“Não tinha joelho que não batesse quando o fogo começava a cruzar”. É dessa forma que meu pai sempre descreveu estar em um campo de batalha. E, exatamente por isso, eu nunca consegui comprar a ideia da guerra que os jogos sempre tentaram vender. A imagem do soldado herói que mergulha no combate para resolver a questão e pôr um fim no conflito. Sempre me soou inverossímil. Afinal, quando você está à espera de seu inimigo, a única coisa que passa pela sua cabeça só pode ser o medo.
É por isso que a guerra é uma merda. Não há palavra melhor para definir o que é estar constantemente cara a cara com a morte. Mesmo com tantos jogos tentando criar um glamour em torno disso, a verdade é que não existem lendas ou heróis em uma linha de frente, apenas pobres coitados matando para não morrer. É uma sobrevivência gerada na base do medo.
A escolha da Primeira Guerra Mundial como palco dessa humanização não foi por acaso. Como o próprio game explica, a “guerra que acabaria com todas as guerras” foi suja, dura e brutal, colocando milhões de pessoas comuns no meio do caos e o horror de um conflito dessa magnitude. E o tom se torna perfeito ao mostrar a história de alguns desses anônimos.
Ainda que as palavras de meu pai sejam sobre a Segunda Guerra, o medo é universal e atemporal. É o que nos torna humanos, mesmo em uma situação que exige que sejamos monstros. E Battlefield 1 entende isso muito bem.
Essa humanização é algo presente desde os primeiros momentos da campanha. Já em seu prólogo, Battlefield 1 expõe a dureza da guerra e contrasta a ideia que aqueles que foram à luta tinham do confronto com a realidade por eles encontrada. Mais do que isso, de maneira muito simples, o jogo toca em um ponto pouco lembrado em títulos do gênero: o quanto, em momentos assim, as vidas se tornam descartáveis.
Diante disso, a ideia de dividir a trama em cinco capítulos com protagonistas distintos funciona muito bem para dor rosto a esses soldados desconhecidos, principalmente por mostrar como cada um deles encara a ideia de uma guerra. Assim, temos desde a pessoa comum que é tirada de sua vida mundana para viver o horror até quem realmente luta por liberdade e por ideais maiores. É um enorme mosaico que ajuda a dar forma aos vários anônimos que lutaram.
Isso faz com que Battlefield 1 dialogue diretamente com Valiant Hearts, que também se apoia na Primeira Guerra Mundial para discutir sobre as vidas entre as trincheiras. A diferença é que, no caso do game da EA, a qualidade técnica traz um realismo incrível que torna tudo ainda mais duro. As cenas na chamada Terra de Ninguém são pesadas, principalmente quando você vê seu personagem cruzar com tantos corpos em meio à lama ou com alguns poucos sobreviventes que tentam se esconder das bombas. O realismo gráfico da Frostbite apenas realça o quão brutal é uma guerra.
Battlefield 1 se preocupa em humanizar a Primeira Guerra, contando sua história a partir dos olhos de pessoas comuns cujas vidas são engolidas pelo conflito. E, com isso, finalmente cria uma campanha relevante.
Essa preocupação em humanizar a guerra não é algo novo dentro da série. A EA e a DICE tentam adicionar esse componente humano à série já há alguns anos, mas nunca com o mesmo êxito obtido em Battlefield 1. Depois de várias tentativas, finalmente temos uma experiência completa que une a parte técnica do jogo em si — que vem aperfeiçoando a recriação de uma guerra — com uma história relevante e que entrega essa experiência de estar em um campo de batalha.
Não por acaso, o novo jogo já está sendo considerado por muitos um dos melhores de toda a série. Mais do que isso, ele é capaz de atrair até mesmo quem nunca se interessou por FPS — como é o caso deste que vos escreve. Todo o apelo histórico, o cuidado com a narrativa e de costurar essas histórias às mecânicas do jogo de modo a transformá-las em pequenos tutoriais funciona muito bem e entrega algo diferente daquilo que a gente está acostumado a ver em títulos assim.
É claro que ainda há o que melhorar e Battlefield 1 ainda está longe de ser perfeito. Mesmo com todo o trabalho de humanização, ele ainda acaba caindo em alguns clichês e se apegando a discursos simplistas para explicar algumas situações. O último ato é o maior exemplo disso, quando o jogo se apoia na figura de Lawrence das Arábias para adotar um discurso heroico e maniqueísta que destoa de tudo aquilo que vinha sendo construído até então.
Aliás, essa insistência entre manter uma ideia de bem contra o mal é algo que persiste por aqui, ainda que não seja um problema propriamente dito. Toda a campanha é apresentada sob a perspectiva das forças aliadas, ainda mantendo a Alemanha e os demais exércitos dos Impérios Centrais apenas como inimigos. Se a ideia era trazer esse tom mais humano, poderíamos ter muito bem pelo menos uma história do outro lado para equilibrar as forças, como acontece muito em Valiant Hearts. E o curioso é que essa é uma ideia com a qual o próprio Battlefield 1 flerta em seu prólogo, mas logo a deixa de lado.
Como dito, ainda que tenha uma profundidade narrativa bastante significativa, toda a campanha do jogo funciona como uma espécie de tutorial para preparar o jogador para aquilo que ele vai encontrar no multiplayer. E não há nada de errado com isso, já que é inegável que a essência da série está em seu modo online e ainda continua como sua maior estrela.
O multiplayer continua sendo a grande estrela do jogo, com destaque para o modo Conquista e o inédito Operações, que recria muito bem a dinâmica estratégica de uma guerra. E, sim, você também pode controlar pombos.
Não há muito mistério por aqui. A EA tem um histórico de excelentes modos online e isso se repete por aqui. O Conquista segue sendo uma das melhores experiências multiplayer, ainda que as outras modalidades sigam com seu charme, principalmente por criar dinâmicas diferencias e exigir novas estratégias. Em Dominação, por exemplo, há um foco muito maios no combate a curta distância e isso exige uma lógica de preparo e tático completamente oposto do que modos mais amplos oferecem.
A diferença é que, ao contrário dos FPS situados em guerras modernas, Battlefield 1 traz a precariedade do início do século XX para a jogabilidade — e de um jeito bom. O soldado é pesado, você sente a dureza das armas e percebe o quanto todos os veículos, as grandes novidades da época, eram grandes massas de ferro desengonçadas, ainda que mortais. E tudo isso conversa muito bem com o contexto no qual tudo está inserido. Sem falar que derrubar um dirigível é algo incrível em qualquer situação.
Por equilibrar tão bem sua história e o modo multiplayer, Battlefield 1 se torna facilmente um dos melhores títulos de toda a série.
Outro destaque é o novo modo Operações, que funciona como uma espécie de simulação de guerra de verdade. Ainda que ele siga com a ideia de ocupar pontos estratégicos que tanto já vimos no gênero, essa mecânica é aplicada sobre uma ideia de tropas que avançam contra um exército que defende essas áreas.
A lógica é semelhante à de um confronto real, no qual é preciso proteger esses locais ou seguir recuando. O verdadeiro charme de Operações é que ele recria muitos combates históricos, como a investida do exército italiano contra as tropas austro-húngaras na região dos Alpes Venezianos ou a batalha entre britânicos e otomanos nos desertos do norte da África. Assim, seja para os apaixonados por História ou apenas para quem procura um modo dinâmico e bastante agitado, a novidade se torna uma ótima adição à série.
O maior acerto de Battlefield 1 não foi apenas apostar em um modo campanha mais envolvente e significativo nem tem expandido o seu já popular multiplayer. Na verdade, o que realmente torna o game um dos principais títulos do ano e um dos melhores de toda a série é unir todos esses elementos de modo a fazer com que ele seja atraente tanto para os velhos fãs quanto para um público completamente novo.
Seja com quem migrou de Call of Duty e outras franquias de FPS ou quem nunca se interessou pelo gênero, o novo Battlefield consegue atingir todo tipo de público. Ele entrega uma experiência satisfatória para qualquer jogador, independentemente de seu perfil, e isso é ótimo não apenas para a EA e a DICE, mas para todo mundo. Afinal, ele ajuda a quebrar a ideia que muita gente tem de que jogos de tiro são vazios e a ação é justificada por ela mesma.
Não há como negar que, em Battlefield 1, a guerra continua sendo a personagem principal de todo o jogo assim como sempre foi em toda a série. Porém, utilizar personagens que traduzem o que é estar no meio da Grande Guerra ajuda a criar uma pluralidade de pontos de vista e apresenta uma profundidade que faltava ao gênero e que certamente vai definir o que vamos ver daqui para frente. Uma guerra é feita de pessoas e compartilhar os seus medos é a maneira mais eficaz de nos unirmos a essas histórias.
O jogo foi testado no PC em cópia cedida pela Electronic Arts.