Jogos cooperativos ou com modos online existem aos montes por aí. Mas poucos são como A Way Out, nova obra de Josef Fares, criador de Brothers: A Tale of Two Sons. Ele se tornou uma das figuras mais controversas da indústria atual por suas declarações agressivas e fora do discurso brando normalmente assumido pelos desenvolvedores de games. Isso reflete a característica de sua própria obra, que, também, não é necessariamente convencional.
Em A Way Out, é impossível jogar sozinho. O jogo não tem modo single player, apesar seu foco narrativo, e só permite que se embarque na aventura acompanhado de um parceiro, seja um amigo online ou outra pessoa sentada no sofá com você. Não existe nem mesmo a opção de matchmaking para encontrar jogadores aleatórios, algo que deve incomodar um pouco aos mais solitários ou que não querem ficar “marcando horário” para jogar – grupos de discussão nas redes online das plataformas, porém, resolveram isso muito bem, com os próprios jogadores se oferecendo para partidas a foto momento.
Enquanto a amizade entre Leo e Vincent, os protagonistas, vai florescendo, o mesmo vale para a parceria entre os jogadores. E é nisso que reside o maior destaque de um game que não tem uma trama das mais mirabolantes. É na simplicidade de uma boa e velha jogatina cooperativa que está a sacada de Fares, uma criação como não se via há algum tempo – e que chama a atenção como pouco, apesar de cair em clichês e apresentar uma linearidade extrema.
Com a boa e velha jogatina coop, A Way Out chama a atenção como poucos, apesar de cair em clichês e apresentar uma linearidade incômoda.
Inusitada, também, é a dinâmica aplicada com relação ao coop online, que assim como na divisão de sofá, não exige duas cópias. Basta que apenas um jogador possua A Way Out, e que outro baixe a versão demo disponível nas redes de todas as plataformas, para que ambos possam jogar a aventura do começo ao fim.
A objetividade é a marca de um título que pode ser finalizado em pouco mais de cinco horas. É o tipo de game que pode ser terminado no domingo, “em uma sentada”, ou jogado em parcelas, noite após noite. É o suficiente para contar uma história com bons momentos e, ao mesmo tempo, não se tornar cansativo demais, apesar de uma considerável barriga tornar o trecho entre a fuga da prisão e a conclusão mais longo e arrastado do que deveria.
Leo é aquele personagem do estilo malandro, com contatos na prisão e um passado sombrio, enquanto Vincent é o recém-chegado, o mocinho que acabou se transformando em bandido pelo envolvimento com quem não devia. O ódio a um inimigo comum, Harvey, é o responsável por uni-los e o novato acaba se unindo ao plano de fuga.
Essa ideia confere certa agilidade à trama, que tem alterações de ritmo e pegada ao longo do tempo, mas ao mesmo tempo, faz com que ela soe corrida. A união entre os dois tem seus motivos para existir, mas eles são apresentados de maneira afobada. Ao mesmo tempo, não existe nenhuma etapa de planejamento e explicação do plano de fuga, que simplesmente acontece.
Não é como se A Way Out fosse um game complexo, entretanto. Mesmo sem saber exatamente como será o caminho dos personagens para fora da cadeia, os jogadores não terão problema em executar as tarefas pedidas por um título que, muitas vezes, se assemelha a um festival de QTEs, com poucos botões sendo usados.
Em alguns trechos, a jogabilidade assume ares de perseguição, tiroteio e até luta, com um ótimo momento retirado diretamente de “Oldboy”, sem nunca fugir da zona de conforto. Não existem trechos necessariamente desafiadores ou complicados, de forma que o jogador possa se preocupar com os personagens e focar na história que os produtores desejam contar. Até mesmo os confrontos mais intensos são simples se existir uma boa cooperação e domínio básico do joystick.
Isso também compensa uma questão sempre existente em títulos online – o lag. Ele existe e deve ser sentido, principalmente, nos momentos em que uma sincronia entre Vincent e Leo é exigida. Ela nem sempre precisa ser exatamente perfeita, para compensar a latência, e boas aplicações de design entram em ação para compensar eventuais problemas de conexão, permitindo que até mesmo quem assina uma internet das mais lentas possa aproveitar tudo sem problemas.
Há um senso de urgência durante a escapada da prisão e os momentos derradeiros, mas pouquíssimo espaço para um improviso que cairia muito bem em um jogo cooperativo. A Way Out, sempre, apresenta uma forma errada e outra certa de se fazer as coisas, sem possibilidade de correção – faça algo fora do padrão e uma cutscene boba de captura ou morte é exibida, retornando os jogadores ao momento anterior para que tentem de novo. Até existem extras ou elementos adicionais aqui e ali, mas na maioria do tempo, a linearidade chega a ser opressora.
Isso se aplica, principalmente, ao final. Ao mesmo tempo em que surpreende o jogador com uma virada não tão inovadora assim, seguida de momentos intensos e, estes sim, inesperados, mais uma vez caímos em um maniqueísmo questionável. Não vamos dar spoilers aqui, somo sempre, mas o modo como as coisas terminam pode frustrar bastante pois, simplesmente, não soa correto, apesar das circunstâncias.
Esse aspecto linear, porém, casa com a raízes de Fares, que antes de ser o polêmico game designer que ganhou destaque no final do ano passado, era um cineasta. Os cinco filmes lançados por ele entre 2000 e 2010 geraram um ódio latente pela indústria cinematográfica, mas, ao mesmo tempo, técnicas que transformam A Way Out em algo muito bonito de se assistir, mesmo que, quando jogado, não seja tão legal quanto poderia. A linearidade cansa e torna a aventura menos instigante do que deveria.
Apesar do foco narrativo, A Way Out só pode ser jogado por amigos, localmente ou online. Não há matchmaking, uma ausência que pode frustrar.
O criador não esconde suas influências, vindas de filmes como “Um Sonho de Liberdade” ou “Scarface” e jogos como Portal 2 e a franquia Uncharted. Ao mesmo tempo, apresenta um olhar interessante, com ângulos de câmera inusitados para um game e tela dividida mesmo enquanto se joga online, de forma que um jogador possa sempre ver o que o outro está fazendo.
Ao contrário do que acontece em títulos da série LEGO, porém, o uso dessa dinâmica não atrapalha na jogabilidade e, no máximo, acaba apenas privilegiando um diálogo em detrimento de outro, mais importante para os rumos da trama. Como já dito, o que importa aqui é a história e é para ela que todos os holofotes estão voltados.
Josef Fares coloca à mesa uma jogabilidade simples e objetiva, até demais, em alguns momentos, junto com uma trama interessante, mas contida e que recai em clichês. Em meio à linguagem cinematográfica bem aplicada e os gráficos bonitos – mais nos protagonistas e cenários do que nos coadjuvantes, por sinal – porém, talvez tenha faltado um pouco de sensibilidade. Afinal de contas, por mais que A Way Out tenha ares de cinema, ele ainda é “entretenimento interativo”, como diria o próprio criador, ao refutar suas raízes.
Mais um fruto de um programa da Electronic Arts para fomento de desenvolvedores independentes, que já deu origem a títulos como Unravel e Fe, A Way Out merece ser jogado, principalmente, por representar um respiro para o “coop de sofá” e trazer de volta sensações que só tínhamos no passado. Por outro lado, o título traz uma montanha russa de momentos interessantes e trechos enfadonhos, mostrando que, como na grande escapada de Leo e Vincent, na prática, as coisas nem sempre funcionam como planejado.
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Electronic Arts.