O mercado funciona de uma maneira bem simples: se você tem algo que o público quer, mas não o oferece, alguém vai encontrar uma forma de fazer isso no seu lugar. E, com a Capcom, foi exatamente isso o que aconteceu. O estúdio se mantem surdo aos apelos dos fãs, que pedem por um novo Mega Man há anos, e isso deu espaço para que outros estúdios oferecessem alternativas que preenchessem a falta que o robozinho azul faz.
E o primeiro título a se aproveitar desse vácuo é Azure Striker Gunvolt. Desenvolvido pela Inti Creates, o exclusivo do 3DS não nega suas origens e inspirações. A produtora já uma velha conhecida dos fãs por ser a responsável por trazer a série Mega Man Zero aos portáteis e, a partir de toda sua experiência e bagagem com o estilo, decidiu investir em uma franquia inédita, mas com um jeitão bem familiar.
Isso faz com que o título seja uma cópia daquilo que já vimos antes? Não necessariamente, já que ele é quase como um sucessor espiritual das aventuras de Zero, seja na jogabilidade ou mesmo no visual — isso sem contar que ele conta também com a benção do próprio Kenji Inafune para isso.
Ele não é o Mega Man que a gente merece, mas o que precisamos — ou temos — no momento
É a partir desse encontro de gerações que somos apresentados a Gunvolt, um jovem mercenário que utiliza seus poderes como Adept — uma espécie de mutante — para impedir que a megacorporação Sumeragi use as habilidades desses indivíduos para dominar o mundo. Com isso, tem-se início uma corrida contra o tempo para acabar com os planos dos vilões.
Só que, apesar da história simples e das grandes semelhanças com Mega Man, Azure Striker Gunvolt chega ao portátil com o mérito de mostrar ao mundo que a fórmula que eternizou o robozinho azul e que os jogadores tanto querem de volta ainda funciona muito bem.
E o principal trunfo nesse sentido é exatamente o fato de que a Inti não tenta esconder suas influências. Sem maquiar sua origem, o estúdio deixa claro que o ponto de partida de seu trabalho foi mesmo a série Zero e é exatamente isso que faz com que Gunvolt se torne interessante. Ele não é o Mega Man que a gente merece, mas o que precisamos — ou temos — no momento.
O desenvolvimento das fases e da própria história é onde isso fica mais nítido. A liberdade para escolher a ordem dos estágios, as batalhas contra os chefes e o level design dos cenários são coisas que foram adquiridas ou importadas dos jogos da Capcom, mas que funcionam muito bem aqui.
Outra herança de Mega Man Zero é o sistema de equipamentos e habilidades. Por mais que isso não seja devidamente aprofundado, Azure Striker Gunvolt reaproveita essa mecânica para trazer uma variedade maior aos combates, além de adicionar uma fina camada de estratégia. São armas e acessórios que adicionam efeitos variados ao herói e podem, se usados de maneira correta, facilitar bastante seu progresso. Porém, você não vai ser punido se decidir deixar essa personalização de lado — o que fica ainda mais evidente com a criação de itens, que pode ser sumariamente ignorada sem qualquer problema.
O game conta ainda com alguns recursos inéditos, como é o caso do poder especial do personagem. Por ser um Adept, Gunvolt consegue criar um campo de energia eletromagnética ao redor de seu corpo que pode ser usado tanto para o ataque quanto para interagir com o cenário.
É nesse ultimo que o recurso chama mesmo a atenção. Usar a habilidade do herói para mover plataformas ou mesmo para destruir obstáculos de seu caminho mostram que a Inti soube aproveitar bem aquilo que torna seu jogo único. E isso vai além de ser apenas um recurso para diferenciar de Mega Man, já que a eletricidade é um fator fundamental por aqui. O fato de seus ataques serem baseados muito mais nessas descargas do que nos próprios tiros é outro destaque, principalmente porque isso vai refletir diretamente no tipo de arma que você está usando e também no controle de energia, já que esse poder não é ilimitado.
Mais do que se inspirar em Mega Man, Gunvolt aposta em uma mecânica nova baseada em seus poderes elétricos que servepara interagir com o cenário e oferece algo novo nos combates
Por outro lado, Azure Striker Gunvolt peca em alguns aspectos importantes. Embora o visual geral dos personagens ainda esteja muito ligado àquilo que já vimos em Mega Man Zero, o que incomoda mesmo é a falta de variedade no design dos inimigos. Tudo é muito genérico e você quase não encontra nada que seja reamente marcante. Tanto que é comum você avançar pelas fases e encontrar o mesmo adversário em diferentes situações, sem fazer com que cada área tenha um grupo específico de ameaças. Eles não dialogam mais com o cenário, se transformando apenas em mais um obstáculo em seu caminho.
Mais do que isso, o jogo se revela com um nível de dificuldade bem baixo. Ao todo, são apenas 12 fases e nenhuma delas oferece um desafio realmente memorável. A única exceção é a última, que traz uma batalha final bem destoante do ritmo ameno do jogo — uma mudança tão repentina que vai fazê-lo querer jogar o 3DS pela janela.
A Capcom pode estar já há alguns anos sem trazer nenhum novo Mega Man aos consoles, mas jogos como Azure Striker Gunvolt são ótimas alternativas para quem está sedento por games que herdem o espírito do Blue Bomber. Como dito, a Inti Creates soube usar muito bem sua experiência em frente à série para criar algo novo e, ao mesmo tempo familiar, para preencher esta lacuna.
Azure Striker Gunvolt é a prova de que a fórmula de Mega Man ainda funciona muito bem
O game tem com suas derrapadas, mas nada que tire seu brilho elétrico. Além disso, vale lembrar que, até novembro, o título vem acompanhado de um código para o download de Mighty Gunvolt, um game que vai além nas influências de Mega Man e, além do próprio visual 8-bits e da dificuldade exagerada, ele ainda conta com a participação de Beck, herói de Mighty No. 9, o novo jogo de Keiji Inafune.
Contudo, o que realmente chama a atenção em Azure Striker Gunvolt é o fato de que ele prova que esse estilo de jogo ainda funciona e diverte. Mesmo sem o carisma dos personagens originais ou a variedade de inimigos, o game prende o jogador por ser exatamente aquilo que ele pede há tanto tempo. E nem é preciso fazer muito para isso, já que a fórmula simples exige apenas cenários variados, tirinhos, algumas plataformas e, aparentemente, um herói azul.
Não é o que a gente quer, mas é o que tem pra hoje.