Eu sou daqueles que acredita que certas obras simplesmente precisam ser assistidas. Você pode até não adorar, mas deve conhecer do que se tratam longas como “De Volta Para o Futuro”, “O Poderoso Chefão”, “Blade Runner”, “Matrix”, entre outros, por sua influência absurda sobre praticamente tudo o que veio depois. E Shadow of the Colossus, no mundo dos games, se encaixa muito bem nessa lógica, se aplicada para o mundo dos games.

Essa parte do meu caráter ainda não estava construída até bem recentemente. E eu não sabia o que estava perdendo.

Shadow of the Colossus, considerado por muita gente a obra-prima de Fumito Ueda, é um belo exemplo da velha história de “quando falamos em games como arte”. É um título de uma época em que os games de mundo aberto ainda estavam tomando jeito, mas que já chegava com um diferencial para o gênero – cada detalhe é pensado. Mesmo o mapa gigante e vazio tem explicação, e cada coisinha se encaixa interessante.

Por exemplo, o protagonista, Wander, precisa caçar lagartos de rabo luminoso para melhorar sua stamina, essencial para os combates contra os gigantes. E o game faz questão de colocar diversos deles no caminho dos inimigos mais difíceis de matar, e pouquíssimos naqueles em que deseja embutir mais dificuldade, ou que não precisam de tantos itens assim.

Nada é por acaso, e se você seguir o caminho mais lógico, conseguirá terminar o game com um nível de desafio apurado. Durante os gameplays ao vivo, muito se falou sobre frutinhas que aumentam a quantidade de vida – eu não encontrei nenhuma, pois não queria vasculhar todo o mapa, reduzindo o ritmo da live. Mesmo assim, consegui finalizar o jogo, mas em alguns momentos, passei perrengues por conta disso. Nada insuportável, nada fácil demais, tudo na medida certa.

Diretor de Mama deve fazer filme de Shadow of the Colossus

O mesmo vale para a forma de cada Colossus, e também a maneira como eles são encontrados. Nenhuma batalha será igual à anterior, e a criatividade aparece em cada combate. Você até aprende algumas estratégias e consegue lidar de maneira melhor com as ameaças futuras com base no passado, mas ainda assim, cada luta será uma luta.

Isso é essencial para um game que tem “apenas” 16 inimigos para serem enfrentados. Shadow of the Colossus não conta com capangas, ameaças comuns ou oponentes fracos, apenas os gigantes. E a forma diferente de se trabalhar com cada um deles, seja em termos de cenário, pontos fracos ou métodos é o que faz com que a palavra apenas, acima, esteja entre aspas. Temos poucos oponentes, mas a proposta é incrivelmente robusta mesmo assim, dado o quanto cada encontro é épico.

Não tem como não se impressionar com a grandeza de alguns Colossus, enquanto outros podem não aparentar ameaça com o seu tamanho, mas podem se tornar ameaças ainda maiores que os gigantes. E a cada combate, Shadow of the Colossus surpreende, seja o levando em uma viagem pelos céus nas costas de um inimigo, mergulhando no fundo do mar ou simplesmente brincando de domar o Boi Bandido. Cada encontro traz uma sensação de superação, e por mais que o rage possa até aparecer em alguns momentos, a vontade de continuar sempre estará presente.

Preenchendo as lacunas

Shadow of the Colossus

A história de Shadow of the Colossus, basicamente, envolve a saga de Wander para trazer de volta à vida sua amada, Mono – repare que não estamos falando especificamente de uma relação romântica aqui, apesar de nossa mente sempre acabar nos levando para esse lado. Ele vai até um templo em uma terra proibida, e lá, recebe a missão de matar os 16 gigantes para que ela ressuscite. Assim, partimos ao combate.

Ao longo do game, a jogabilidade acaba se sobressaindo, com a história não ficando em segundo plano, mas tendo pouco desenvolvimento – estamos em uma missão, e cumprindo-a etapa a etapa. Da metade para o final, alguns elementos a mais vão sendo adicionados, até que chegamos ao final, cheio de plot twists e belas cenas que mostram que tudo não se trata, apenas, de ressuscitar a pessoa amada.

E foi enquanto escrevia este texto que algo me chamou a atenção. É claro, estamos falando de um enredo fantasioso e épico, como o de uma boa fantasia. Em um mundo desse tipo, o amor pode, sim, mover tudo, como vemos nos contos de fada. Mas será que ele realmente seria suficiente para tudo isso?

Shadow of the Colossus

A resposta mais óbvia é que, no mundo do jogo, sim. Mas aí entram algumas ambiguidades, como o fato de que muitos dos gigantes enfrentados simplesmente não são agressivos, e se mostram, às vezes, confusos com o que está acontecendo. Muitos deles nem conseguem se proteger dos ataques, e outros tomam uma postura defensiva. Alguns, sim, atacam, mas a maioria deles parece não estarem entendendo muito bem o que está rolando e, acima de tudo, porque estão levando espadadas.

Entra aí, ainda, o design muito bem feito das criaturas, que mesmo no PS2, com gráficos ainda um tanto precários, consegue transmitir emoção. A “carinha de cachorro” de alguns dos gigantes toca quem está jogando. Brincamos muito, durante a live, que estávamos praticando uma matança de inocentes. E essa brincadeira tem não só o fundo de verdade, mas boa parte do restante, principalmente quando percebemos o que acontece no final.

SHadow of the Colossus

Ao contrário do que acontece na maioria das vezes, nós, que estamos jogando, parecemos ter menos informação do que os personagens. Afinal de contas, o que leva Wander nessa caçada desesperada? O que aconteceu antes do pontapé inicial de Shadow of the Colossus, que nos trouxe até aqui? O final é um plot twist dos bravos, e se já vínhamos questionando as atitudes do protagonista, isso acontecerá ainda mais. Ele até consegue seu objetivo, e Mono efetivamente ressuscita, mas a que preço? Vale a pena condenar o mundo para salvar um amor?

É aí que entra outro aspecto bastante presente na obra de Fumito Ueda – tudo, absolutamente tudo, é subjetivo. Pelo menos, foi o que disse a Jessica Pinheiro, fã do criador, uma vez que meu único contato com os trabalhos dele foi, justamente, em Shadow of the Colossus. Existem gigantescas lacunas para se encaixar uma trama, e nada fica exatamente claro para a gente.

Teorias de fãs apontam, por exemplo, que Wander teria sido o responsável pela morte de Mono, e por isso estaria tão obstinado, não medindo nem mesmo as consequências de seus atos. Outras dizem que tudo se trata de uma profecia, e que o mal que acorda ao final estava destinado a despertar desde sempre, e o protagonista seria apenas um agente disso. Há quem diga ainda se tratar dos delírios de um adolescente, o que também reforça a ideia de que tudo, em Shadow of the Colossus, é por amor.

Shadow of the Colossus

E, na realidade, é aí que reside o maior atributo do título. A história dele é você quem faz, e no fim das contas, de jogador ativo, acabamos nos tornando um mero vetor do que está rolando. Na tentativa de justificar nossos atos ou tentar entender o que acabamos de fazer, preenchemos as lacunas da história com teorias que, no final das contas, não são sustentadas em nada além de nossa própria convicção.

Ao longo de toda a aventura, somos acompanhados de uma águia que não parece ter importância na história. Ao final da zeratina, Lucas Rocha, um de nossos espectadores, levantou uma questão interessante sobre ele – o pássaro, na verdade, somos nós. Passamos o tempo todo observando tudo o que estava acontecendo de longe, do conforto de nossos assentos. E agora que os créditos finais subiram, é hora de ir embora, como a ave, e deixar essa narrativa para trás.

Ou não, já que a trama de Shadow of the Colossus gera um impacto profundo. Existem teorizações às dezenas na internet e até trabalhos científicos escritos sobre ele. Quem joga, não se esquece, e se tiver um mínimo de envolvimento, se verá logo discutindo sobre o título na internet. Voltando à velha discussão, se isso não é arte, eu não sei o que é arte.

Shadow of the Colossus foi lançado originalmente para PLayStation 2, em outubro de 2005. Em 2011, uma versão remasterizada chegou ao PS3 ao lado de ICO.

Encontrou um erro?

Envie um email para contato@newgameplus.com.br com a URL do post e o erro encontrado. Obrigado! ;-)