Quem nunca ouviu a história do motorista de Uber que está no volante há dezenas de horas, sem dormir ou comer, pois caso contrário não conseguiria pagar as contas? Essa é uma das realidades de Lina, a protagonista de Neo Cab e também uma das últimas condutoras humanas dessa distopia futurista, controlada por corporações e robôs que afastam cada vez mais os humanos uns dos outros.
É nesse ensejo iluminado a luzes de neon roxo que ela decide largar tudo e se mudar para uma nova cidade para morar com uma amiga, que acaba desaparecendo pouco depois da chegada da protagonista. Agora, entre passageiros com diferentes necessidades e corridas longas ou curtas, em meio a passagens no posto, descobrimos um mistério que nos leva ao submundo desse universo de ficção científica e, também, ao cerne de algo que está acontecendo agora mesmo, em nosso mundo e bem diante de nós.
O título da Chance Agency bebe na fonte dos adventures antigos e é inteiramente baseado em diálogos. Estamos ao volante, sim, mas não dirigiremos o carro nem andaremos por aqui, algo que serve quase como uma alegoria incômoda e poderosa do próprio ensejo de Neo Cab. Um jogo simples em sua superfície, mas que apresenta discussões e muitos diálogos de uma forma interessante, mas questionável.
O enredo de Neo Cab é contado de forma monótona, tem camadas de entendimento para atingir a todos. Talvez seja melhor o acompanhar aos poucos, e não em uma grande maratona.
É estranho notar, por exemplo, que um jogo narrativo como este daria tão pouca atenção às expressões faciais e interação entre os personagens. Apesar do estilo interessante, com um cel shading bonito e uma direção de arte arrojada, a repetição de expressões faciais e a apatia dos personagens incomoda a muito, principalmente em um game no qual eles sempre estão parados e sendo vistos em close.
A monotonia visual não é quebrada pelos desafios de Neo Cab, pois, mais uma vez, estamos falando de um jogo puramente narrativo. São muitas possibilidades e opções de diálogo que nem sempre estão nas mãos do jogador, uma vez que um medidor de humor controla as reações de Lina tanto quanto os próprios cliques do mouse. Ela pode não ir com a cara de um passageiro ou simplesmente não estar em um bom dia, o que muda, até certo ponto, o andamento da trama.
Tais conflitos, entretanto, não ocupam um lugar significativo no enredo, já que, mesmo sendo deliberadamente péssimos em nossa análise, não conseguimos encontrar a tela de game over. Mais uma vez, um reflexo do foco total e restrito de Neo Cab sobre o enredo, que mais do que um “simulador de Uber” como pode parecer em um primeiro momento, se foca exclusivamente em contar uma história de maneira quase literária.
Nisso, ele acerta de forma excelente. Como um bom livro de ficção científica, o game tem camadas que agradarão a diferentes jogadores de acordo com o nível de complexidade buscado. Na superfície, temos uma história de mistério que, apesar de contada de forma visualmente monótona e pouco instigante, possui questionamentos o suficiente para que o usuário busque respostas.
É na profundidade que está o maior peso. Neo Cab é uma alegoria de um mundo dominado, literalmente, pela tecnologia, que mais do que facilitar a vida das pessoas, se tornou parte integrante dela e acabou moldando as relações humanas. É como uma máquina que se retroalimenta, com afastamentos de convívio e conectividade constante que, sempre, dá uma vantagem para algoritmos e elementos digitais.
Talvez a sensação de vazio passada pelo conjunto visual de Neo Cab possa ser entendida, até mesmo, como uma metáfora, justamente, desse mundo robotizado e sem personalidade em que Lina vive. A ela, basta apenas continuar dirigindo, e a nós, pelo jeito, também.
O jogo foi testado no PC, em cópia cedida pela Fellow Traveller.