de planejar a invasão de uma base mais trabalhosa.
Quanto à campanha principal, encontraremos o velho mapa de pessoas ligadas ao antagonista, que volta ao título. Só que, dessa vez, sem muita informação, se tornando até um pouco desinteressante, chegando ao ponto de um rosto novo aparecer ali e notarmos no acidente. Desse jeito, as missões secundárias parecem até mais interessantes, principalmente aquelas que narram a história do arquipélago e o seu papel estratégico nas grandes guerras mundiais. Algumas outras tarefas para fazer dentro do jogo estão lá para prolongar o tempo do jogador dentro dos servidores, mas não acrescentando muita coisa.
Quanto ao conflito do jogo, o personagem interpretado por Jon Bernthal já tinha aparecido na última DLC lançada para o Wildlands, Operation Oracle, que serve quase como um prólogo para o novo jogo da Ubi. Em Tom Clancy’s Ghost Recon: Breakpoint, os encontros com o vilão são mais pontuais, narrando, principalmente, seu passado quando ainda era um irmão de armas de Nomad.
Por mais carismático que Bernthal seja, entretanto, infelizmente ele não segura firme o bastão passado por El Sueño. O problema real é que tudo estava nivelado alto demais. Unir o sistema viciante de The Division com a estrutura de Wildlands foi demais para Breakpoint. Aparar arestas de um e de outro para encaixar no molde definido pela Ubisoft o deixou deficiente.
Enfim, sem o numeral nos títulos, para quem cai de paraquedas, parece que o velho Wildlands é uma sequência caprichada do Breakpoint. A união de duas boas ideias não fez um jogo ótimo. A camada grossa de multiplayer, que soara tão interessante antes, funcionou até o momento em que o novo jogo precisou se provar uma boa história. A impressão final é que a Ubisoft deu um passo para trás com Breakpoint, e agora, precisará dar dois pra frente para continuar avançando.
O game foi testado no PS4, em cópia cedida pela Ubisoft.