Como aconteceu com o jogo anterior, Bayonetta 2 chega rodeado de muita polêmica. Como se não bastasse todas as infinitas reclamações dos fãs por conta da exclusividade no Wii U, o novo título da Platinum Games vem para alimentar um pouco mais as já acaloradas discussões sobre a representação feminina no mundo dos jogos.
Também pudera. A protagonista ficar nua enquanto ataca seus inimigos é quase um atentado ao pudor para muita gente e era óbvio que isso ia fazer com que todas as discussões de cinco anos atrás voltassem com o lançamento desta sequência. Em uma indústria famosa por seu machismo, a existência de uma personagem assim parece ser o reforço de todos os estereótipos sexistas contra os quais as mulheres tanto lutam.
Mas será que é realmente apenas isso? Embora não possamos negar que o primeiro jogo era realmente muito apelativo, sua continuação parece seguir pelo caminho do amadurecimento. Isso não quer dizer que a bruxa está mais comportada – muito pelo contrário –, mas a forma como Bayonetta 2 retrata sua heroína vai num caminho levemente oposto à simples imagem da mulher-objeto e, embora ela continue tão sensual quanto antes, a forma como tudo é abordado nos faz perceber que ela é tudo, menos um mero fetiche ambulante.
Por aqui, Bayonetta é a Valesca Popozuda que a gente precisa.
Mas que tipo de comparação é essa? Embora ela pareça bem absurda em um primeiro momento, à medida que avançava pelos 16 capítulos de Bayonetta 2, a sensação de estar diante de uma personagem que apelava gratuitamente para sua sexualização era substituída por uma noção maior do que aquilo tudo representa. Não apenas em termos de design, mas também no que uma figura como a Bayonetta significa neste mundo em que ativistas feministas são ameaçadas de morte simplesmente por apontarem um machismo exagerado no mercado.
Tanto Bayonetta quanto Valesca usam a sexualização para reverter a relação de submissão feminina. Ambas são fortes, têm presença e tiram as pessoas de sua zona de conforto.
Apesar da imagem de ser um jogo com um forte apelo sexual ainda persistir por aqui, o novo título da Platinum usa isso com um propósito e não apenas para garantir a masturbação da molecada que quer ver peito e bunda em 1080p – e 60 fps muito bem mantidos no Wii U, diga-se de passagem. A personagem não provoca ao acaso e é isso que faz com que ela seja tão marcante e importante em meio a toda essa discussão.
E é aqui que a comparação com Valesca Popozuda se encaixa. Bayonetta, assim como a funkeira, usa essa sensualidade a seu favor, transformando-a em arma – quase que de maneira literal – e quebra uma série de tabus relacionados à sexualização feminina. Nos dois casos, elas extrapolam aquilo que é considerado convencional para se livrar de uma série de amarras. Elas são sexy, sabem disso e não fazem a menor questão de esconder.
Mais do que isso, as duas revertem a imagem da mulher fraca de uma maneira absurda. As músicas de Valesca, de maneira geral, são exatamente sobre essa reviravolta que coloca elas no comando e que, por conta do sexo, todos os homens podem ficar a seus pés. E o mesmo acontece com a bruxa. Todas as vezes em que Bayonetta aparece seminua ou em alguma posição mais ousada, ela está sendo muito foda – seja finalizando algum chefe ou dando início a um combate mais sério. A erotização é o símbolo do quanto ela é forte.
É claro que nem todo mundo enxerga as coisas desta forma e se incomoda tanto ao ouvir os funks da cantora quanto ao assistir a algumas das animações do game. No entanto, é exatamente ao tirar o público de sua zona de conforto que as duas conseguem mostrar um outro lado de toda a discussão sexista: de que a sensualidade e o erotismo também tem sua força.
Bayonetta 2, assim como seu antecessor, preenche uma lacuna que tínhamos na indústria como um todo e nos presenteia com uma personagem realmente forte e independente de qualquer figura masculina. Tanto que ela e Jeanne não fraquejam em momento algum e seguem sempre cheias de si. Isso pode deixar o roteiro um tanto raso, mas o significado por trás disso compensa em profundidade.
Além disso, os homens do jogo aparecem de maneira bastante caricata e quase sempre com um apelo cômico. Luka e Enzo são exemplos claros de como um homem pode ficar bobo diante de uma mulher de presença e que tem noção de sua sensualidade. Todas as participações desses personagens servem apenas para reforçar o quanto a heroína é maior que tudo isso.
A ideia de sexo forte é tão presente que Bayonetta não fraqueja e nem apresenta qualquer tipo de fragilidade.
Isso nos traz novamente ao paralelo com o cenário musical carioca. Valesca e Bayonetta, apesar de todas as polêmicas que as acompanham, representam uma liberdade ao corpo que muita gente parece ainda não entender. Não se trata de nada vulgar ou gratuito, mas de mostrar que elas podem, sim, usar essa sensualidade para reverter aquela velha relação de submissão. Não é à toa que bruxa e cantora possuem um forte apelo entre o púbico feminino, que não raro às trata como divas.
Para ter uma noção um pouco melhor disso tudo, é preciso fazer outra comparação. Em Lollipop Chainsaw, a protagonista é quase uma Lolita-colegial que, apesar seduzir mostrando mais do que devia, é tratada com uma fragilidade e inocente provocativa feita para alimentar fetiches. Já no caso de Bayonetta, ela se impõe de maneira diferente, deixando claro que é ciente de sua sensualidade e da forma como isso é usado. Como Valesca Popozuda, ela deixa de ser a figura passiva nesse jogo de erotização, mas a agente.
Só que isso desemboca no outro lado da moeda. Apesar de toda a postura libertária, não há como negar que sexo vende – e tanto a música quanto o game sabem aproveitar isso muito bem. Tanto que, no jogo, a Platinum não faz questão de panfletar mensagens “feministas” exatamente para que quem procurasse um entretenimento onanista possa também aproveitar o título.
A mensagem está ali para quem quiser ver, mas você pode simplesmente babar nas curvas da personagem – ou rebolar até o chão no caso do funk – sem se importar com o que ela tem a dizer na entrelinhas. Isso vai de encontro a tudo aquilo que os verdadeiros movimentos feministas defendem e dificulta a aceitação do título como algo que vai além da diversão de banheiro da molecada.
Ok, você é do tipo que não se importa com toda a discussão que um jogo como Bayonetta 2 traz e está muito mais preocupado em saber se vale a pena ou não gastar seu suado dinheirinho em um jogo de Wii U. Se essa for sua única preocupação, pode respirar aliviado que a Platinum fez um excelente trabalho ao levar o game para o console da Nintendo.
Como mencionado anteriormente, apesar dar críticas ao sistema da empresa serem bem comuns, a verdade é que Bayonetta 2 surpreende exatamente pela qualidade técnica. Embora seja possível enxergar as limitações da plataforma na parte gráfica, isso é logo deixado de lado graças ao ótimo trabalho artístico feito por parte do estúdio, que mais uma vez criou um mundo bastante excêntrico, variado e interessante.
O design do mundo ao seu redor – ao menos antes de ele explodir sem parar – chama a atenção e sempre faz você querer saber mais sobre ele. O mesmo acontece com seus inimigos, que continuam tão únicos quanto antes, com a diferença de que agora, além dos anjos, temos toda a legião de demônios para compôr o bestiário.
O Umbran Climax é a maior novidade no combate, deixando as coisas não apenas mais ágeis, mas também ainda mais frenéticas.
De resto, o game se assemelha muito ao seu antecessor e traz apenas pequenas adições para tornar aquilo que já era bom ainda melhor. O sistema de combate continua caótico e bastante ágil, priorizando os combos e as combinações de armas. Com um arsenal atualizado, o jogador conta com mais opções para criar seus próprios sets de batalha e ajustar a jogabilidade ao seu estilo – o que pode ficar ainda mais divertido à medida que você desbloqueia as roupas alternativas.
Contudo, a novidade mais relevante nisso tudo é o chamado Umbran Climax, um recurso que dá à personagem ataques mais poderosos e com um alcance bem maior por um curto período de tempo. Trata-se de uma ajudinha extra na hora de enfrentar um inimigo mais poderoso ou mesmo para acabar com aquela horda de criaturas ao seu redor. Aliado ao Witch Time, que deixa tudo em câmera lenta por alguns segundos, você tem o segredo do sucesso.
Por outro lado, essa fórmula de combate também apresenta suas falhas. Apesar de toda a loucura, explosões e efeitos que pipocam na sua tela, ela tropeça na repetição excessiva. Bayonetta 2 até tenta não ser um Hack ’n’ Slash baseado no smash button ao valorizar os combos, mas não se preocupa em criar situações de luta que obriguem o jogador a ir além de macetar os botões de ação.
Tudo se resume a bater, bater, esquivar no momento certo e bater de novo em câmera lenta. Repita essa estrutura infinitamente e você tem o segredo para derrotar todos os inimigos e chefes que cruzarem seu caminho. Há partes que quebram essa jogabilidade repetitiva, como quando o jogo se transforma em um shooter de naves – trazendo referências a clássicos como Star Fox e Afterburner –, mas são pontos isolados apenas.
Além disso, há um exagero no que diz respeito aos efeitos visuais. Em muitos momentos, a coisa é tão caótica e insana que você simplesmente não enxerga o que está acontecendo, agindo somente no reflexo. É gratificante perceber que você se esquivou de um golpe poderoso ao acaso, mas a repetição disso faz com que você se sinta menos no controle da situação.
O mesmo acontece com o próprio ritmo do jogo. Toda a batalha tenta ser maior do que a anterior, criando uma sucessão de cenas apoteóticas. Isso até impressiona nas primeiras vezes, mas logo você se cansa dessa tentativa de fazer algo ainda mais impactante do que já foi visto. É algo que acontecia no game anterior e se repete por aqui.
Já em relação à história, ela não é nada que vai fazer sua cabeça explodir, mas vai empolgar os fãs da série, fazendo uma ótima ligação com o game anterior. Isso sem contar que a ida de Bayonetta ao inferno em busca da alma de Jeanne e todo o lance relacionado ao Aesir trazem algumas reviravoltas bem legais e que ajudam a tornar tudo mais intenso, prendendo o jogador do começo ao fim. Só é uma pena que esse término seja tão breve, já que o game se revela bem curto, podendo ser finalizado em cerca de oito horas sem o menor problema.
O debate sobre a relação entre a hipersexualização da personagem e o papel de sua representação não é nada nova, mas o lançamento de Bayonetta 2 coincidiu muito bem com o momento em que a indústria está vivendo. A discussão sobre a função da mulher neste meio está mais vivo do que nunca e a chegada do título vem para olharmos a questão sobre um ponto de vista diferente.
Bayonetta e Valesca têm muito mais em comum do que a gente pensa. Ambas mostram a força feminina por vias polêmicas, mas deixam claro o quanto são fortes.
É claro que Bayonetta está longe de ser a representação feminina ideal dentro dos jogos. O game tenta fazer o certo de um jeito que muitos podem não concordar e, para criar uma personagem forte, apela para algo que muita gente pode interpretar como apenas mais um fetiche machista.
E é exatamente por conta dessa dualidade que a comparação com Valesca Popozuda se torna tão necessária. Em ambos os casos, as opiniões sobre como a funkeira e a personagem tratam a presença e a sexualização feminina resgatam a questão e dão início ao debate. Elas provocam o espectador/jogador de diferentes formas, tirando-o de sua zona de conforto.
Bayonetta e Valesca têm muito mais em comum do que a gente poderia pensar. Goste você ou não da forma como elas lidam com essas questões, não há como negar que o papel desempenhado por elas de reverter a lógica do machismo e apresentar a mulher como um sexo forte exatamente pelo erotismo funciona.
É claro que aquela bunda estampada na tela de sua TV não é por acaso. No entanto, se ela vai servir apenas como um incentivo à masturbação ou como a porta de entrada para um questionamento maior, é você quem decide.