Uma ode à decepção

Anthem

por Diogo Fernandes

Uma ode à decepção

Existem jogos que mal aportam nos consoles e avassalam tudo o que há pela frente. Tornam-se adorados e serão lembrados gerações adiante. Chegam unidos, também, de boas doses de competência para desenvolver uma ideia e de um marketing bem feito, com montes de dinheiro atrelados. Por vezes, definem conceitos, conquistando de maneira igual jogadores e crítica pelo mundo e também – como um sinônimo de sucesso – meia dúzia de haters tristes.

Mas, ainda assim, uma fórmula de sucesso em algum momento poderá cansar, até mesmo onde se originou. Trazer essa ideia tardiamente para um título ligeiramente distinto e acrescentando muito pouco é uma mistura perfeita para arruinar qualquer boa ideia. Em outras palavras, é quase inacreditável como a BioWare conseguiu copiar tão mal alguma coisa.

É inevitável dizer que, há alguns anos, a empresa saiu da glória de vencedora do Jogo do Ano, com Dragon Age: Inquisition, para logo após afundar em águas amargas com o fracasso que foi Mass Effect: Andromeda – o eterno jogo em promoção. E essa maré agourenta impregnou tão forte na empresa que a maioria dos elementos que poderiam fazer de Anthem um jogo esquecível e medíocre estão presentes o tempo inteiro.

Parece que toda customização foi jogada apenas para as armaduras. E neste ponto, Anthem realmente impressiona.

Nem toda dose de simpatia pelo gênero e boa vontade com o título são suficientes pra relevar tanta falta de inspiração pra fazer um jogo, mesmo com uma estrutura já montada. Anthem é o Destiny da EA e isso não é demérito, considerando as boas partes do FPS; o que realmente degrada o novo jogo da BioWare é justamente onde ela tenta se destacar.

Grandiosidade de um pires

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O início de Anthem tenta passar uma ideia de construção de um universo homérico com alguns poucos diálogos explicativos. Ainda que pouco aprofundado, porém, ele soa interessante – ou a boa vontade se provou forte aqui –, mas logo em seguida todo aquele mundo maravilhoso de heróis e heroínas de aço multicolorido, criaturas titânicas e segredos enterrados viram combates lineares e caixas infinitas de texto. Toda a alma de Anthem está presa dentro de um sistema de menu.

Assim que o loading termina, somos apresentados à mitologia de um mundo hostil e perigoso, onde os antigos deuses que o criaram deixaram pra trás seus instrumentos que continham um poder incompreensível e incontrolável, chamados de Hino da Criação. Os humanos deste mundo precisaram criar cidades e formas de proteção para sobreviverem do perigo dos monstros e dos instáveis Cataclismas, criados por esta energia divina. Dessa forma, nasceram os freelancers, heróis lendários trajando suas Lanças – ou Javelins no original –, servindo como escudos da civilização.

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Enfim, como disse, ele empolga de início. mas freia bruscamente justo onde deveria expandir todo esse conceito. Anthem nos joga no pequeno cercadinho conhecido como Forte Tarsis – outrora um lugar majestoso e imponente, mas hoje decadente após um evento cataclísmico –, sendo o local clássico onde busca-se contratos e missões, lojas para equipamentos e poderes – que podem ser confeccionados – e papear com NPCs de diferentes facções que atuam no forte ou com alguns dos habitantes dali.

A necessidade de estar sempre em grupo, uma premissa básica do título, incomoda. O jogo retira a importância do jogador para aplica-la à equipe.

Essas conversas e alguns itens descobertos no Forte entregam informações superficiais do mundo, criando um texto mais aprofundado dentro do menu. Ali tem de tudo; assuntos e subcategorias sobre sociedade, geografia, histórias e tecnologia, por exemplo, estão todas agrupadas e bem definidas, mas pouco disso é visto no jogo.

Ou, quando notado, a descrição é mais interessante que a apresentação. Com todo aquele mundo aberto pra explorar, pouca coisa possui relevância de se conhecer. E como se não bastasse, onde o jogo tinha tudo pra acertar, falha novamente.

Gameplay e action figures

Para os fãs do gênero, o sistema de loot é um prato cheio para lançar o jogador em um loop infinito de grandes itens, cada vez mais chamativos e épicos – mesmo que a poucos metros outro item ainda mais poderoso irá pular de um inimigo abatido. Em Anthem esse aspecto é confuso e polêmico. Com uma possibilidade real do jogador não perceber que algum novo equipamento o espera largado ao chão.

E quando percebe-se, é apenas o mais do mesmo, com alguns números a mais. Jogos onde o loot é uma constante, cada apetrecho precisa ao menos chamar a atenção de alguma forma além das estatísticas frias. Ou ser diferente o suficiente para despertar o interesse de ir pega-lo. No game, excluindo categorias distintas de armas, as ferramentas de trabalho das Lanças são praticamente as mesmas, mudando muito pouco de uma para a outra. Parece que toda customização foi jogada apenas para as armaduras. E neste ponto, Anthem realmente impressiona.

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Dificilmente haverá duas Lanças iguais. A começar pelos quatro modelos até o momento – Patrulheiro, Tempestade, Colosso e Interceptador -, com cada um focando em alguma habilidade específica, como maior resistência ou maior velocidade, por exemplo. Todas podem ser customizadas com itens estéticos comprados na lojinha específica para isso – o vendedor dos itens explicando como é importante chegar bonitão nas missões é estranho o suficiente para ficar bom.

As explosões elementais ou as chuvas de granadas lançadas pelos heróis faz o console suar, mas por um excelente motivo.

A mecânica de voo de Anthem também sofre do problema dos limitados cinco minutos de diversão. Após esse tempo, vira apenas um meio de deslocamento sem chamar muita atenção para o que se está fazendo. Quanto ao tiroteio, contudo, mesclado ao uso dos poderes especiais durante os combates, Anthem consegue se destacar positivamente.

A necessidade de estar sempre em grupo, uma premissa básica do título, incomoda. O jogo retira a importância do jogador para aplica-la à equipe. Missões bobas que exigem coletar diversos itens espalhados para dar a sensação de que cada um ali está colaborando de alguma forma só reforça isso. Dá pra avançar em algumas dessas tarefas sem fazer absolutamente nada, ficando parado feito uma action figure no meio do cenário. Por fim, o pior da experiência de se jogar Anthem é a voz do além que auxilia o jogador, que pode ser tanto de algum contratante de alguma missão específica quanto dos Criptos – humanos telepatas e treinados para ajudarem os freelancers durante estas incursões – deveriam servir para interar o jogador dos detalhes daquela missão.

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Eles até fazem, mas na maioria das vezes, durante o combate frenético. Justamente quando toda atenção está voltada na mira precisa, na barra de especial carregando ou no Titã monstruoso tentando te matar. Não são raros os momentos onde a única coisa entendível na missão é atirar e seguir até ao ponto destacado, sem lembrar muito bem ou não ter compreendido as instruções ou razões passadas.

Os acertos

O foco da BioWare em melhorar a interlocução dos personagens dos seus jogos sempre foi algo forte. Em Anthem, ainda que as escolhas das respostas não afetem tanto o andamento da história inicial – representando apenas pontos de reputação entre as diferentes facções –, a escolha delas ficou mais interessante para observar.

Através do ponto de vista em primeira pessoa, as expressões e trejeitos dos NPCs ficaram bem realçadas e críveis. Dá até um certo gosto procurar dentro do mapa algum ponto de conversa para aprofundar a narrativa do universo criado, sem recorrer aos blocos textuais.

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Esse é, inclusive, outro ponto alto do game. Ele está muito bonito em diversos pontos. Todo o cenário que compõe o Forte Tarsis é bem exuberante e vivo. O exterior é bem acabado com grandes selvas, rios profundos e boa iluminação, mas após a primeira meia hora perde-se o impacto e logo expõe o grande espaço vazio entre missões, contendo nessa vastidão um ou outro item para o crafting de itens e habilidades e alguns monstros soltos pelo caminho.

Com todo aquele mundo aberto pra explorar, pouca coisa é relevante o suficiente para que o jogador queira conhecer.

Outro ponto esteticamente muito bom é uso das habilidades das Lanças. Unidas a todos os outros efeitos, esse aspecto faz o console suar, mas por um excelente motivo. A luta no céu é empolgante, assim como todo o restante do combate. É uma pena como esse tópico funcionaria bem melhor se fosse a cereja do bolo e não o único e sofrido motivo para continuar jogando.

Nota-se que a BioWare tentou acertar onde falhou. Tentou utilizar um tipo de gameplay já consagrado, se esmerou em tentar deixar tudo o mais plasticamente agradável possível e buscou criar um universo supostamente rico e cheio de nuances para simular profundidade. O problema é que isso gerou um jogo ruim e sem graça. Com zero apego a nem um NPC ou ao próprio personagem principal, que apesar de terem boas dublagens parecem falar para o nada de tão efêmero que é o mundo criado. Infelizmente, não há hino algum à ser entoado para Anthem.

O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Electronic Arts.