Fazer a análise de Lords of the Fallen é uma tarefa complicada. Não porque o jogo é complexo ou coisa assim. O principal problema está exatamente na dosagem de comparações com Dark Souls, já que é impossível escapar desse tipo de paralelo. Ao contrário da maioria dos jogos, que tentam “maquiar” essa influência de outros games, o título das então desconhecidas Deck 13 e City Interactive não esconde sua inspiração. Desde o primeiro momento em que você controla o bruto protagonista, tudo remete àquilo que a From Software já nos apresentou.
Contudo, o que deveria ser um enorme ponto negativo se reverte de maneira surpreendente à medida que você avança pelos estreitos corredores da região de Rocha Primeva. Isso porque, apesar das inegáveis comparações que poderia fazer de Lords of the Fallen apenas uma cópia barata da franquia Souls, o game consegue se apropriar da fórmula e da jogabilidade já conceituadas para criar algo próprio e, na medida do possível, com sua própria identidade.
Se tudo em Lords of the Fallen cheira à Dark Souls, a primeira coisa que nós tentamos procurar é aquilo que há de diferente. E o ponto que mais se destaca nesse sentido é exatamente o fato de termos uma narrativa sendo apresentada ao jogador de maneira mais convencional, colocando-o na pele de um protagonista específico e com uma missão bem definida desde o início da campanha. Em outras palavras, uma boa e velha historinha para acompanharmos.
Lords of the Fallen cria um mundo bastante rico e com uma mitologia interessante. E o próprio desenvolvimento da narrativa ajuda nesse sentido.
Enquanto a From Software sempre optou por contar a história de seus mundos a partir de itens e descrições de objetos, por aqui nós somos apresentados ao mal-encarado Harkyn. O herói – se é que podemos chamá-lo assim – tem um passado bastante nebuloso e tudo o que sabemos é que ele é um criminoso retirado de sua cela para ajudar no combate aos chamados Rhogares, criaturas demoníacas vindas de outro plano que estão invadindo um reino específico. Um tanto quanto clichê, mas bastante funcional.
É claro que isso não é o suficiente para fazer com que Lords of the Fallen se torne único e memorável – até porque ele está longe de ser um jogo com essas características. No entanto, mesmo com essa superficialidade da trama, o fato de termos uma linha narrativa ajuda a conduzir o jogador e a tornar as coisas minimamente interessantes. Em um título “derivado”, o fato de termos um enredo fechado ajuda a nos transportar para dentro deste mundo.
Além disso, apesar de pecar na falta de originalidade, esse enredo torna as coisas mais atraentes. Todos os coadjuvantes que cruzam seu caminho, os inimigos e mesmo a história por trás de tudo consegue despertar a atenção do jogador à medida que as coisas são reveladas. Apesar de Lords of the Fallen não se empenhar em criar algo único, a mitologia que permeia essa universo é algo que cativa e te faz querer saber mais.
Isso sem falar que o próprio Harkym se destaca por conta de seu jeito. Ele está bem longe de ser o protagonista clássico e seu jeito de antiherói faz com que acompanhá-lo seja uma tarefa prazerosa, principalmente pela sua maneira bruta de lidar com qualquer um que ouse lhe dirigir a palavra. É claro que isso muda de acordo com as opções de diálogo que você escolhe, mas o semblante duro e o olhar de poucos amigos do guerreiro praticamente exige uma resposta atravessada.
Deixando isso de lado, não há como escapar das comparações: Lords of the Fallen bebe com tanta vontade da fonte de Dark Souls que nem se preocupa em adaptar certos elementos para torná-los diferentes. Quem está habituado ao estilo da série da From Software vai rapidamente se adaptar a este novo universo, assim como identificar todas as suas “heranças”.
A mecânica de combate baseada no tempo de ataque e na esquiva está ali, assim como a influência de seus equipamentos e seu peso na movimentação. E esses exemplos são apenas as primeiras coisas que você vai perceber quando assumir a carranca de Harkym. À medida que você avança em sua jornada contra os Rhogares, mais “semelhanças” surgem à sua frente, principalmente no que diz respeito à dificuldade – incluindo até mesmo a perda de experiência acumulada caso morra antes de chegar a um ponto de segurança, representada aqui por um cristal.
Contudo, enquanto a franquia Souls se destaca por ser algo bem complexo e que exige muita dedicação de seus jogadores, Lords of the Fallen segue por um caminho diferente e mais acessível. Embora você continue morrendo dezenas de vezes ao longo de sua jornada, todo o gerenciamento de seu personagem passa a ser algo bem mais intuitivo e amigável, não exigindo mais do que alguns minutos de estudo para saber como otimizar o desempenho de seu herói.
Apesar da pegada Dark Souls, Lords of the Fallen se destaca por também trazer um nível de dificuldade acima da média, mas ainda assim bastante acessível.
Por mais que você não tenha jogado nenhum Souls em sua vida, não demora para que você compreenda toda a lógica por trás dos confrontos e como sobreviver a esses embates. E como Harkym conta com uma árvore de habilidades e de atributos bem simplificada, você não vai encontrar mistérios na hora de desenvolvê-lo.
Isso sem contar que Lords of the Fallen é bem menos restritivo que seu “irmão mais velho”. Independente de sua classe, por exemplo, o protagonista contará com algumas magias que vão ajudá-lo a sobreviver no campo de batalha, seja ampliando seu poder de ataque quanto causando dano no inimigo à distância.
Outra ajuda que torna as coisas menos penosas é o próprio uso do escudo, que ajuda o personagem a ser um pouco mais resiste. Porém, essa proteção tira um pouco do equilíbrio do jogo, já que, na maioria dos casos, usá-lo é o mesmo que se transformar em uma muralha. E isso fica ainda pior quando surgem inimigos que adotam a mesma estratégia, o que faz com que a batalha contra eles seja um verdadeiro exercício de paciência.
Para compensar toda essa “facilitação” oferecida, o jogo traz um sistema de apostas bem interessante. Como mencionado anteriormente, o jogador perde toda sua experiência caso seja derrotado antes de gastar esses pontos. No entanto, esse tipo de risco serve não apenas para deixá-lo com medo de ver seu progresso fugir de seu cadáver frio, mas também para garantir alguns equipamentos raros ou runas mais poderosas. Quanto mais pontos você carregar consigo numa batalha, maiores as chances de conseguir um loot realmente útil. Trata-se de um sistema que incentiva os jogadores mais experientes a sair de sua zona de conforto e não depender tanto dos pontos de segurança – resultando em conquistas bem valiosas, embora muito arriscadas.
E não há como negar: Lords of the Fallen é um jogo lindo. O estúdio fez um ótimo trabalho na hora de criar a ambientação daquele mundo. Apesar de toda a ação ser centrada apenas em uma cidadela e no mundo dos Rhogares, todo o trabalho de level design chama a atenção por conta dos inúmeros detalhes, seja em níveis artísticos ou mesmo técnicos.
O level design e a iluminação volumétrica fazem com que Lords of the Fallen tenha uma ambientação incrível
Nesse quesito, o que mais impressiona são as luzes. Ainda que tudo seja muito escuro, a Deck 13 aproveitou o poder de fogo dos consoles de nova geração para explorar muito bem o uso de iluminação volumétrica, criando efeitos incríveis e variados de acordo com o ambiente no qual o jogador se encontra. É o tipo de coisa que pode passar despercebido à primeira vista, mas que ajuda a compôr um todo bastante rico e envolvente.
Por outro lado, esse apelo visual de texturas e detalhes tem seu preço. Toda essa grande quantidade de elementos em cena faz com que Lords of the Fallen seja um jogo bastante pesado, o que traz algumas complicações. A queda na taxa de quadros por segundo existe e, embora não seja tão crítica e constante, atrapalha muito quando resolve dar as caras. Isso porque cada segundo é importante no combate e qualquer vacilo decorrente de um atraso na resposta ou mesmo por uma engasgada do game pode ser fatal.
E se os problemas gráficos de pop-in não chegam a maltratar seus olhos, o mesmo não pode ser dito dos diversos bugs que acompanham Harkym em sua luta. Não foram poucas as vezes em que inimigos se comportaram de maneira estranha, trazendo vantagens ou problemas para seu progresso. Monstros que simplesmente dão meia-volta e desistem do confronto são comuns, mas alguns chefes simplesmente deixaram de se defender e morreram por bobeira. Em outro exemplo – que pode ser visto no vídeo abaixo –, uma das criaturas optou por ficar deitadas no cenário e não demonstrou reação. O problema é que isso corrompeu o save e foi preciso resgatar o backup na nuvem para seguir em frente.
Embora consiga agradar em vários aspectos e ter sua própria identidade, Lords of the Fallen não consegue sair da sombra de Dark Souls e é exatamente por isso que, a todo o instante, ela passa a impressão de ser a alternativa do gênero para a nova geração enquanto Bloodborne não chega. Por mais que ele tenha seus méritos, todos os demais aspectos de jogabilidade — e até mesmo visuais — nos remetem muito àquilo que a From Software já trouxe.
Isso não quer dizer que ele seja ruim. Na verdade, ele se revela um título muito bom exatamente por conseguir reproduzir muito bem a essência da série Souls. Ele tem suas características próprias, vários deslizes aqui e ali, mas a experiência geral faz com que ele emule muito bem a sensação de desafio e perigo que conquistou tanta gente.
De maneira geral, Lords of the Fallen é a Pepsi de Dark Souls. Pode não ser o que você queria neste momento, mas serve muito bem como um substituto. Ele dificilmente vai ser a primeira opção de muita gente, mas cumpre muito bem seu papel nesse sentido e se destaca por seus próprios méritos. Como a Coca-Cola Bloodborne chega só em fevereiro, Harkym consegue preencher muito bem essa lacuna até lá — mesmo escondido atrás de seu escudo e com sua cara de mau.