Eu acreditei que seria desta vez. Afinal, a Ubisoft tenta emplacar um jogo tão impactante quanto Assassin’s Creed 2 desde o fim da trilogia de Ezio e, ao dar meus primeiros passos pela Paris efervescente pré-Revolução Francesa, eu achei que o estúdio havia finalmente acertado o tom. E me enganei, mais uma vez.
O curioso disso é que, ao contrário dos últimos jogos, os quais apostaram em um novo tom ou mesmo ousaram um pouco mais em seus protagonistas, Assassin’s Creed: Unity é o título que mais se aproxima da aventura renascentista em termos de proposta. Seja na evolução em relação a seus antecessores, na riqueza do período vivido ou na construção do enredo, tudo foi feito pensando em emular a fórmula que fez da série o principal produto do estúdio.
Entretanto, apesar de seguir muito bem essa cartilha, Unity falha na hora de mostrar sua própria personalidade e o que deveria ser a verdadeira estreia da franquia na nova geração acaba se tornando apenas uma caricatura do que ela já foi no passado.
E o maior exemplo é o próprio personagem. Mais do que ser o assassino da vez, Arno Dorian é também o resumo de tudo aquilo que Assassin’s Creed: Unity é e tenta ser. A tentativa de transformá-lo em um novo Ezio é tão clara que o visual e a personalidade do protagonista são inspirados diretamente no herói italiano. E é aí que a coisa começa a desandar.
Arno resume bem o que Assassin’s Creed: Unity é e o que ele tenta ser: uma tentativa (frustrada) de recriar o carisma e o impacto de AC2. E ele até começa bem, mas se perde no caminho.
As primeiras horas de Unity, quando Arno ainda não é um assassino, são realmente divertidas. O personagem realmente lembra o assassino de AC2 em vários momentos, seja pelo jeito debochado, impulsivo ou mesmo com seu bom humor. Contudo, todo o carisma do personagem desaparece quando ele se esconde sob o capuz. É como se assumir o manto o transformassem em alguém apático e pouco interessante.
E isso representa muito bem o que é esse Assassin’s Creed. Assim como Arno, você vê que Unity tem potencial para se transformar em algo memorável, mas ele se perde nele mesmo e se torna algo sem vida. Apesar da impressão inicial bastante positiva, você logo percebe que não há muito no que se aprofundar por ali.
Basta ver como o herói acaba sendo sempre colocado em segundo plano quando entra algum coadjuvante em cena – Élise é, sem dúvidas, a melhor personagem do game inteiro – ou no quanto a trama principal é eclipsada pelos acontecimentos da Revolução Francesa em si.
Em uma série em que o enredo é fundamental, um herói sem personalidade e uma história sem clímax podem ser fatais.
E isso é bastante triste, já que aquilo que deveria ser a base narrativa do game não consegue se sustentar sem depender de pequenas muletas. A proposta de vermos o primeiro Assassin’s Creed situado na França, terra da Ubisoft, e retratando um dos momentos mais importantes de toda a história é algo que merecia algo muito mais impactante, mas se resume à triste combinação de um protagonista insosso com uma história morna e sem clímax.
Em uma série em que o enredo é parte fundamental da experiência, Unity simplesmente não empolga. Por mais que eles tentem criar uma tensão ao estilo Romeu e Julieta, com a caçada ao Sábio ou com a divisão existente dentro da própria Irmandade, nada disso convence. A única coisa que realmente se salva é mostrar como e por que Assassinos e Templários influenciaram na Revolução Francesa.
O curioso é que o jogo realmente tinha meios para se destacar na série. Embora não seja sua estreia na nova geração, este é o primeiro título feito exclusivamente para ela e isso traz um salto de qualidade considerável em relação ao que vimos anteriormente em vários aspectos.
Um dos maiores acertos de Assassin’s Creed: Unity é seu motor gráfico, que foi melhorado exatamente para aproveitar o poder de fogo das novas plataformas. Finalmente temos uma modelagem decente na franquia, trazendo desde texturas e detalhes de qualidade a expressões faciais incríveis. É impossível não impressionar com o resultado.
Por mais que seja impressionante ver uma Paris enorme e repleta de NPCs, isso não é fundamental em termos de jogabilidade a ponto de sacrificarmos o framerate, como foi feito.
Outro ponto que chama a atenção é a quantidade de NPCs em cena. Às vésperas da Revolução, Paris era um barril de pólvora prestes a explodir e as ruas eram apenas um espelho dessa tensão crescente – algo que a engine faz muito bem. O número de pessoas protestando em praças, em frente a prédios públicos ou mesmo transitando pelas longas avenidas da Cidade Luz é algo nunca visto em outros jogos, principalmente se levarmos em consideração que elas se comportam de maneira independente e não como uma massa homogênea. A multidão que se aglomera para assistir à decapitação do Rei Luís XVI é de cair o queixo.
Além disso, a própria Paris é um espetáculo à parte, trazendo um dos maiores mapas de toda a série. Segundo a Ubisoft, o objetivo era recriar a capital francesa em escala real e não há como duvidar disso à medida que você explora as dezenas de ruas, prédios e galerias subterrâneas – todas fielmente reproduzidos.
Contudo, toda essa grandiosidade tem seu preço. Assassin’s Creed: Unity é um jogo extremamente problemático, trazendo desde falhas de renderização menores a bugs e erros mais grotescos e graves.
É o caso da inconstante taxa de quadros por segundo, que oscila de maneira absurda, fazendo com que você tenha a eterna sensação de estar controlando um assassino em câmera lenta. E isso incomoda não apenas por ser algo que acontece a todo o momento, mas também por atrapalhar em momentos importantes, como nos combates ou durante uma fuga.
E é aí que está o erro da Ubisoft. Na tentativa de criar algo visualmente impactante, ele não se preocupou em manter o desempenho estável. Por mais que seja impressionante ver uma Paris enorme e repleta de NPCs, isso não é fundamental em termos de jogabilidade a ponto de sacrificarmos o framerate, como foi feito. Aposto que ninguém iria reclamar de ver uns personagens inúteis a menos em uma área menor se o game realmente rodasse a 30 ou 60 fps.
Se Assassin’s Creed: Unity tropeça feio na parte técnica, ele acerta ao fazer mudanças significativas na forma como gerenciamos o personagem, sobretudo na customização de seu assassino. Pela primeira vez na série, as mudanças feitas não são apenas visuais, deixando com que suas escolhas façam mesmo a diferença.
A partir de agora, você pode personalizar os equipamentos do protagonista de maneira mais detalhada, definindo desde a vestimenta até o tipo de braçadeira ou cinto que ele vai utilizar. Com atributos específicos, essas peças adicionam uma camada bem mais estratégica ao jogo, já que isso vai definir seu tipo de abordagem nas missões. Você pode focar seu progresso em acessórios que aumentem sua energia, permitindo aguentar mais porradas em um combate em vez de priorizar a furtividade para passar despercebido por seus inimigos. São várias combinações com resultados bem variados.
Com o sistema de combate reformulado, você deixa de ser uma exército de um homem só e Assassin’s Creed volta à sua essência: o stealth.
Esse tipo de pensamento é bem importante principalmente quando você se acostuma ao novo sistema de batalha. Esqueça o assassino que é o exército de um homem só, pois enfrentar soldados e templários na Revolução Francesa é um pouco mais complicado do que você pensava. Além de o dano causado ser mais realista – você pode realmente morrer com um tiro –, os inimigos estão mais habilidosos e vão esquivar com muito mais frequência dos ataques de Arno. Isso faz com que o confronto contra grupos maiores seja muito arriscado e, portanto, deve evitado.
Por isso, Assassin’s Creed: Unity resgatou algo que há tempos estava esquecido na série: o stealth. E é aqui que as coisas realmente ficam divertidas, já que Paris oferece muitas formas de agir silenciosamente – principalmente em meio ao caos.
Só que, ao mesmo tempo em que o título faz avanços importantes em algumas áreas, ele retrocede em outros. O sistema de parkour, por exemplo, teve mudanças significativas em seus controles, deixando as coisas bem mais complicadas e problemáticas. Prepare-se para se irritar ao ficar preso em alguma estrutura mínima ou pular para um lugar diferente do planejado inicialmente. Isso sem falar da câmera, que é um inimigo à parte.
A economia também sofreu profundas alterações. Se, por um lado, a existência de diferentes tipos de equipamentos deixa o mercado bem mais agitado, por outro há a desnecessária adição de quatro moedas diferentes. Há dinheiro para comprar itens, outro para habilidades, um terceiro para aprimorar equipamentos e um quarto via microtransação, o que confunde bastante o jogador e que, na prática, podiam se resumir em apenas uma ou duas unidades.
E, por mais que muita gente tenha torcido o nariz para a possibilidade de usar dinheiro real, a verdade é que isso pouco faz diferença, já que isso é usado apenas para acelerar seu progresso e pode ser facilmente ignorado. É claro que ele vai incentivá-lo a fazer isso, principalmente com o preço inflacionado dos itens e com a dificuldade de fazer riqueza sem passar muito tempo em missões secundárias, mas nada que realmente o obrigue a gastar.
Eu nunca fui muito fã do modo multiplayer de Assassin’s Creed, mas Unity conseguiu finalmente me fazer olhar com carinho para sua parcela online graças ao inédito modo coop. Embora ele não seja tão integrado à campanha como muitos acreditam – as missões cooperativas são apenas sidequests que podem ser acessadas diretamente da cidade –, é muito divertido se aliar a outros assassinos para cumprir uma série de objetivos.
Ao contrário do que tínhamos até então, o jogo consegue reproduzir a experiência do single player em um ambiente com múltiplos jogadores, trazendo desafios bem variados e que exigem trabalho em equipe para serem completados. E, embora você possa jogá-los sozinho, não demora para você perceber o quão útil e divertido é ter alguém ao seu lado.
O único problema é que, neste primeiro momento, os servidores da Ubisoft estão tão instáveis que apenas alguns poucos sortudos conseguiram se conectar e mergulhar com amigos na Revolução Francesa. No nosso caso, foi preciso muita persistência para conseguir experimentar um pouco da novidade. O lado bom é que, apesar do sofrimento, o resultado final compensa.
Apesar dos vários tropeços graves, Assassin’s Creed: Unity não é um jogo ruim. Mesmo decepcionando em diversos pontos, ele continua sendo bem divertido em vários momentos – só o fato de ele não ter momentos fora do Animus já é uma vitória –, principalmente quando você se dedica a ir além da história rasa e a aproveitar o que a cidade realmente tem a oferecer. O coop é uma adição e tanto, apesar de ainda bastante problemática.
Ainda assim, ele está longe de ser a estreia na nova geração que os fãs tanto queriam, principalmente porque o tão esperado salto de qualidade veio acompanhado de uma série de falhas, algumas inaceitáveis. Tanto que todos os seus acertos são logo eclipsados por algum erro. Ele é um bom jogo, mas recheado de “mas” e “poréns”.
Assassin’s Creed 2 é, ao mesmo tempo, o maior sucesso e também a maior maldição da Ubisoft. Assim como o game serviu para colocar a série em evidência, o estúdio parece não saber como repetir o sucesso e tenta, sem êxito, recriar aquela mesma experiência. E Unity é um exemplo disso.
Com um protagonista fraco e sem presença, uma história desinteressante e uma série de problemas que atrapalham a jogabilidade, ele derrapa feio ao tentar trazer a tão prometida evolução da franquia e fica longe de repetir o brilho pretendido. Isso que nem entro no mérito de que o estúdio prometeu usar todo o potencial dos novos consoles e, ainda assim, deixou muito a desejar.
Assim, apesar das boas intenções, Unity está longe de ser o novo Assassin’s Creed 2. Ele tenta emular a experiência e traz uma série de ideias que funcionam e revela um belo potencial que pode ser explorado no futuro, mas não consegue chegar perto daquilo que Ezio nos mostrou um dia. Na tentativa de recriar AC2, Arno chega apenas perto do três – e olhe lá.