Adrift

por Felipe Demartini

Um terror simplesmente belo

O espaço é a fronteira final, para onde somente os bravos é mais treinados são enviados. Fora da Terra, não há conforto, gravidade, aquecimento e nem mesmo oxigênio. E aqui, você está sozinho, com um alarme incômodo soando sem parar em seu ouvido, enquanto acorda sem memória do que acabou de acontecer. Enxerga apenas as rachaduras em seu capacete e um indicador vermelho, que mostra a escassez do item mais vital para o ser humano: o oxigênio.

É assim que Adrift, jogo da desenvolvedora independente Three One Zero, te dá as boas vindas. A tensão absurda e a sensação de asfixia substituem a tranquilidade e a falsa sensação de segurança que permeiam o tutorial, onde se aprende rapidamente os controles. Então, você é jogado no meio de uma catástrofe absurda, que contrasta com a beleza da Terra azul logo abaixo dos seus pés. Mas você não tem muito tempo para observar a paisagem, pois logo estará sufocando.

Simples e desesperador quase na mesma medida, o jogo tem apenas um objetivo: sobreviver.

É entre a contemplação e o terror absoluto, às vezes com ambos ao mesmo tempo, que o jogador segue durante toda a série de eventos apresentada no jogo. A mistura de emoções é tamanha que a desenvolvedora nem mesmo define Adrift como um jogo, mas sim, como uma “experiência em primeira pessoa”.

Se o propósito de um video game é despertar sensações e mexer com quem está no controle, Adrift acerta em todos os quesitos. É possível dizer, até, que estamos diante de um Survival Horror, se seguirmos uma linha teórica. Aqui, não temos monstros, armas ou sustos, o que não significa que não estaremos em combate. A luta é contra o inimigo mais poderoso de todos, a própria natureza.

Adrift

Será que você tem oxigênio suficiente para seguir em frente até aquele pedaço distante da estação espacial destruída? Acelerar é uma boa, levando em conta que o ar que a personagem respira é o mesmo expelido pelos controles da roupa espacial? E se descobrir que nenhuma das respostas é positiva, o que vai fazer? Ficar parado aguardando a morte certa, ou tentar um último movimento desesperado em busca daquele cilindro de O2 tão próximo, porém tão distante, flutuando em meio à imensidão azul?

A administração de recursos é uma constante e, por mais que você esteja com liberdade plena pelo espaço, a sensação de clausura é absurda. E não serão poucos os momentos “sem retorno”, principalmente quando se sai do aparente conforto do interior dos destroços para a parte de fora. Mais uma vez, uma falsa sensação de segurança: você está apenas saindo da panela e caindo no fogo.

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A ausência de gravidade se torna, ao mesmo tempo, uma aliada na economia de recursos – não é preciso ficar “acelerando” para se locomover, pois um toque para a frente já basta – é uma inimiga. Não será raro ver aquele cilindro de oxigênio tão precioso voando para longe, empurrado por um destroço, levando consigo sua grande chance de sobreviver.

Não temos monstros, armas ou sustos. A luta é contra a própria natureza.

Para permitir tudo isso, Adrift apresenta controles precisos e intuitivos. Em uma aventura como essa, uma jogabilidade bem programada é essencial, e a Three One Zero entrega exatamente isso.

Qualquer movimento errado pode te levar flutuando sem rumo pelo espaço e a roupa espacial que serve como sua grande esperança de sobrevivência é também desajeitada para passar em aberturas semi destruídas, sem falar na fragilidade com relação aos impactos. Mas se tudo der errado, a responsabilidade é completamente sua, e o joystick não servirá como desculpa.

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Essa precisão, entretanto, não se aplica aos indicadores de tela, que muitas vezes são confusos e pouco intuitivos. Adrift, em sua essência, é um game extremamente linear, mas ainda assim, uma noção de para onde se deve seguir é necessária. O problema é que o game não tem necessariamente um solo para se pisar, mas possui um mapa que se comporta como se algo desse tipo existisse.

Se o propósito de um game é despertar sensações e mexer com quem está no controle, Adrift acerta em todos os quesitos.

O caminho a seguir nem sempre é claro, e ao usar o radar embutido na roupa para revelar pontos de interesse, muitos elementos acabam se sobrepondo, não dando uma noção exata de onde estão. Quando se leva em conta a necessidade de precisão e a busca constante por oxigênio, ir para o lado errado por conta de um erro de sistema é garantia de sufocamento.

Nem tudo está perdido, entretanto, mesmo quando se segue à deriva em meio à destruição de Adrift. O game apresenta um dos gráficos mais bonitos entre os jogos recentes, e traz uma composição em que a falta de gravidade não apenas contribui para o sentimento de desolação, mas também para um visual que faz muito bem aos olhos.

Adrift

São partículas, equipamentos e destroços voando por todos os lados, quase em uma dança ao som de uma trilha sonora às vezes repetitiva, às vezes interessante, mas sempre agoniante. Por mais que a grande quantidade de elementos cause algumas quedas na taxa de quadros por segundo, temos um trabalho artístico que compensa eventuais falhas técnicas.

No conjunto da obra, Adrift faz mesmo jus ao rótulo que lhe foi dado pela desenvolvedora. Simples e desesperador quase que na mesma medida, o jogo tem apenas um objetivo: sobreviver. Pode parecer simples e muitas vezes monótono, mas vídeos no YouTube não são a melhor maneira de experimentar o título. Como toda experiência, ela deve ser efetivamente vivia.

O jogo foi testado no PlayStation 4.