Foi uma história meteórica como nenhuma celebridade ou peça de entretenimento jamais viu. Aparentemente do nada, um jogo com dinâmica e gráficos extremamente simples, lançado em maio de 2013, alcançou o topo das paradas da Apple App Store e da loja Google Play, tornando-se um dos mais comentados títulos para celular de todos os tempos. É claro, estamos falando de Flappy Bird.
O visual retro é composto por apenas três elementos, uma imagem de fundo, que serve como cenário, e canos que devem ser desviados pelos toques do jogador. O usuário controla um pássaro, único recurso gráfico que parece não ter sido copiado, ou pelo menos, inspirado, de Super Mario Bros. A dificuldade extrema e a premissa simplória conquistou o mundo, mas a ascenção e o declínio de Flappy Bird foram tão rápidos quanto uma partida do próprio game.
O título foi desenvolvido pela “empresa” vietnamita .GEARS, entre aspas pois ela é composta por uma única pessoa: Dong Ha Nguyen, de 29 anos de idade. Construindo jogos a partir de sua própria casa, em Hanoi, onde mora com os pais, o objetivo dele era praticar suas habilidades de programação e ganhar alguns míseros trocados com publicidade, já que todos os seus jogos são liberados gratuitamente.
Nem ele mesmo sabe ao certo como a espiral de loucura, sucesso e muitos toques na tela começou. Ele mesmo afirmou nunca ter investido um tostão na divulgação de seu próprio trabalho e, em entrevista ao Chocolate Lab Apps, atribuiu à própria sorte o sucesso de Flappy Bird.
Prático e psicológico
O Tech Crunch, porém, tem teorias mais mundanas sobre o que levou o simples passarinho a se tornar um dos assuntos do momento. Ignorando especulações sobre o uso de bots para download e avaliação automática, uma alternativa negada pelo próprio Nguyen e nunca provada pelos críticos do joguinho, o site publicou um especial que elenca algumas das razões para o meteórico sucesso.
O primeiro passo foi uma análise da trajetória de downloads do software desde seu lançamento, em maio de 2013, até este início de 2014. Observando o gráfico, dá para perceber que o jogo passou praticamente despercebido durante muitos meses, até que começa a apresentar altas e baixas entre os meses de novembro e dezembro.
Foi justamente nessa época que o aplicativo foi descoberto por sites especializados em jogos mobile. Sendo subestimado por muitos veículos e encarado em tom de brincadeira, a premissa simples de Flappy Bird deu início a uma brincadeira: qual veículo escreveria a melhor análise do jogo, avaliando-o com a profundidade que, para muita gente, ele não merecia?
Até mesmo uma hashtag foi criada para a ocasião, com sites como o Mobile Arcade e o próprio Chocolate Lab Apps publicando seus textos sobre Flappy Birds com a mesma atenção e trabalho dedicado a um The Last of Us ou Forza Motorsport da vida. O movimento, claro, chamou a atenção de usuários e, pouco a pouco, Flappy Bird começava a escalar os rankings de downloads.
É aqui que entra a boa e velha propaganda boca-a-boca. O movimento de sites especializados nas redes sociais motivaram alguns downloads, mas a dificuldade insana e a busca maluca por recordes de poucas dezenas de passagens bem-sucedidas por canos levaram todo o restante do mundo a baixar o título.
É justamente aí que entra todo um aspecto psicológico da coisa. O nível absurdo de precisão exigido por Flappy Bird contrastava com sua temática simples. O jogo começou a levar os jogadores a não apenas uma competição com os amigos, mas também com si mesmos. Afinal de contas, como era possível que algo tão básico fosse tão complicado? “Da próxima vez vou passar” era o que mais se ouvia por aí.
Na metade de janeiro de 2014, o gráfico de Flappy Bird assimiu a linha reta que manteria até seu final. Registrando uma marca de dois a três milhões de downloads por dia, o sucesso de Flappy Bird também levou os dois outros jogos da .GEARS, Super Ball Juggling e Shuriken Block, ao segundo e sexto lugares na lista de dez mais baixados da Apple App Store. Nenhum desenvolvedor independente havia conseguido tal feito até então.
Todo o sucesso transformou Nguyen em uma celebridade instantânea, com pedidos de entrevistas, comentários e todo tipo de pitaco sobre Flappy Bird surgindo internet afora. E foi aí que o inferno pessoal dele começou.
“Não aguento mais”
As recomendações, críticas e elogios nas páginas de Flappy Bird na Apple App Store e Google Play começaram a se multiplicar, na mesma medida em que as matérias na mídia começavam a se multiplicar. Poucos perceberam, mas Nguyen começou a desaparecer aos poucos, não dando mais entrevistas e postando bem menos em sua conta pessoa no Twitter.
I am sorry 'Flappy Bird' users, 22 hours from now, I will take 'Flappy Bird' down. I cannot take this anymore.
— Dong Nguyen (@dongatory) 8 fevereiro 2014
E foi pela própria rede social – um dos meios de contato preferidos dos trolls e também dos fãs de Flappy Bird – que o desenvolvedor deu uma notícia devastadora no dia 8 de fevereiro. Sem dar explicações, mas mostrando um respeito a seus fãs, o jovem afirmou não aguentar mais a pressão e anunciou a retirada de Flappy Bird das lojas online para dali 22 horas, na tarde do dia seguinte.
Em uma comoção popular que pode muito bem ser comparada ao frisson causado pelo próprio Flappy Bird, lágrimas começaram a escorrer pela rede social. Enquanto o jogo atingia prováveis recordes de downloads – especialistas estimam que mais de cinco milhões foram registrados entre a mensagem de Nguyen e a retirada do título –, começavam a pipocar também ameaças de morte ao desenvolvedor.
Não houve choro nem vela. Flappy Bird realmente saiu do ar na tarde daquele domingo e deu origem a mais um item da lista de insanidades relacionadas ao game. Poucas horas após o desaparecimento do pássaro voador, aparelhos celulares e tablets começaram a ser ofertados em sites de venda por preços exorbitantes, justamente por contarem com o título instalado.
Uma busca rápida no Mercado Livre, por exemplo, exibe celulares como o Samsung Galaxy S3 Mini com Flappy Bird instalado por R$ 2.189, enquanto um iPhone 4 é objeto de leilão que, no momento em que essa reportagem é escrita, está na casa dos R$ 2.500. E a lista de preços altíssimos segue, com pessoas na comunidade UFPR Mercadão do Facebook, uma das maiores listas informais de venda e troca de produtos do Brasil, oferecendo até R$ 10 mil por um celular com o game.
Uma série de clones também começaram a aparecer pela internet. Entre um criado pela banda Fall Out Boy e um MMO com centenas de pássaros voadores de todo o mundo, veio também o Flappy Generator que, criado por um brasileiro, permitia que qualquer pessoa criasse seu próprio Flappy Bird com o tema que quisesse.
Antes de retirar o game do ar, Nguyen garantiu não ter feito isso por questões legais, como um suposto processo da Nintendo devido ao uso do cano verde de Super Mario Bros., mas não deu mais detalhes sobre o assunto. Agora, o mundo estava órfão e ainda mais desesperado por Flappy Bird.
A história, inclusive, fez lembrar o incidente com Fez 2, quando o designer independente Phil Fish anunciou o cancelamento completo do título justamente por não estar mais sendo capaz de lidar com a pressão da imprensa e dos fãs. O primeiro título se tornou um sucesso após anos em desenvolvimento, principalmente após a história do produtor ter se tornado um dos temas do documentário Indie Game: The Movie.
Encontro sigiloso e a última entrevista
A declaração final de Nguyen viria alguns dias depois, em 11 de fevereiro. Em entrevista exclusiva concedida ao site da revista americana Forbes, o desenvolvedor afirmou que o principal motivo para a retirada de Flappy Bird do ar foi, justamente, o fato que o levou ao sucesso: ele era viciante demais e, sendo assim, não estava fazendo bem às pessoas.
Ele, pessoalmente, se mostrou tão estressado quanto aqueles que o ameaçaram de morte ou que lutavam por recordes cada vez maiores no game. Fumando um cigarro atrás do outro durante a entrevista, o desenvolvedor de 29 anos não quis ter seu rosto exibido em fotos e, durante toda a conversa, ficou desenhando cabeças de macaco em um bloco de notas.
Nguyen contou que essa agitação tomou conta dele desde que Flappy Bird explodiu. Ele passou os dias que se seguiram ao sucesso meteórico do game sem dormir, incomodado pelos incessantes pedidos de entrevista e comentários de fãs exigindo atualizações e novidades. A situação chegou a um limite, e ele decidiu tirar o jogo das lojas online para não enlouquecer.
Na entrevista, o desenvolvedor também rebateu os rumores de que estaria sendo processado ou as diversas teorias da conspiração relacionadas ao título. Para ele, a decisão foi baseada única e exclusivamente nos danos que Flappy Bird estava causando às pessoas, já que a ideia de uma diversão rápida e descompromissada acabou se transformando em uma saga de muita frustração em busca de recordes maiores.
Além disso, ele lembrou que o fim de Flappy Bird também resultou em muito menos dinheiro entrando em sua conta. O jogo era gratuito, mas continha anúncios, que estariam gerando cerca de US$ 50 mil por dia para o desenvolvedor. A paz de espírito, porém, acabou se provando mais valiosa e o pássaro pixelado desapareceu dos céus.
Apesar de tudo isso, Nguyen não se mostrou decepcionado. Após passar dias e dias recuperando o sono perdido, ele pareceu confiante ao final da entrevista com a Forbes. Segundo ele, o sucesso de Flappy Bird mostrou a ele o alcance que ideias simples podem ter e o deixou confiante para produzir novos jogos. Os outros títulos da .GEARS não serão retirados do ar – “a não ser que também se tornem um problema” – e ele já está trabalhando em novos games.
Voos mais altos, e igualmente estranhos, parecem estar diante do desenvolvedor. A entrevista com a Forbes acabou sendo atrasada em algumas horas quando Nguyen foi chamado para um encontro com o primeiro ministro do Vietnã, Vu Duc Dam. O que foi discutido na reunião, porém, ninguém sabe.