Driveclub

Driveclub

por Felipe Demartini

A promessa que não deu certo

Desde o início, Driveclub foi anunciado com grandes ambições. A ideia do game era revolucionar os jogos de corrida trazendo um caráter social a eles. Aqui, ninguém corre sozinho e o bom mesmo é montar uma equipe que, junta, acumule resultados em provas e competições. O sucesso de um era o sucesso de todos e isso ia além de apenas chegar em primeiro, passando também por pontuações por uma boa apresentação, corridas limpas e derrapagens absurdas.

Nada melhor do que um jogo totalmente conectado para propagandear as características de um novo console que, por si só, já era uma inovação. Driveclub, porém, foi adiado justamente por causa de suas funcionalidades sociais. O PlayStation 4 chegou e quase fez aniversário antes que o jogo chegasse às lojas.

Das promessas de inovação e surpresas, muito pouco sobrou. Seria Driveclub mais uma vítima do hype? Ou aquilo que a Evolution Studios imaginou originalmente não foi possível de ser aplicado no mundo real? Seja como for, a impressão que fica é que temos aqui um game de corrida até bem intencionado, mas que na pressa de ser enorme, acabou deixando muita coisa para trás.

Apenas andar em círculos (e nem sempre)

Driveclub

A iniciativa social passa longe de ser uma revolução para os jogos de corrida e acaba soando muito mais como uma distração do propósito fundamental de qualquer game do gênero.

Para leigos ou desinteressados, uma corrida pode ser algo excessivamente repetitivo. Afinal de contas, temos carros correndo em círculos numa pista, lutando apenas para chegar em primeiro. Para quem acompanha mais de perto, porém, trata-se de um jogo intrincado de freadas no momento certo, aceleração, pisadas no pedal e manobras para garantir aquele milésimo a mais no cronômetro. Eu sou do segundo tipo, mas Driveclub me passou a impressão do primeiro.

Não me entenda mal, o game traz uma jogabilidade bastante apurada. No controle, meio pelo qual a esmagadora maioria dos jogadores vai aproveitar o título, temos uma boa detecção de pressão nos gatilhos, à qual cada carro responde de uma maneira diferente. São muitos veículos disponíveis, dando ao jogador a possibilidade de selecionar o que melhor se adequa a seu estilo de pilotagem.

O sistema de progressão também é interessante. Em vez de apostar no usual, Driveclub utiliza o mesmo sistema de estrelas que habilita novas competições também para liberar novos carros de diversos estilos. Rapidamente, a garagem fica cheia deles e o usuário se vê empolgado não apenas para testar cada um, mas também obter novos, melhorando seu desempenho para conseguir ainda mais. É um ciclo que se retroalimenta e aparece como a grande força do game.

Desenvolvedora espera que microtransações de Driveclub não sejam usadas

Essa variedade e fluidez na liberação de novidades, por outro lado, contrasta com o marasmo das corridas em si. Em vez de apostar em pistas reais, ou então, fazer como Gran Turismo e criar suas próprias variações de circuitos, Driveclub aposta em provas e pistas estilizadas de acordo com meia dúzia de países.

Existe um único ponto em que Driveclub é impecável e, realmente, se mostra como um jogo digno da nova geração de consoles: o gráfico.

Na maioria do tempo, a impressão é de se estar pilotando nos mesmos locais repetidas vezes. Os cenários apresentam pouca identidade e quase nenhuma característica única. Com exceção de uma ou outra prova, você dificilmente conseguirá diferenciar uma competição realizada na Escócia de outra passada na Índia. Na memória, fica apenas uma mistura de elementos que parecem se repetir indefinidamente.

E é aqui, na segunda metade essencial que constitui qualquer game de corrida, que Driveclub falha imensamente. Desde o início, o game tentou se firmar como uma identidade única no gênero, trazendo algo diferente. Só que, na tentativa de fazer isso, ela acabou se esquecendo de fazer a lição de casa e investir em conceitos básicos, que tornariam a experiência muito melhor e, acima de tudo, a tornariam bem mais memorável.

Recordes intransponíveis

Além das corridas em si, como já falamos, a outra faceta de Driveclub é o desafio social. Como disse a própria Sony inúmeras vezes, chegar em primeiro, apenas, não é suficiente. Esse passo além se dá por meio de desafios pontuais que aparecem em todas as provas e envolvem, por exemplo, manter a máxima velocidade média possível, manter-se no traçado ideal ou ganhar o maior número de pontos com os drifts. São poucos os tipos disponíveis, que acabam se repetindo em praticamente todas as provas.

É aqui também que os grupos de jogadores fazem a maior diferença. É possível tanto entrar em clubes já criados quanto iniciar o seu próprio, além de ver aqueles dos quais os amigos participam. E quanto mais pilotos habilidosos na sua equipe, maior a pontuação obtida por todos e, também, as recompensas habilitadas, que permite a criação de estilos visuais personalizados para os veículos.

Nesse aspecto, o jogo parece funcionar bem. Em nossos testes, apesar de eventuais falhas de comunicação com o servidor no envio de resultados, conseguimos realizar muitos dos desafios sem problemas, vencendo ou perdendo de adversários que faziam parte ou não de nossa lista de amigos, além de outros propostos pela própria equipe de desenvolvimento. Temos aqui uma característica divertida, que traz um tom de desafio maior para o jogo. Entrar e sair de clubes também foi bem tranquilo.

A variedade e fluidez na liberação de novidades, por outro lado, contrasta com o marasmo das corridas em si.

Por outro lado, existem aqueles simplesmente impossíveis de se alcançar. Não sabemos se por falha nos servidores, trapaças dos jogadores ou problemas de detecção do próprio game, encontramos diversos jogadores com velocidades simplesmente imbatíveis, que muitas vezes, ultrapassaram os 50 mil quilômetros por hora.

Driveclub

Atualmente, o recorde de maior velocidade em um veículo dirigido por um homem é da Apolo 10, que em maio de 1969, atingiu 39,8 mil quilômetros por hora no retorno de sua missão à Lua. Eu, sinceramente, duvido que a nave seja jogável em Driveclub. Mesmo que fosse, nem ela seria capaz de bater muitos dos desafios de velocidade que aparecem na tela.

Mas, falando sério: temos aqui uma característica que acaba minando, em partes, uma das grandes propostas do jogo. Claro que não dá para levar a sério as vezes que eles aparecem na tela. O problema é que eles surgem com frequência assustadora e acabam impedindo que o jogador obtenha pontos valiosos para seguir em frente. É, no mínimo, frustrante, e algo que a Evolution Studios deveria olhar com mais atenção.

Coloque os óculos escuros

Existe um único ponto em que Driveclub é impecável e, realmente, se mostra como um jogo digno da nova geração de consoles, e esse aspecto é o gráfico. Mais especificamente, a iluminação, que é um dos grandes destaques do título e adiciona muito à experiência. Dirigir ao pôr do sol é uma experiência muito bonita, assim como ver o amanhecer de dentro do carro.

Driveclub

Mostrando domínio das ferramentas possibilitadas pelo PS4, a Evolution Studios criou uma iluminação que ofusca o jogador, reflete no painel e na lateria dos carros e, acima de tudo, parece extremamente natural. Nada de transições bruscas entre dia e noite, nada de iluminação artificial nos faróis. Aqui, temos um trabalho apurado que, infelizmente, faltou ao game como um todo.

Elementos essenciais, como um clima dinâmico e o Photo Mode, ficaram de fora do lançamento inicial, mas a desenvolvedora promete adicioná-los no futuro – é possível que eles já estejam disponíveis quando você ler essa análise. Tais aspectos apenas tornarão mais evidente o que é um conjunto visual já bastante poderoso.

Infelizmente, é nos gráficos que residem a grande qualidade de Driveclub, mas nem eles serão capazes de grudar o jogador ao controle por muito tempo. Após três horas com o título da Evolution Studios, comecei a ter a impressão de que já havia visto tudo o que ele tinha a me oferecer. Lutando contra essa ideia, continuei jogando, apenas para perceber que ela realmente era verdadeira.

Desenvolvedora dá uma amostra do sistema de clima dinâmico de DriveClub

Temos, sim, avanços aqui. Mas a iniciativa social passa longe de ser uma revolução para os jogos de corrida e acaba soando muito mais como uma distração do propósito fundamental de qualquer game do gênero. E com os problemas nos servidores, tudo fica ainda pior, já que justamente o aspecto que fundamenta o título acaba não funcionando direito. Aqui, pelo menos, já dá para enxergar um progresso.

No máximo, Driveclub se beneficia de um ambiente de ausência de bons títulos do gênero e isso, nem de longe, torna a proposta interessante por mais do que algumas horas. Ele pode até suprir essa falta, mas não terá o apelo longevo que a Sony e a Evolution Studios tanto gostariam.

Driveclub foi testado em cópia cedida pela Sony.