Todo fã de RPG em turnos possui algum Final Fantasy do coração. O meu é FF9, membro de uma geração privilegiadíssima, talvez a mais bem-sucedida de todas, que reúne os melhores do ramo. Um lugar que coaduna os mais variados estilos de se contar uma boa história utilizando o gênero como base. Mas um precisou ser o pioneiro – não em data – em grandiosidade em todos os seus elementos para consolidar os JRPGs do primeiro PlayStation como clássicos eternos.
Esse foi, sem sombra de dúvida, Final Fantasy VII.
A simples ideia de refaze-lo nos moldes atuais soava quase alienígena. “Como recolocar toda a magia, o fascínio, o ineditismo e o assombro, novamente?” era uma pergunta fixa após aquela lendária E3 de 2015. Notícias adiante confirmaram que alterações seriam feitas, torcidas de narizes pelo formato episódico foram o padrão. Não imaginávamos sua inevitável necessidade. De sua maneira, a nova versão alterou como olharemos “remakes de jogos” futuramente.
Tal como num RPG, a palavra “remake” evolui com Final Fantasy VII. Não se trata mais de deixar um jogo agradável aos olhos, mecanicamente palatável ou com arranjos mais sofisticados. O contexto muda para um aprofundamento de tudo isso e uma imersão e inclusão – sempre inclusão – de elementos que só enriquecem os pontos altos do jogo.
Final Fantasy VII Remake é um imenso zoom no jogo clássico. Primeiramente, começando pelo óbvio início. Um clássico que retorna triunfante de um jeito que nunca pedimos, mas que se provou fundamental para amarmos ainda mais o que nos conquistou em 1997 e que novamente nos encanta nessa nova jornada recheada de novidades e nostalgia.
Midgar, assim como seu quase homônimo nórdico, é um lugar com suas próprias lendas, lugares e vidas. Essas últimas, em grande parte, tocando o dia a dia na metrópole e completamente alheias à história. Outras são duramente afetadas pelas ações desencadeadas pela Avalanche, e terceiras, ainda, visíveis apenas sob a lente atual, elementos narrativos que, em 1997, eram impossíveis de pormenorizar.
Final Fantasy VII Remake existe e é do jeito que sonhamos. O game nos fez, de novo, chorar e sorrir. É muito bom estar aqui para ver tudo isso de novo, e sorte dos novos jogadores que têm tudo inédito.
Esse foi o segredo para transformar as de quatro a cinco horas do original em um título completo. A ampliação não é restrita apenas à geografia da cidade, está em cada um dos inúmeros NPCs encontrados jogados em meio ao caos após as explosões dos reatores ou apenas circulando pelas áreas comuns dos setores enquanto conversam. Aliás, acompanhar alguns diálogos é fundamental para dar alicerce ao remake como um todo e explicar certos pontos aos recém chegados a Final Fantasy VII.
Tudo ganhou um background, Midgar virou um personagem com sua própria história em uma distopia cyberpunk, narrada por meio dos cenários das partes Baixa e Alta de cada setor. Se antes a passagem pela cidade era acelerada e pouquíssimo aprofundada – por fatores como tempo de jogo, espaço em disco, capacidade do console, e etc. –, agora, explorar cada viela e recanto é gratificante e recompensador, seja pelos itens ou apenas para apresentar minúcias escondidas em texto ou imagem.
Nada está ali por acaso. Nem os antigos e obrigatórios detalhes, nem os novos e muito bem-vindos momentos que dão o charme, tempero e o gosto de chamar o jogo de remake.
Há duas formas de se encantar com a história de Final Fantasy VII Remake. Uma é reconhecer partes originais da obra, outra é se surpreender com momentos novos tão divertidos quanto. A demo lançada é uma representação fiel do começo do jogo, mas toda similaridade quase ponto a ponto se encerra ao vencermos o Scorpion Sentinel. Após o combate, abrem-se novas situações e enfoques, anteriormente preenchidos pelos simples combates randômicos.
Agora, ir do ponto A ao B é uma narrativa adaptada e focada em Midgar, recontando e reconstruindo, deixando tudo ao mesmo tempo familiar e novo. O aprofundamento dos outros personagens menos explorados no original, inclusive, começa neste momento, com as consequências da explosão do primeiro reator estabelecendo o tom que o game adotará durante todo o seu percurso. Pílulas de nostalgia envoltas em novidade.
Para quem nunca jogou o game, o remake vai soar como um action-RPG muito competente – com história inicialmente um tanto turva, a bem da verdade. Contudo, no outro extremo, para o fã, terá tantas partes de comoções genuínas feitas com carinho e respeito que não se emocionar – algumas vezes – é uma tarefa difícil.
O que era antigo foi adaptado ou melhorado e o novo é tão bem feito que parece que sempre esteve lá. Rostos desconhecidos passam a ser familiares em pouco tempo e a maioria faz todo sentido em estarem em seus devidos papéis, com o jogo acrescentando background a alguns protagonistas e à própria Midgar como um todo. Quanto às adaptações, o destaque fica para o trecho de Honeybee Inn e a saga do vestido – essa bem melhor construída, mesmo em seu vai e vem clássico. É uma das melhores partes do jogo e fazer uma tábua remexer é incrivelmente divertido.
Incluir elementos bem construídos e coerentes em espaços vagos é uma tarefa árdua, mas plenamente viável. Fazer o mesmo em pontos já estabelecidos é o real mérito do jogo. É preciso ressaltar o grande trabalho feito em todos os personagens principais, que vai além do esmero visual que os compõe.
Em resumo, conseguiram deixar Aerith ainda mais amável do que nunca – até mesmo em suas frases tristes e carregadas de presságios. Só isso já vale o remake inteiro. Contudo esse trabalho está distribuído entre todos de modo igual, seja na postura de uma Tifa madura, se questionando se os fins justificam os meios, ou em um Barret focado em sua fé nos propósitos da célula ecoterrorista.
Cloud aparece em sua divisão mais clara de personalidades reais ou não, e até mesmo a própria Shinra e seus funcionários ganharam profundidade, indo além da ideia simples de empresa maligna. Tudo isso perfeitamente casado em um sistema que reflete toda a mistura de bons sentimentos que o título nos entrega.
Desde o Final Fantasy IV, lançado em 1991, o Active Time Battle – ou BTA na tradução – é peça fundamental do gameplay da série. Reconhecer o sistema de combate em tempo real no remake durante a BGS 2019 foi muito gratificante. Teruki Endo, diretor dessa parte, conseguiu refazer a experiência de forma simples inicialmente e bem aprofundada adiante. Trocar de personagens enquanto executa determinada ação, emendando uma invocação ou magia, e voltar para continuar a encher a barra de ATB é muito suave e sempre muito veloz.
Não é de hoje que a Square Enix vem buscando criar a harmonia perfeita entre gameplay clássico e moderno. E aqui, o termo “action RPG” nunca foi tão bem encaixado. Alternando sempre em momentos de movimentação frenética com esquivas e defesas precisas, bem como escolhas de menu enquanto o tempo segue em câmera lenta quase parado. Não dá para sentir que um modelo se sobrepõe ao outro.
O fim do primeiro capítulo faz desta uma introdução surpreendente. Nada será como antes e os desafios à frente estão declaradamente maiores, assim como o convite para salvar Gaia.
Poder entrar em combate sempre que quiser, seja no Coliseu de Don Corneo ou no simulador de batalha da Shinra, só reforça que refinamento no gameplay foi um dos pontos altos do desenvolvimento. É muito bom ficar horas em batalha apenas por diversão.
Saber fazer uso das Materias – responsáveis pelas magias e outros movimentos – é fundamental e aplica camadas de opções de abordagem. As inúmeras partículas explodindo a cada efeito é um dos pontos altos do combate onde, por mais caótico que tudo esteja em tela, o frame rate se mantém firme – mesmo no primeiro modelo do PS4.
Para fugir do trio constante “exploração-combate-história”, o jogo ainda possui algumas quebras de rotina na jogabilidade – bem como era no original, mesmo que de forma pontual. Até o terço final do título, ele continua surpreendendo com esses novos e breves eventos dentro da narrativa, que dão o respiro necessário do confronto sempre frenético.
Os problemas de Final Fantasy VII são derivados do seu nível alto de esmero e qualidade. Tudo é tão bonito que o menor sinal mediano salta aos olhos. Enquanto há cenas onde o jogador vai apenas parar e ficar admirando os detalhes – a base da Cidade Alta vista das favelas da Cidade Baixa é um deleite –, em outros pontos, algumas poucas texturas pobres são perceptíveis e a sincronização estranha nos lábios de vários NPCs secundários é vista com frequência.
Além disso, apesar de serem um acréscimo bem-vindo, nem todas as missões secundárias são bem inspiradas. Algumas poderiam ser removidas – trocadas ou melhoradas -, assim como certos trechos mais dilatados de passagens da história original. Por mais que os laboratórios da Shinra tenham várias criaturas e experimentos, enfrentar um monstrengo genérico – alguns até sem nome – apenas para aumentar o tempo ali dentro é a parte menos boa. A falta de uma certeza se teremos um efeito “God of War”, onde nossas evoluções serão jogadas fora de um jogo para o outro, também assombra um pouco.
Mudanças na história central, sem constar como objeto de adaptação, também foram feitas, mas estas se provarão competentes ou não nos capítulos vindouros. Na melhor das hipóteses, novos acréscimos estão a caminho. Na pior, foi apenas uma tentativa vazia de surpreender. Gerou, entretanto, a fagulha da necessidade de acompanhar logo os próximos capítulos.
Quando sobem os créditos é o sinal de que acabou, mas a sensação aqui é outra. Saber que haverá mais horas da experiência que Final Fantasy VII Remake proporcionou nos episódios futuros é, ao mesmo tempo, reconfortante e inquietante. Saber que apenas um pedaço do original foi responsável pela história contada – do jeito que foi contada – é muito satisfatório.
Adorar rever cada personagem novamente, do amávelmente asqueroso Hojo ao sorridente Red XIII, e saber que mais disso virá adiante, com ainda mais personagens e preenchendo os espaços em aberto propositais na história contada, faz deste primeiro capítulo uma introdução – considerando as expectativas – surpreendente.
O receio da batalha final ser menor – por obviamente não ser final –, foi deixado de lado ao conclui-la. Ela apenas enfatiza que Sephiroth não será um desafio simples nem agora e muito menos no futuro. O papel do vilão neste capítulo é sempre intenso, mas pontual, assim como boa parte do passado dos protagonistas. O fim pareceu mais uma porta de entrada para a grandiosidade misteriosa que Gaia reserva aos personagens. O planeta guiando-os para seu destino heroico de terem a honra de salva-la.
E a Square Enix nos convidando para atestarmos que toda mágica está aqui, enfim eles conseguiram. Ainda não sabemos como tudo vai ser daqui pra frente, se o padrão elevado será mantido em prol do que o jogo significa para todo um gênero. Mas uma coisa é certa: nada será como antes. Já existe Final Fantasy VII Remake e ele é do jeito que sonhamos. Nos fez de novo chorar e sorrir. Há todo um mundo pela frente agora e a trilha do World Map Theme apenas começou a tocar.