É quase como se a Mimimi Games tivesse planejado tudo. Estamos em um ano de remakes e grandes retornos de franquias, também um período muito bom para os fãs dos games de estratégia. Pela união desses poderes, Desperados III aparece não apenas como um presente para os fãs que ansiavam por um novo título há mais de uma década, mas também, como uma prova de que toda a espera valeu a pena.
Este Velho Oeste em que o dedo rápido no gatilho é substituído pela astúcia e pela estratégia traz tudo o que os amantes da franquia e do gênero estavam esperando. Todos os conceitos são explicados de forma concisa e prática, como se o jogador estivesse passando por um curso dos mais dinâmicos sobre a sobrevivência neste passado violento. Como o grupo de personagens principais tem habilidades e alinhamentos bem distintos, saber como cada um deles funciona é essencial para seguir em frente, e logo de início, temos missões feitas especialmente para aproveitar as habilidades de cada um deles. Combinar essas forças, porém, fica a cargo do jogador.
E ele vai penar muito. Desperados III, como dito, não é um jogo simples e, muito menos, um título de ação. Assumir uma abordagem violenta e barulhenta, principalmente, não é nem de longe o melhor caminho, e soar alarmes e atrair reforços é indesejável e ainda joga toda a estratégia no lixo. O game faz questão de demonstrar isso com personagens que não são fracos, mas sim, vulneráveis aos disparos, e estão sempre em desvantagem numérica.
O game instiga e desafia, sem ser difícil demais para se tornar punitivo nem tão simples que você consegue fazer as coisas com uma mão nas costas.
Não é como se o título guiasse nossa mão para fazer as coisas de uma determinada forma, mas ele faz questão de demonstrar quando estamos “jogando errado”. Entra em cena, então, um incentivo à tentativa e erro, com um sistema de salvamento rápido que permite retornar a um ponto anterior caso um plano não funcione.
Você vai fazer isso muitas vezes ao longo das fases, já que os inimigos não possuem um padrão claro de movimentação e podem alterar seu comportamento quando percebem o nível de ameaça. Claro, temos as velhas dinâmicas de “esquecimento” de games focados na furtividade, mas ainda assim, o comportamento dos oponentes é suficientemente bem feito para surpreender quando se menos espera.
Rapidamente, o movimento de pressionar o botão de salvar logo antes de executar uma ação estará em sua memória muscular, e quando tudo der errado, o jogador se verá voltando à segurança com um conhecimento que não tinha antes. Desperados III nos incentiva a ousar e pensar criativamente, em vez de ficar tentando fazer a mesma coisa repetidas vezes esperando que o resultado mude. Isso é loucura, como diria Albert Einstein ou Vaas Montenegro.
Este é o tipo de game que vai instigar e desafiar, sem ser difícil demais para se tornar punitivo nem tão simples que você consegue fazer as coisas com uma mão nas costas. Você sempre terá um plano, e quando ele não der certo, será convidado a pensar em outro, até conseguir cumprir seu objetivo. O uso de pontos de salvamento e recarregamentos não apenas é incentivado como se torna uma das mecânicas de um game que exige paciência e recompensa o jogador que souber usar isso em seu favor.
Seguimos uma história de origem, com o passado do protagonista, John Cooper, sendo explorado em uma viagem por diferentes estados, e também pelo México, enquanto o acompanhamos em uma jornada de vingança que, também, pode garantir uma bela quantia para seu bolso. A trama é interessante o suficiente para justificar os momentos de combate que são, a bem da verdade, a grande estrela de Desperados III.
Aos antigos fãs da série, Desperados III é quase um presente, assim como para o estilo de estratégia em si, muitas vezes subestimado nos consoles de mesa.
Por mais que os diálogos e a sinergia entre os protagonistas sejam interessantes, o destaque passa longe de ser a história, que reúne clichês do bangue-bangue em uma ordem previsível. Pontos extras, porém, são atribuídos à presença de Isabelle, personagem principal que adiciona um tom de misticismo tanto à trama quanto à jogabilidade, com o primeiro aspecto tendo muito a ganhar com esse pequeno sopro de ar fresco.
O segundo também ganha ares diferenciados com os poderes místicos da praticamente de vudu, que compensa a pequena quebra de realismo de um jogo com os pés no chão com o quanto suas habilidades são interessantes. Ela traz as opções mais legais de Desperados III, podendo controlar oponentes e coloca-los uns contra os outros, limpando rapidamente um cenário, ou selar o destino de dois deles ao mesmo tempo, com a morte de um se refletindo também no outro.
Não que o grupo, em si, seja desinteressante, e isso se deve tanto às habilidades, em si, quanto às formas criativas e nem sempre claras que a Mimimi Games encontrou para explorar essas possibilidades. Cooper, por exemplo, tem uma moeda que chama a atenção dos oponentes, mas ela também pode ser usada para atiçar cavalos a dar coices nos oponentes; enquanto o Doutor McCoy possui uma mala que emite gás tóxico e pode chamar a atenção dos inimigos.
Usar essas possibilidades em conjunto, seja para matar todo mundo em uma área ou simplesmente chamar a atenção para que um aliado siga em frente, é incrivelmente satisfatório. Entra em cena, ainda, um modo de planejamento que permite parar o tempo e coordenar ações para acontecerem simultaneamente, em um balé de tiros, mortes e corpos no chão que é bonito de ver.
O game também aplica, aqui, a já citada ideia da criatividade ao não deixar sempre claro que um protagonista é melhor que o outro para uma determinada missão. Assim, novamente, fica a cargo do jogador entender os cenários, as possibilidades e trabalhar com as capacidades de cada personagem disponível, de acordo com o próprio estilo de jogar e o plano que está em andamento.
Desperados III um game para ser jogado aos poucos. Não é como se o título se tornasse maçante, mas é inegável dizer que ele é um bocado pesado com tanto investimento na tentativa e erro.
Ajuda o fato de Desperados III ter alguns dos ambientes mais bonitos e variados vistos em um game do gênero. Apesar da visão distante, é possível identificar detalhes e elementos específicos, por mais que os oponentes, muitas vezes, se repitam. Os visuais são coloridos e dinâmicos, além de bem desenhados, ajudando na sensação de variação que a viagem por diferentes lugares exige.
Essa mudança também faz bem a um outro aspecto do título da Mimimi Games, que é bem longo — até demais, diriam alguns. Dá para gastar, facilmente, mais de 30 horas nas fases de Desperados III, um total que pode aumentar ou diminuir de acordo com a habilidade do jogador no uso dos personagens.
Não é como se o título se tornasse maçante, mas é inegável dizer que ele é um bocado pesado. E com tanto investimento na tentativa e erro, é fácil dizer que você passará algumas horas para concluir os estágios mais difíceis, o que torna Desperados III um game para ser jogado aos poucos, e bem devagar — motivo pelo qual, inclusive, essa análise demorou tanto para sair.
Contribui para o peso, ainda, os controles não necessariamente adequados para os joysticks do Xbox One e PS4; uma falha, a bem da verdade, que compete muito mais ao gênero do que ao trabalho da produtora, que fez o possível. Usar os manetes exige costume e paciência tanto quanto as próprias missões em si. Caso tenha como, prefira a versão PC do jogo, pois a combinação de mouse e teclado faz milagres e pode, até mesmo, reduzir a sensação de prolongamento gerada pelas mecânicas de tentativa e erro.
Quem jogou o título anterior da Mimimi Games, Blades of the Shogun, vai se sentir em casa com Desperados III. Bom como um todo, o game se torna ótimo pela atenção aos detalhes, seja na criação de personagens com habilidades sinérgicas e individualmente interessantes, os visuais que chamam a atenção em um título do gênero ou o equilíbrio extremamente preciso entre as possibilidades apresentadas e o desafio proposto.
Aos antigos fãs da série é quase um presente, assim como para o estilo em si, muitas vezes subestimado nos consoles de mesa e que ganha, aqui, um nome de peso, cheio de carinho e qualidade. Tudo isso faz com que a gente nem se irrite tanto ao ter que voltar mil vezes ao mesmo local, já que, como Cebolinha, os planos quase nunca são infalíveis.
O jogo foi testado no PC, em cópia cedida pela THQ Nordic.