Ao assistir às cenas de corte de muito jogo por aí, uma das primeiras reações da galera é afirmar que aquelas imagens se parecem muito com um filme. Não é por menos. em Call of Duty: Advanced Warfare, por exemplo, os protagonistas apresentam expressões faciais extremamente reais e corpos com movimentos bastante realistas. Tudo por causa da tecnologia.

Na maioria dos jogos de hoje, sejam eles de grande ou pequeno porte, a criação de personagens passa por três processos distintos: a captura de movimentos, a dublagem e o escaneamento facial. Todos trabalham em conjunto para criar algo extremamente fidedigno e gerar experiências que seriam impossíveis apenas com a utilização de computadores.

Foram justamente estes os assuntos da palestra “Dublagem, captura de movimentos e histórias cinemáticas: a voz, corpo e alma dos video games”, ministrada por Reuben Langdon durante a GameWorld 2012. No evento, o ator, dublê e produtor falou sobre o funcionamento da tecnologia que permite jogos extremamente realistas e explicou a importância destes processos no desenvolvimento de um bom enredo. Lá, a tecnologia ainda era uma novidade que se tornava cada vez mais consolidada. Hoje, é padrão na indústria.

O homem por trás da máquina

Os fãs de Resident Evil devem conhecer Reuben Langdon pelo papel de Chris Redfield. O ator se envolveu com a série pela primeira vez em RE CODE: Veronica, no longínquo 1997, ano em que a captura de movimentos ainda dava seus primeiros passos. Mais recentemente, ele foi o responsável por todas as cenas perigosas de Joel em The Last of Us, substituindo Troy Baker como dublê. Com sua empresa, a Just Cause Productions, esteve envolvido em boa parte dos principais jogos da história recente.

A voz, corpo e alma dos video games

Para chegar ao ponto de se tornar um dos principais nomes desse mercado, Langdon seguiu um longo caminho. Após se mudar para o Japão ainda jovem e trabalhar como modelo fotográfico, ele decidiu aprender artes marciais. O trabalho como o personagem Mac Windy, em B-Fighter Kabuto, seria o responsável por mudar completamente os rumos da vida dele.

“Naquele dia, no trem de volta para casa, eu estava exausto, mas pensando: ‘não quero saber de mais nada, é isso que quero fazer pelo resto da minha vida”, lembra. Então, Langdon passou a levar o trabalho com artes marciais mais a sério e se tornou um dublê, chegando a ter a honra de trabalhar com seus dois grandes ídolos: Jackie Chan e Sammo Hong. Daí para os video games, foi apenas um pulo.

Hoje, Reuben Langdon é um dos maiores nomes do mercado, quando o assunto é animação em games. Não apenas por seu trabalho em títulos de renome como também por ter tido grande importância na evolução e aprimoramento das tecnologias de captura de movimentos e escaneamento facial.

Além de Chris Redfield, Langdon é o corpo, rosto e voz de Ken Masters, em Street Fighter IV, e Dante, de Devil May Cry. Com a Just Cause, também trabalhou em games como Dead Rising, Bayonetta e Lost Planet 2, além de atuar com artistas como David Guetta e Nicki Minaj.

Realismo eficiente

Em sua essência, o processo de captura de movimentos é relativamente simples. O ator veste uma roupa colada ao corpo, com pontos luminosos em cada uma de suas articulações. Estes “dots”, como são chamados, são capturados por uma câmera especial, que registra todas as ações e as transfere para um computador. Todos estes dados, mais tarde, são aplicados e um modelo tridimensional de personagem, que passa a contar com reações incrivelmente verossímeis.

A voz, corpo e alma dos video games

Ao contrário do que pode se pensar, há atuações “de verdade” durante as seções de captura de movimentos. Os atores realmente lutam e conversam entre si, com todos os movimentos exatamente iguais aos vistos no game. Em Resident Evil 5, por exemplo, os intérpretes chegaram até mesmo a se vestir como os personagens para os ensaios, de forma a garantir total imersão em cada papel.

A seguir, foi usada a câmera virtual, que permite ao diretor de cutscenes navegar pelo espaço digital. Como todas as cenas de um game são produzidas de forma tridimensional, é possível andar por elas da forma como quiser e, utilizando essa tecnologia, exibi-las do ângulo mais adequado sem a necessidade de refilmagem.

Para Reuben Langdon, esse processo é essencial para qualquer game que pretenda contar uma boa história. “A tecnologia dá mais vida aos protagonistas e torna-os muito mais críveis. O resultado é superior ao que seria obtido por apenas animadores e computadores”, explica.

Quando se fala em jogos e animações, também é possível criar acrobacias fantásticas sem que isso exija um grande esforço de pós-produção. Como a câmera captura apenas os pontos luminosos no corpo dos atores, cabos, gruas e até mesmo outras pessoas podem ser usadas para obter movimentos fantásticos, sem que seja preciso remover estes artefatos em um segundo momento.

De um ponto de vista econômico, a captura de movimentos também é uma alternativa mais barata e rápida para o desenvolvimento de cutscenes impressionantes. Em vez de pagar uma série de profissionais para passarem horas animando cada movimento de dezenas de personagens, todas as cenas de corte podem ser gravadas como em um filme e, em poucas horas, todo o trabalho está terminado. O animador, assim, pode empregar seu talento e tempo em outras tarefas.

Essa inovação também permite que os atores trabalhem muito mais e consigam ser muito mais versáteis. Sem a necessidade de figurino ou maquiagem, por exemplo, é possível que um mesmo profissional atue como diversos personagens em um único dia, para diversos jogos diferentes. Ainda, também é possível trabalhar como monstros, animais ou até mesmo interpretar protagonistas do sexo oposto.

Escaneamento facial: o Santo Graal da indústria

A partir dos belos resultados obtidos com a captura de movimentos, veio uma pergunta: e se fosse possível coletar também dados sobre a movimentação de músculos e ossos do rosto dos dubladores, deixando assim os personagens ainda mais vivos? Surgiu assim uma tecnologia que, apesar de relativamente nova, já apresenta resultados impressionantes.

L.A. Noire foi um dos primeiros exemplos de trabalho primoroso de escaneamento facial. O game, que levou mais de sete anos para ficar pronto, teve boa parte de seu tempo dedicado à criação de uma nova tecnologia que permitisse transportar os movimentos faciais e rostos dos atores para suas contrapartes digitais.

https://www.youtube.com/watch?v=PQoMSLk9LNE

O impressionante resultado acabou se tornando também um dos pontos principais da jogabilidade. No título produzido pela Team Bondi, o jogador assume a pele de um detetive e investiga diversos crimes. Durante entrevistas com acusados ou testemunhas, a observação das expressões faciais é essencial para descobrir se aquele indivíduo está falando a verdade ou não. Nada disso seria possível sem a tecnologia que é demonstrada no vídeo acima.

Outros exemplos desse tipo de tecnologia, utilizada na indústria de hoje, são o já citado Call of Duty: Advanced Warfare, além de Resident Evil 6 e Far Cry 4. São poucos os games, porém, que dão um foco tão grande assim nas expressões faciais, e menos ainda, as utilizam como artifícios para a jogabilidade.

Mas para o diretor da Just Cause Productions, o escaneamento facial tem grande potencial e será capaz de trazer ainda mais realismo aos jogos eletrônicos. Na visão dele, por outro lado, a tecnologia não dá liberdade ao animador, que fica preso à interpretação dos atores e não conta com muito espaço para trabalhar os personagens ou adicionar novos elementos a eles.

Games ou filmes?

A novidade trouxe ainda mais uma nova inovação, que deixou a produção de um game ainda mais parecida com a de um filme. Games recentes como The Last of Us, por exemplo, usaram o que está sendo chamado de Full Performance Capture, um processo no qual a dublagem e os movimentos corporais e faciais são capturados todos ao mesmo tempo.

Avatar

Criada por James Cameron para o filme “Avatar”, a tecnologia permite que os atores se envolvam completamente no papel, em vez de realizar suas performances separadamente. Mais do que nunca, as nuances do trabalho de cada profissional é transportada de forma completa ao personagem animado, com um resultado de encher os olhos. Por exigir muito mais do ator, porém, essa novidade pode acabar não sendo aplicada em todos os casos.

Reuben Langdon cita o exemplo de Chris Redfield em Resident Evil 5, um papel que exigia movimentos acrobáticos e uma voz que fosse parecida com a já possuída pelo protagonista em games anteriores da franquia. Dessa forma, ele próprio não poderia dublar o personagem, enquanto Roger Craig Smith não possuía os atributos físicos necessários para as cenas de combate. Mesmo hoje, a Full Performance Capture não poderia ser usada no game.

Tudo pelo enredo

Ao demonstrar todas estas tecnologias durante o GameWorld 2012, Reuben Langdon fez questão de refutar uma afirmação feita por David Jaffe, um dos principais nomes por trás das franquias God of War e Twisted Metal. Durante a DICE Summit 2012, um evento voltado ao mercado de jogos, ele afirmou que colocar a narrativa acima da jogabilidade é um erro.

Langdon diz que, assim como no cinema, o roteiro é o principal elemento de um game e o grande responsável por capturar o jogador. Por experiência própria, afirma que de todos os jogos em que esteve envolvido, aqueles com pouco foco na trama sempre foram fizeram menos sucessos do que aqueles com fortes elementos narrativos.

Para ele, não existe outra razão para utilizar todas as tecnologias em que se especializou a não ser em prol de um bom enredo. É por isso que são criados personagens tão verossímeis, movimentos tão acrobáticos ou cenas de ação impressionantes. “Não existe outra razão para criar uma experiência tão imersiva assim”, completou.

Algumas mudanças a caminho

Resident Evil 5

Para Reuben Langdon, a indústria dos games está passando por uma mudança semelhante à sofrida pelo cinema na última década. Com a popularização dos equipamentos e a fácil disponibilidade da tecnologia, qualquer pessoa é capaz de criar seu próprio game e, por meio da distribuição digital, vendê-lo para todo o mundo.

Até mesmo a captura de movimentos está se transformando em algo plenamente acessível, uma vez que hacks do Kinect, um dos principais periféricos do Xbox 360, permitam que esse processo seja realizado na sala de casa. Em entrevista ao Resident Evil SAC, Langdon chegou a fazer uma previsão ambiciosa em relação ao mercado. “No futuro, os desenvolvedores serão apenas uma ferramenta. Os fãs farão todo o trabalho.”

O reconhecimento dos games como forma de arte também pode acabar trazendo renomados atores do cinema para essa mídia. Já é possível encontrar grandes nomes da tela grande fazendo trabalhos de dublagem – em títulos que não são adaptação de filmes –, e a tendência é que isso se torne cada vez mais frequente. Kevin Spacey, estamos falando de você.

As grandes mudanças, porém, devem vir na próxima geração de consoles. Segundo Langdon, o foco atual é encontrar maneiras mais eficientes de realizar os trabalhos, sem avanços tecnológicos drásticos.

Fonte das imagens

Este artigo foi publicado originalmente no Resident Evil SAC. Aqui, aparece com pequenas edições para atualização.

Encontrou um erro?

Envie um email para contato@newgameplus.com.br com a URL do post e o erro encontrado. Obrigado! ;-)