Depois de muito ouvir falar das qualidades e peculiaridades de Demon’s Souls, jogar mais de 100 horas de Dark Souls (sendo vencido pelo cansaço antes de terminar) e ignorar sua sequência por não ter achado a premissa de “mais do mesmo” interessante, eis que todo o hype em torno do próximo jogo da From Software, estreando na atual geração, me levaram pela primeira vez a jogar um “Souls” na época do lançamento. E o que encontrei foi uma viagem de descoberta, tanto do jogo em si como de mim mesmo como jogador. Senhoras e senhores, Bloodborne!
Quase tudo que dizia respeito a Bloodborne se mostrava cada vez mais proibitivo para mim. Exceto pela ambientação vitoriana aterradoramente climática que me fascinou desde o primeiro momento, por que mais eu viria a gostar de um jogo onde tempo e dedicação são elementos chave para poder apreciá-lo? A dificuldade tão alardeada por todos os jogos da série, apesar de recompensadora, já se mostrou, no passado, frustrante ao ponto de superar a diversão e me fazer desistir do jogo antes do fim. Foi-se o tempo em que passar quase 10 horas seguidas imerso em um game era cenário comum nos meus fins de semana.
Não seria possível me dedicar a compreender as mecânicas, mesmo as mais básicas, uma vez que o próprio tutorial do jogo, parcamente espalhado em mensagens curtas pelo chão, depende totalmente que o jogador o encontre e tire suas próprias conclusões, mesmo para aqueles já habituados com os por menores presentes nos jogos passados. O mesmo pode ser dito sobre a história, onde o pouco que nos é revelado é que encarnamos um caçador de criaturas de uma terra distante de onde se passa a trama e que, depois de aceitar um contrato de sangue, está apto a limpar as ruas de Yarham das pessoas consumidas por uma praga que as tornam em feras demoníacas.
Não tente seguir nenhuma fórmula de como ser um exímio caçador em Yarham. Teste, experimente e siga os caminhos que achar mais confortáveis, deixe que o jogo se adapte ao seu modo de jogar.
Não sei o que seria mais inapropriado: ser um completo novato e tomar um inevitável susto com a nova forma de encarar elementos básicos como pontuação, continues, respawn de inimigos e a própria dificuldade, todos agora fazendo parte da narrativa; ou se os vícios que adquiri jogando Dark Souls e sua “dança” de espada e escudo, que fazia o jogador mais se defender do que atacar, completamente contrária à premissa de jogabilidade mais ágil de Bloodborne.
Uma vez abolido o escudo e substituído por uma arma de fogo, o título força o jogador a não mais querer apenas se defender, tornando o ataque e a iniciativa muito mais eficiente. A arma acaba sendo a ferramenta principal para quebrar a guarda da maioria dos inimigos, com um disparo preciso fazendo as vezes da antiga proteção.
Na sexta-feira anterior ao lançamento do jogo, depois de desistir de comparecer a um evento de lançamento por causa do dilúvio que atingiu a cidade de São Paulo, resolvi me arriscar mesmo debaixo de chuva nas lojas do centro, após o trabalho, na vaga esperança de encontrar alguma loja já vendendo o jogo. Mesmo muita coisa dizendo que aquele não era um jogo pra mim, algo me movia a adquiri-lo mesmo que para deixar de enfeite na estante por um bom tempo. No fundo, torcia para não encontrar…
Por fim, encontrei o jogo em mais de uma loja. Com ele em mãos, aquele sentimento contraditório de ansiedade e depressão juntos só se intensificaram, me fazendo pensar muito no trajeto chuvoso até em casa o por que eu gasto tanto tempo e dinheiro, alem de me colocar em uma situação tão desagradável em plena sexta-feira depois de um dia cansativo de trabalho. Não chegando a conclusão nenhuma, essa divagação toda só serviu para que ficasse irritado comigo mesmo.
Em casa, depois de cuidar dos afazeres de pai e marido, sentei em frente à TV, coloquei meus fones e comecei a me aventurar nessa terra maldita que é Yarham. Durante cerca de três horas, pude passar por altos e baixos na experiência que é jogar Bloodborne (ou qualquer game da série Souls) e, como era de se esperar, mal consegui avançar naquelas ruas infestadas de seres decrépitos e criaturas dantescas.
Por estar com os nervos à flor da pele e envolvido pela ambientação do jogo de tal forma, fui capaz de derrotar o boss inicial de Bloodborne na primeira tentativa, e sentir na ponta dos dedos que quem subiu de nível fui eu, e não o personagem.
Sabiamente, o game possui em seu design um progresso elaborado de forma a não permitir que o jogador evolua seu personagem, mesmo acumulando muitos “ecos de sangue” (aqui, os pontos de experiência), e consequentemente impedindo seu progresso, tendo como único objetivo que o jogador aprenda o gameplay “básico” antes de encarar desafios realmente grandiosos. Somente depois de derrotar o primeiro boss é que a compra de atributos fica disponível. Um sistema muito gratificante de fato, mas não menos enervante.
Um detalhe interessante subverte o característico sistema de evolução dos games anteriores, onde sempre que você é morto por um inimigo, sua experiência acumulada fica caída no local onde você morreu, aguardando que você refaça o caminho até aquele local para recuperá-los. Em Bloodborne, os pontos podem ser recolhidos por algum inimigo, na maioria das vezes, obrigando o jogador a derrotar seu algoz da partida anterior.
Depois de entender e aprender a movimentação de oponentes e do meu próprio personagem, morrendo dezenas de vezes a cada hora no processo, finalmente chego à área do primeiro e enorme boss do jogo. Não vou detalhar muito sobre essa luta para que você possa ter sua própria experiencia, bastando dizer que, por estar com os nervos à flor da pele e ter sido envolvido pela ambientação do jogo de tal forma, entrando em um estado de concentração semelhante àquele de quando jogamos um shooter bullet hell, fui capaz derrotar o inimigo já na primeira tentativa e sentir na ponta dos dedos que quem subiu de nível fui eu, e não o personagem com quem eu estava jogando.
Em seguida, quando desliguei o console por volta das 2h da madrugada, notei o quanto estava tremendo de raiva. Tremores que se repetem a cada novo boss.
Assim como aceitamos certos fatos da vida, sendo frustrados em alguns momentos, mas enormemente recompensados em outros, aceitar as inevitabilidades de Bloodborne é também poder desfrutar dos grandiosos momentos de conquista e vitória.
Antes do lançamento, toda a jogatina se deu offline, ou seja, sem as características sombras de outros jogadores perambulando pelo mundo, nem indicação de seus leitos de morte, representados por pequenas lápides que, ao serem tocadas, revelam os últimos momentos de vida do caçador. Também não tive nenhum tipo de ajuda, seja invocando um parceiro online para o meu mundo ou por meio de mensagens de orientação, encorajamento ou alertas, deixadas no cenário por eles, meio pelo qual a as descobertas do progresso em Bloodborne são compartilhadas. Eu estava completamente sozinho.
Já possuído pelo espírito da caçada, realizei que, pela primeira vez em um game da serie Souls, quando os servidores fossem ao ar na terça-feira seguinte, eu não seria o novato em busca de orientação, mas sim um provável mentor para os recém-chegados a Yarham. Essa possibilidade foi muito encorajadora no sentido de me programar e otimizar ao máximo meu tempo disponível com o jogo.
Todo item, arma ou equipamento adquirido em Bloodborne possui uma breve descrição acompanhada de um relato sobre a origem de tal item, que revela fragmentos da história do mundo onde nos encontramos. Esse conhecimento fragmentado é muito importante, pois nos ajuda não só a compreender melhor nossa missão, como também nos prende cada vez mais àquele universo. O fato de o game estar completamente legendado e dublado em português só faz facilitar tal compreensão. Com calma e atenção, abri cada item conquistado, cada peça de vestuário e cada arma afim de me tornar uma enciclopédia ambulante, um mestre salvador para os incautos aventureiros que se aproximavam. Tudo muito bonito no campo das ideias, mas que não se provou verdade na prática…
Quando comeicei a notar as primeiras sombras dos outros caçadores preenchendo as ruas de Yarham, com as mais variadas combinações de sobre-tudo e coturno, mantos, cartolas, vestes clericais, chapéus pontudos, echarpes, cajados, marretas, chicotes e machados. Todas são peças de equipamento que alteram atributos de ataque, defesa, vitalidade e agilidade dos jogadores e, diferentemente das armaduras, espada e escudo dos jogos anteriores, aqui alteram a movimentação dos protagonistas.
Mais algumas dezenas de mortes adiante e depois de evoluir os atributos do personagem, me deparei com o segundo boss do jogo em um cenário no mínimo espetacular. Esse é mais um dos momentos em que percebemos que os mapas da cidade têm um design absurdamente inteligente e crível, muito gratificante e recompensador em proporção ao quanto você é adepto da exploração.
Confesso que o boss em questão, que é apenas o segundo, foi tão se não mais desafiador que o primeiro, colocando novamente à prova minha motivação e empenho para com o jogo. Não importava a quantidade de itens de cura eu possuía, que os inimigos deixam em abundância ao serem derrotados, eu sempre era surpreendido pelos ataques mirabolantes do adversário em questão, chegando ao ponto de parecer que a inteligência artificial também estaria aprendendo com os meus padrões de ataques.
Todo item, arma ou equipamento adquirido em Bloodborne possui uma breve descrição acompanhada de um relato sobre a origem de tal item, descrição essa que revela fragmentos da historia do mundo onde nos encontramos.
Eventualmente, depois da raiva e euforia pertinentes ao progresso no jogo, acabei por derrotar o boss e pude respirar aliviado. Foi quando, ao dar um tempo ao game e a mim mesmo para respirar, pude ver o progresso de outros jogadores pela internet afora, declarações empolgadas no Twitter, videos no YouTube, a maioria mostrando um progresso muito maior e mais aprimorado que o meu, isso em pouco mais de 24 horas do lançamento oficial do game. Meu desejo de dominar Bloodborne com maestria agora parecia muito distante.
Por que jogar um game que exige tanto comprometimento quando nosso tempo é cada vez mais escasso? Passar por incômodos e pagar caro em algo que talvez não venhamos a tirar 100% de aproveitamento de seu conteúdo é válido? Sinceramente, creio que a resposta é sim, tendo em vista a grande satisfação proporcionada a quem se permite adentrar ao mundo de Bloodborne, assim como foi na série que o precede.
Assim como aceitamos certos fatos da vida como trabalho, responsabilidades, família, sendo frustrados em alguns momentos, mas enormemente recompensados em outros, aceitar as inevitabilidades de Bloodborne é também poder desfrutar dos grandiosos momentos de conquista e vitória.
Não tente seguir nenhuma fórmula de como ser um exímio caçador em Yarham. Teste, experimente e siga os caminhos que achar mais confortáveis, deixe que o jogo se adapte ao seu modo de jogar. Sem medo de errar, estando diante do melhor exclusivo da geração até o momento, digo que Bloodborne é um jogo indispensável!
Este jogo foi analisado no PlayStation 4.