A ideia primordial por trás de um jogo de velocidade é, justamente, correr, competir e pilotar as máquinas de alta performance que fazem das pistas sua casa confortável. Tudo o que não se espera, entretanto, é encontrar uma experiência lenta e travada, quase fria, que não faz a menor questão de ser acessível e, muito menos, divertida. É por aí que seguem as provas de Ride 4.
Chega a surpreender que a Milestone, a mesma empresa por trás de grandes jogos de motovelocidade como MotoGP e MXGP tenha capotado tanto aqui. Já nos primeiros segundos de título rodando, a impressão passada é de que os desenvolvedores não estavam muito a fim de se envolverem com este título, deixando de lado conceitos básicos para tornar a jogabilidade mais amigável, abraçar novatos, engajar até mesmo os veteranos da própria série e, principalmente, divertir.
Os principais problemas estão nos controles e o jogador vai notar isso assim que colocar as rodas na pista, ainda no tutorial. Ride 4 começa com uma volta rápida pelo circuito, aos moldes de tantos outros games de corrida, para dar ao usuário uma forma de se aclimatar às provas e ao funcionamento de uma moto de corrida, bem como do tom da simulação e demais aspectos da experiência. A mistura não orna e, já de começo, dá para perceber que essa não será uma jornada nada agradável.
Fecham-se as portas da emoção de estar no comando de máquinas dessa categoria em pistas clássicas, com as boas sensações sendo substituídas por uma terrível frustração.
Qualquer um sabe que pilotar uma moto é totalmente diferente de um carro, ainda mais quando estamos em alta velocidade. Entretanto, ao sermos apenas jogados nas pistas, sem uma orientação, resta apenas a frustração ao percebermos que simplesmente não conseguimos fazer uma curva decentemente ou atingir os tempos exigidos para que Ride 4, apenas, abra as portas do game para todo o conteúdo disponível. De início, vai imaginar que a culpa é sua, mas logo perceberá o contrário.
Não é o seu controle que está com atraso, é a movimentação do veículos pelas curvas que é incrivelmente travada e custosa. Não são as opções de simulação que estão no máximo, e sim, uma estranha regra punitiva de Ride 4 que faz com que qualquer encostada na zebra (feita para ser usada em competições de alta velocidade) seja considerada como um corte de curvas, gerando uma volta inválida. Não é o freio que está desregulado, é a sensibilidade ao comando que parece fora do esquadro. E assim, o que deveria ser uma corrida rápida, pode se transformar em horas de tentativas e frustração até que, nunca é demais dizer, a gente consiga sair do tutorial.
O fundo de Ride 4 é quase enciclopédico, com uma coleção de quase 200 motocicletas de fabricantes renomados, de modelos clássicos a modernos, abrangendo eras de motovelocidade em um único pacote ao alcance dos dedos. Todos os veículos são finamente reconstruídos e ainda trazem informações técnicas e históricas que aumentam o caráter informativo do título, além de se comportarem, nas pistas, com o máximo de fidelidade que os joysticks (e as configurações de simulação ao gosto do usuário permitirem).
Tudo está em português no único lugar em que as paredes de texto que citamos antes fazem sentido, em um conjunto deve chamar a atenção dos amantes da motovelocidade, uma modalidade que nem sempre recebe a atenção que deveria por aqui. Kits de performance, customizações visuais e demais ajustes levam esse conjunto adiante, passando a impressão de que estamos diante de uma experiência das boas para representar o esporte e, quem sabe, até nos relembrar dos velhos tempos dos consoles retrô, em que títulos de corrida recebiam mais amor.
O mesmo tratamento cuidadoso vale para as pistas, que incluem circuitos clássicos como Imola, Nurburgring e até a nossa querida Interlagos, reproduzidos de forma fiel e com direito a diferentes desafios em provas noturnas ou com condições climáticas intensas. Ride 4 também reproduz ligas regionais em seu modo campanha, dando uma sensação de progressão ao permitir que o jogador chame a atenção nas pistas de um território à escolha até conquistar o mundo.
Boa sorte chegando ao final das provas, quiçá em primeiro. Mas não porque Ride 4 é difícil ou desafiador, mas sim, por tantas amarras que aparecem sempre.
Segue ao lado disso um modo carreira tradicional, que coloca os usuários em provas de base e, aos poucos, permite a construção de uma reputação na motovelocidade. Bons resultados geram convites para provas especiais e novos eventos, que por sua vez geram pontos que permitem a compra de mais motos para entrada em mais competições, e assim por diante, até que todas as caixinhas de “campeão” sejam preenchidas pelo usuário.
Mais fácil lido do que realizado, entretanto, já que em começo de carreira, você mais uma vez estará diante de mais provas de precisão e tomada de tempo do que competições efetivas. E levando em conta o péssimo sistema de controles de Ride 4, passar horas tentando vencer um desafio de curvas perfeitas definitivamente não é nada desejável, quem dirá agradável. Mais uma vez, se fecham as portas da diversão e da emoção de estar no comando de máquinas dessa categoria em pistas clássicas, com as boas sensações sendo substituídas por uma terrível frustração.
Novamente, estamos falando de um game de velocidade, sobre testar os limites e chegar primeiro, algo que não combina em nada com a fixação do título com encostar nas zebras ou tentar alternativas de traçado. Seguir o traçado ideal, e apenas ele, quebra totalmente essa proposta, enquanto a lentidão dos controles faz com que dirigir devagar seja a opção — mas, assim, você não atingirá o tempo necessário, e falhará da mesma forma. Tente de novo, e novamente, até conseguir muito depois (ou desistir, já que jogos melhores de corrida estão ao toque de um botão no console).
Saber usar o peso é essencial, e dá para sentir que a movimentação do piloto de um lado para o outro faz a diferença. Entretanto, isso também representa um obstáculo quando não temos margem de manobra para entender como utilizar esse recurso, que se deixado no automático, reduz de forma absoluta a velocidade das curvas, deixando o jogador na posição de quase passageiro, enquanto parece estar dirigindo uma pedra em movimento nada veloz.
Boa sorte chegando ao final das provas, quiçá em primeiro. Mas não porque o game é difícil ou desafiador, mas sim, por tantas amarras que aparecem durante todo o tempo e transformam Ride 4 em uma experiência aquém da própria franquia e de sua desenvolvedora, em um título que parece mal acabado e entregue de qualquer jeito, como se algum tipo de prazo estivesse chegando ao fim. Feito é melhor que mal feito, diriam por aí. Mas nem sempre.
Quem ultrapassar todas as barreiras impostas por Ride 4 e, efetivamente, encarar as provas de velocidade encontrará um resultado até divertido, mas inconstante. Repetindo um problema de seu antecessor, a Milestone não mantém uma linha progressiva de dificuldade e desafio como faz com o modo campanha em si, às vezes colocando o jogador contra oponentes mais fáceis (o que acaba até compensando a sempre presente dificuldade excessiva em fazer qualquer curva ou manobra) e, outras, enchendo o grid com adversários que têm sangue nos olhos.
Certas manipulações das mecânicas também aparecem para, em teoria, ampliar o desafio, mas na prática, aumentar o nível de estresse. Motos são veículos sensíveis e cair é algo a se esperar quando dirigimos com agressividade, mas não no caso dos oponentes controlados pela inteligência artificial, que podem bater e simplesmente derrubar o usuário, sem que sofram o mesmo tipo de efeito.
A impressão é de que os competidores têm suas linhas de percurso programadas e, simplesmente, não alteram demais essa trajetória, mesmo que você esteja no caminho. As mesmas regras de física aplicadas ao jogador não os atingem, assim como a lerdeza da movimentação, algo perceptível pelas manobras arriscadas e curvas impossíveis realizadas pelos oponentes enquanto você vai sentir estar na boleia de um caminhão, dirigindo de maneira engessada e sem muita margem de manobra ou reação.
Chega a surpreender que a Milestone, a mesma empresa por trás de grandes jogos de motovelocidade como MotoGP e MXGP tenha capotado tanto aqui.
Dá para ter alegria, também, observando o conjunto gráfico, que mesmo nas versões base dos consoles, trazem reproduções bonitas dos circuitos, que se tornam ainda mais belas com os efeitos climáticos. São poucas variações na taxa de quadros, que até podem ser notadas, mas não incomodam, até porque, o jogador definitivamente estará mais preocupado em se manter na linha.
Destaque para a iluminação e os detalhes das pistas, tanto na textura do asfalto quanto no entorno, ainda que alguns bugs façam objetos aparecerem fora de lugar. Nesse ponto, Ride 4 não deixa a dever em relação a seus irmãos de desenvolvedora e, também, de outros títulos de velocidade das plataformas atuais.
O problema, realmente, está em todo o restante, com o título não entregando, nem de longe, uma experiência empolgante ou divertida, nem mesmo satisfatória. Em meio a uma dificuldade extrema causada por aspectos burocráticos de mecânicas e jogabilidade, junto com um descaso com a porta de entrada ou até mesmo em um ajuste fino de opções de simulação e ajuda, não temos aqui um exemplar digno da franquia da qual o game faz parte, quanto mais do estado da arte atual dos títulos de corrida.
Em uma geração que começou órfã de bons games de corrida, principalmente no PlayStation 4, chega a ser curioso que estejamos chegando ao final dela com títulos de tal nível. Uma pena para quem prefere as motos, já que quando falamos dos carros, há um bom serviço na forma de franquias bem mais consagradas. Se depender de Ride 4, a Milestone deu passos para trás e ainda terá que galgar um bocado para atingir um panteão do qual, sabemos, ela pode muito bem ser capaz de ocupar.
O jogo foi testado no PS4, em cópia cedida pela Deep Silver. Esta análise também foi publicada no Canaltech.