O retorno de franquias antigas é um papo comum na indústria, afinal de contas, que fã nostálgico não gostaria de ver personagens e histórias amadas voltando com gráficos e mecânicas atuais? Mas e se tal game voltasse exatamente como era no passado, sem tirar nem por, e pior ainda, trazendo de volta ideias e mecânicas que, felizmente, ficaram para trás?
As saudades rapidamente se transformam em decepção com cerca de uma hora de Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise. Não que o game original já fosse uma pérola do acabamento e do game design impecáveis, pelo contrário, mas de alguma forma, a equipe de desenvolvimento conseguiu piorar ainda mais esta sequência, mesmo estando trabalhando em um hardware bem mais capaz e em uma época na qual os jogadores não se contentam mais com tão pouco.
A demora na percepção de que este segundo game não é exatamente aquele “tão ruim que é bom”, como alguns se referem ao primeiro, tem a ver com o fato de que, no início, ainda estamos sentindo a água. E em uma longa cena de diálogo, frases de efeito e jogos mentais que até são curiosos, somos apresentados a uma trama que se passa no passado, antes mesmo do primeiro Deadly Premonition, mas cujos efeitos se refletem no presente da franquia.
Esta sequência parece ter decidido focar nos aspectos que tornaram o primeiro jogo um sucesso cult. Se essas pessoas aceitaram um jogo tosco da primeira vez, porque não fariam isso de novo?
O detetive Francis York Morgan, do personagem seguro de si, cheio de piadinhas, frases fortes e opiniões do primeiro game, se transformou em uma figura decrépita, que vive isolado em um apartamento imundo. Com ele, apenas os entorpecentes e triângulos absolutamente limpos em meio à imundície geral, enquanto seus companheiros são apenas os traumas, as obsessões e um temor absoluto pela cor vermelha.
É nesse ambiente que entra Aaliyah Davis, trazendo de volta fantasmas do passado, de uma investigação na qual o detetive, agora, se vê envolvido não somo oficial, mas também como suspeito. É aí que voltamos ao passado, à cidade de Le Carré, onde começa de verdade a trama de Deadly Premonition 2 e, também, o festival de péssimas execuções que tornarão as cerca de 15 horas de jogo um martírio.
Com o retorno aos tempos de glória, retornam também os papos entre Francis e Zach, que servem como uma interessante quebra de quarta parede. Assim como no primeiro game, temos um texto afiado e bem escrito, que mistura desde filosofia e política até opiniões aleatórias sobre a cultura pop, que vão desde uma opção bizarra pelo melhor longa da carreira de Michael Bay até comentários sobre clássicos do cinema de terror.
Essa maluquice também se reflete no enredo em si, e aqui, é como se o criador Hidetaka Suehiro, o Swery, tivesse aceitado de bom grado a chancela dada pela base de fãs do original. Os tipos bem característicos de uma cidade ao melhor estilo de New Orleans aparecem a foto momento durante a trama e são a força que levam a história para a frente, seja pelo interesse do mistério que se desenrola, em si, ou pelo fato de o jogador simplesmente querer saber no que tudo aquilo vai dar.
A apresentação visual também apresenta melhora, deixando de lado o estilo bem característico da geração passada para adotar um visual artístico e cel shading. Combina bem com a aleatoriedade do título, conferindo a Deadly Premonition 2 um ar de comicidade que apenas é confirmado por aparições em quadros na parede, atendentes de hotel com múltiplas personalidades e crianças prodígios detestáveis que nos acompanham durante toda a jornada.
Desleixado pode ser uma boa palavra para descrever Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise; desrespeitoso poderia muito bem ser outra.
A alegria, entretanto, para por aí, com os aspectos amalucados de Deadly Premontion 2 sendo pouco para fazer o jogador suportar um pacote simplesmente mal acabado. Fica clara a ideia de que Swery, ao criar esta sequência, decidiu focar nos aspectos que tornaram o primeiro jogo um sucesso cult. E se essas pessoas aceitaram um jogo tosco da primeira vez, porque não fariam isso de novo?
Essa ideia é uma explicação possível para um game que soa, no mínimo, como desleixado. E o maior sinal dessa falta de cuidado aparece no mundo aberto no qual nos deslocaremos entre missões, cuja performance é completamente abissal. Não é como se estivéssemos em um universo com muita coisa acontecendo, pelo contrário — Le Carré é vazia, sem almas perambulando pela rua e com edificações que parecem caixotes.
Jogando, não dá para perceber muito bem o que está sugando a potência do Nintendo Switch para fazer com que tais momentos pareçam apresentações de Power Point. Combater animais como cachorros e jacarés gigantes já é complicado devido à falta de precisão gerada pela baixíssima taxa de quadros por segundo, e se torna ainda pior quando lidamos com uma jogabilidade travada e comandos que não respondem nada bem.
O principal meio de locomoção de Francis York Morgan é um skate, o que faz com que o conjunto rode ainda pior, com o game se esforçando ao máximo para alcançar a velocidade do jogador, que observa o cenário se construindo diante dos olhos. Um patch de correção liberado algumas semanas após o lançamento de Deadly Premonition 2, durante o processo desta análise, melhorou um pouco as coisas, mas o resultado ainda passa bem longe do aceitável.
Dentro dos prédios, onde os eventos da história se desenrolam, as coisas funcionam um pouco melhor, mas o game ainda sofre para se manter estável. Na passagem entre eles, mais um problema, com loadings gigantescos e que, muitas vezes, chegam a dar a impressão de que o game travou. Novamente, uma atualização melhorou as coisas nesse aspecto, mas é melhor ter paciência durante as transições.
Desleixado pode ser uma boa palavra para descrever Deadly Premonition 2: A Blessing in Disguise; desrespeitoso poderia muito bem ser outra. E, aqui, nem mesmo nos referimos aos diálogos transfóbicos proferidos por Francis em cenas específicas, que também acabaram parcialmente corrigidos em um patch que, na verdade, tinha este como objetivo principal.
O mundo aberto vazio e desinteressante, apenas com animais para enfrentar e colecionáveis para pegar, é tão básico quanto a própria jogabilidade, que mesmo nos momentos em que poderia se tornar algo mais, decide não ser. O maior exemplo são as cenas de investigação, em que Francis analisa um local de crime em busca de pistas que se resumem a, basicamente, apertar o botão nos locais indicados.
Outros momentos terríveis são aqueles em que buscamos itens em diferentes pontos do mapa. E aqui, Swery parece saber que está liderando os jogadores em objetivos chatíssimos, pois incluiu linhas de diálogo em que o próprio protagonista discute a necessidade de missões dessa categoria, onde tudo o que fazemos é ir de um ponto a outro do mapa enquanto lidamos com a performance simplesmente inexplicável do jogo. Novamente, de um texto mordaz e bem escrito, é como se o criador estivesse zombando dos jogadores, criando algo que ele sabe ser tosco, propositalmente, e esfregando isso na nossa cara.
Os argumentos usados para descrever o mundo aberto também se aplicam à jogabilidade nas cenas de ação, como dito, com controles que não respondem bem e inimigos que podem bugar pelo cenário, acabando com o já pouco desafio que existia em tais momentos. Novamente, a falta de cuidado em criar algo instigante transparece aqui, em mais uma relíquia das cenas de combate de duas gerações atrás, que deveriam ter ficado no passado, apenas, como uma lembrança de sistemas que, ainda bem, evoluíram.
Essa, aliás, é uma boa descrição de Deadly Premonition 2 como um todo. Se estivéssemos falando de um game lançado logo depois do original, ele ainda seria ruim, mas pelo menos, estaríamos falando de uma geração que ainda preservava manias e conceitos da época áurea do PlayStation 2, na qual não era possível fazer muito em termos de mundo aberto, imersão e precisão.
Porém, estamos em 2020, e isso nem mesmo deveria ser aceitável. Por mais que a trama de Deadly Premonition 2 chame atenção, pelo mistério e pela maluquice, todo o restante faz exatamente o contrário. Este não é uma obra daquelas “tão toscas que dão a volta e ficam boas”, como diz a piada; é apenas um game tosco, sem redenção.
O jogo foi testado no Switch em cópia cedida pela Rising Star Games. Esta análise também foi publicada no Canaltech.