Eu não gosto dos jogos da Telltale. A bem da verdade, tive poucas experiências com eles. Analisei o primeiro episódio de The Walking Dead em seu lançamento original, participei de gameplays dos seguintes, dei uma olhada em Tales of the Borderlands, mas não passei perto de propostas mais recentes, como Minecraft Story Mode ou The Wolf Among Us. As decisões que parecem definitivas, mas mudam pouca coisa na história, nunca me agradaram, apesar de todos me falarem que eu deveria dar uma segunda chance.
Hoje, me sinto extremamente feliz de ter escolhido, justamente, Batman: The Telltale Series, a mais recente série da empresa, para fazer isso. Após um primeiro capítulo já bastante promissor, a desenvolvedora expande qualquer barreira neste segundo, continuando a história extremamente intimista e, acima de tudo, ousada, que estava sendo construída. O ensejo é interessante o bastante para que as falhas do título seja relevadas, afinal de contas, tudo o que se quer é saber no que vai dar tudo isso.
“Filhos de Arkham”, o segundo capítulo, começa exatamente onde o primeiro parou, mas isso não significa que as coisas tenham o mesmo seguimento. Se no episódio inicial a ideia era introduzir os personagens conhecidos e seu papel no mundo, o segundo já passa a se focar completamente na trama, que coloca Bruce Wayne em uma posição bem mais frágil e delicada do que jamais esteve em suas rondas noturnas como o Batman.
Sem dar spoilers, basta dizer que, no game, tudo é o que parece. Carregando fortes influências da trilogia de Christopher Nolan, a Telltale traz um Homem-Morcego fortemente fincado em nosso mundo “real”, com implicações fidedignas de seus atos e também de todo o universo que o cerca. A fala de Alfred, afirmando que ninguém seria capaz de acumular tanta fortuna sem se envolver com atividades moralmente questionáveis, é o pontapé inicial para uma trama que coloca em cheque a honra e a imagem da família Wayne, ao mesmo tempo em que leva Bruce a extremos.
É um enredo ousado, e quase sem precedentes. “Flashpoint”, claro, mostrou Thomas Wayne bem diferente do que estamos acostumados, mas aqui, estamos falando de uma realidade paralela, e não de uma mudança completa na visão dada sobre o patriarca em uma trama “convencional”. Já “Gotham” parece ser mais semelhante ao que vemos aqui, onde o maior vilão, pelo menos neste segundo episódio, não é Oswald Cobblepot ou a figura misteriosa que parece controlar tudo pelos bastidores, mas sim, o próprio passado.
Batman: The Telltale Series começou promissor, e agora, vem se sagrando como uma das melhores adaptações do Homem-Morcego nos games. Resta saber se o alto nível será mantido até o final.
Nesse ensejo, acabamos passando mais tempo, novamente, na figura de Bruce Wayne do que como o Homem-Morcego, e uma decisão importante ao longo do episódio pode diminuir esse “tempo de tela” ainda mais. O Batman até age durante “Filhos de Arkham”, mas o resultado desse momento mostra que, na trama que está sendo desenvolvida aqui, a força-bruta do herói pode nem mesmo ser suficiente para lidar com tudo o que está acontecendo.
E se o peso maior está na figura de Bruce Wayne, aumentam também a relevância das escolhas. Elas ainda mantêm o tradicional estilo Telltale, de sempre levarem para o mesmo lugar não importando a opção, mas as alterações, desta vez, são bem mais significativas e representam decisões morais mais intensas, por mais que o seguimento da trama sempre seja semelhante.
Mas se a história de Batman: The Telltale Series é um deleite, o mesmo não pode ser dito sobre seu funcionamento. Durante nossa experiência com o título, foi possível perceber diversas quedas na taxa de quadros por segundo e objetos simplesmente surgindo ou desaparecendo dos cenários, sem motivo algum.
Se a história de Batman: The Telltale Series é um deleite, o mesmo não pode ser dito sobre seu funcionamento, na falta de polimento característica da Telltale.
Essa falta de polimento já é característica nos jogos da Telltale, mas agora, vem acompanhada de uma série de outros problemas. Durante nossa experiência, houve dois travamentos completos do game, sendo que um exigiu reinicialização do console para que o título voltasse a funcionar. Além disso, alguns elementos simplesmente não carregaram. A cena do assassinato dos Wayne, em nosso gameplay ao vivo, está eternizada com uma Martha sem as mãos e com joias flutuantes.
Chega a ser de questionável, mais uma vez, o uso de uma engine já arcaica, criada para a geração passada, e claramente mal otimizada para os novos consoles. É louvável a iniciativa da Telltale de privilegiar o PS3 e o Xbox 360, bem como celulares e tablets com jogos semelhantes aos dos consoles, mas isso acontece em detrimento da qualidade para todos os envolvidos. Vale a pena ter um jogo que não funciona bem em prol de toda essa pluralidade?
A resposta é: até que sim. Mas só porque, em seus dois primeiros capítulos, e principalmente no segundo, Batman: The Telltale Series se vale de uma grande narrativa e quase não tem cenas de ação, que quando existem, são baseadas em quick time events. As quedas na taxa de frame e travamentos podem incomodar a experiência, mas aqui, o que realmente importa é a história, e ela é instigante o bastante para que reinicializar o console seja ruim, mas não o bastante para que se desista do jogo.
Ao final de “Filhos de Arkham”, fica aquele desejo de quero mais que somente os melhores seriados de televisão são capazes de deixar. Batman: The Telltale Series começou promissor, e agora, vem se sagrando como uma das melhores adaptações do Homem-Morcego nos games. Resta saber se o alto nível será mantido até o final, uma tarefa que, cada vez mais, se torna mais complicada para a produtora.
O jogo foi analisado no PlayStation 4.