Superhot Mind Control Delete

Superhot: Mind Control Delete

por Felipe Demartini

Sistema atualizado

Não é exagero nenhum afirmar que Superhot é um dos games de tiro mais legais mais legais da atual geração. Em uma década preenchida por Battle Royales, loot shooters e grandes franquias capotando e retornando, coube a um pequeno time de desenvolvedores da Polônia a entrega de um game fora da casinha. Lançado originalmente em 2016, o que tínhamos nas mãos era uma pérola inovadora e instigante.

Tanto que, quatro anos depois, o que era para ser uma expansão chega às nossas mãos como um título independente. Superhot: Mind Control Delete poderia ser exatamente o mesmo que o original, apenas com novas fases ou armas, que já estaríamos satisfeitos — afinal, como dito, o que tínhamos nas mãos era um dos jogos mais interessantes dos últimos anos. As adições somam à proposta e devem atrair mais gente, sem, felizmente, desviar o foco do centro daquilo que nos encantou desde o início.

A premissa é básica, e explicada em poucas linhas assim que se inicializa o game: tudo se mexe quando você se mexe. Não é como se o tempo estivesse pausado, mas quando estamos parados, o mundo assume ares de câmera super lenta, se movendo de acordo com as velocidades de nossas próprias ações. Outra forma de explicar Superhot muito bem seria o comparar a uma mistura de Matrix com John Wick, na qual quem está no comando é você.

Isso se traduz em um balé de balas e objetos voando por aí, inimigos vindo de todos os lados e muito uso da câmera lenta, afinal, você não é de ferro e aguenta pouco dano. Mover-se em velocidade normal é abrir mão da única vantagem que se tem sobre os inimigos, além do aspecto estratégico de Superhot. Pelo contrário, ver tudo se mexendo devagar e pensar em cada movimento só torna o replay, quando tudo efetivamente segue em uma taxa “normal”, muito mais bonito, principalmente quando embalado pela trilha sonora eletrônica que carrega peso e violência.

Superhot Mind Control Delete

O primeiro Superhot é daqueles jogos que, devido à sua duração curta, nos deixam com gosto de quero mais assim que o terminamos. E o momento do “mais” finalmente chegou

As influências se replicam não apenas na jogabilidade, mas também no enredo, cheio de referências tecnológicas e com uma levada meio maluca. O game faz ainda menos questão de ter sentido do que o original, mas em meio aos tiros, itens sendo jogados e telas de créditos finais que aparecem diversas vezes antes de o jogo continuar normalmente, as coisas acabam entrando em uma linha mais ou menos compreensível, que intriga tanto quanto no original.

Não é simples, claro, nem óbvio, com os elementos do título fazendo pontes com conceitos tecnológicos, privacidade e, principalmente, o transumanismo. No original, a ideia geral era de que estávamos cada vez mais nos embrenhando para dentro da própria máquina até nos tornarmos um com ela; o que acontece, então, quando ela assume o comando sem que a gente perceba, controlando nossas mentes enquanto lutamos para fazer o caminho oposto e nos desvencilharmos dela?

Versão 2.0

Apesar de sua característica inovadora, o time de desenvolvimento ainda se vê preso a certas dinâmicas do mercado, e em Superhot: Mind Control Delete, isso se traduz em ares de rogue lite para perverter um pouco a características linear do primeiro. O título continua composto de fases curtas e desafios rápidos, mas desta vez, o jogador pode escolher seu caminho com um pouco mais de liberdade.

Superhot Mind Control Delete

Na medida em que avança, novas rotas vão sendo descobertas e, com elas, a principal adição desta continuação: os upgrades. Como toda entidade digital, nosso personagem também pode sofrer atualizações e, no game, elas se traduzem em mais poderes, maiores resistência a danos ou possibilidades diferentes de inicialização dos estágios, todas mecânicas que podem ser selecionadas e, mais do que isso, precisam ser aperfeiçoadas caso o usuário queira continuar digitalmente vivo.

As adições de Superhot: Mind Control Delete o desviam um pouco da fórmula original, mas não o suficiente para desfigurar o conjunto.

Falar assim, apenas, seria deixar de lado o aspecto fora da casinha de Superhot. Enquanto a energia funciona por um sistema de corações, uma clara referência aos clássicos dos RPGs, outros não são assim são triviais. Você pode iniciar o jogo armado, com uma katana ou uma submetralhadora, ou transformar o próprio corpo em uma máquina de matar que dispara shurikens sempre que é atingido.

São melhorias que, em alguns casos, funcionam melhor do que em outros. Na maioria das situações, Superhot: Mind Control Delete se tornou um título mais fácil que o anterior — não que o original seja absolutamente desafiador. Ele era, sim, um game no qual o jogador morria ao ser atingido, o que pode ter sido uma reclamação dos jogadores, principalmente, da metade para o final, onde o sistema joga tudo o que tem para cima da gente.

Superhot Mind Control Delete

Ainda assim, não se trata da experiência mais punitiva do mundo e, por mais que a adição de uma barra de energia abra a porta para entrada de mais gente (o que é sempre positivo), isso também reduz um pouco a sensação de recompensa quando assumimos uma atitude mais ousada. Será que vai dar para passar raspando ao lado daquela bala que vem em sua direção para alcançar a escopeta, em vez do livro que está ao alcance? Em Mind Control Delete, essa escolha perdeu o peso, apesar de a tomar não ter deixado de ser incrivelmente divertido.

A desenvolvedora tenta manter o equilíbrio desse aspecto ao assumir, novamente, o caminho rogue lite, obrigando o jogador a voltar ao início daquele conjunto de estágios caso perca todos os corações durante as fases, que não são procedurais, mas tem posicionamento de armas, inimigos e do próprio jogador randomizados. Upgrades intermediários podem ser usados para, em vez de evoluir o personagem, recuperar a vida, com a sensação de tentativa e erro do original se perdendo um pouco.

Superhot Mind Control Delete

O que seria uma expansão também deu origem a um game mais longo e cheio de possibilidades, principalmente da metade para o final, quando a trama começa a, novamente, jogar pesado contra o jogador. A adição dos upgrades nos obriga a pensar como o jogo, e por mais que a liberação deles seja aleatória, aos poucos, vamos nos acomodando com as possibilidades e fazendo escolhas mais acertadas, que salvarão nossa vida nos estágios mais avançados.

Outra adição que chama a atenção são os novos inimigos, principalmente uma versão cheia de espinhos dos oponentes comuns, que disparam estilhaços para todos os lados quando são atingidos, podendo atingir tanto os adversários quanto o próprio jogador. Menção honrosa, ainda, aos soldados que têm apenas uma parte do corpo vulnerável, que tentam fazer com que o jogador seja mais preciso em seus disparos e privilegie as armas de fogo aos golpes corpo a corpo.

Da mesma forma que com os upgrades, as mudanças nos inimigos também trouxeram consigo elementos irritantes na forma de um oponente que vem sendo chamado de “cachorro” pela comunidade, por conta das orelhas pontudas e seu comportamento perseguidor. Ele é imortal e vai caçar o jogador ao longo de toda a fase, se movendo bem rapidamente e atacando sem parar ao lado de todas as outras ameaças.

Superhot Mind Control Delete

Talvez a ideia do cachorro seja, mais uma vez, trazer a ideia de equilíbrio, com Superhot: Mind Control Delete dando com uma mão e tirando com a outra. Porém, em partidas que normalmente podem se tornar frenéticas, a ideia de um oponente imortal pode nem sempre funcionar, e levando em conta o aspecto de aleatoriedade do título, muitas rotas podem ser dadas como perdidas rapidamente devido a uma combinação infeliz de inimigos, e não pela falta de habilidade do jogador.

São, entretanto, inconveniências pequenas diante do todo apresentado, mais uma vez, com brilhantismo pela produtora. O time de desenvolvimento se chama, não coincidentemente, Superhot Team, e o nome é completamente adequado: eles são os criadores do jogo mais inovador da geração, que agora, se transforma em uma franquia igualmente interessante.

O primeiro título é daqueles que, devido à sua duração curta, nos deixa com gosto de quero mais assim que o terminamos. E esse momento de “mais” finalmente chegou, apesar de as adições o desviarem um pouco da fórmula original, mas não o suficiente para desfigurar o conjunto. Ainda estamos diante de um shooter dos melhores, ainda que não superior à obra original, uma barra bastante difícil de ser alcançada.

O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pelo Superhot Team. Esta análise também foi publicada no Canaltech.