Em 2012, entrevistei Bertrand Chaverot, o diretor regional da Ubisoft para a América Latina, pela primeira vez. Foi um trabalho que caiu em meu colo de repente, sem pauta, mas que rapidamente se transformou em um bate-papo simplesmente pela maneira como o executivo lida com seus compromissos. Ele, claramente, gosta do que faz, entende as franquias que representa e, acima de tudo, tem uma sintonia com o público que quase o transforma em um astro.
Prova disso é que, na BGS, ele foi aplaudido ao aparecer no palco da conferência da Ubisoft, ainda no dia fechado à imprensa, e depois, novamente, quando resolveu arriscar alguns passos ao apresentar a inclusão de “Bang”, da cantora brasileira Anitta, em Just Dance 2017. Segundo Chaverot, essa é apenas mais uma prova do compromisso da Ubisoft com o nosso país.
E foi justamente sobre esse assunto que conversamos durante a feira deste ano. E em meio a perguntas sobre sua postura como executivo e os planos da Ubisoft para os próximos anos no Brasil, veio a repetição de uma anedota que tornou minha primeira conversa com Chaverot bastante memorável.
New Game Plus: Você é um grande executivo da Ubisoft, mas tem um contato muito próximo com o público. Como é fazer esse trabalho e, ao mesmo tempo, estar tão conectado aos consumidores?
Bertrand Chaverot: Essa é uma coisa cada vez mais normal. As marcas tem que ser mais autênticas, e isso vale também para a gente. Quem é sério, deve ser assim, mas se gosta de brincar e se divertir, tem que fazer isso. A Ubisoft é uma empresa de entretenimento e tecnologia, então, estamos nesse lado mais feliz da vida.
NGP: Uma grande referência nesse tipo de abordagem era Satoru Iwata, ex-CEO da Nintendo. Você já pensou em seguir os passos dele e começar a, por exemplo, participar dos vídeos da Ubisoft, principalmente levando em conta a forte presença da empresa no YouTube?
BC: Meu objetivo não é me colocar à frente, até porque minhas piadas são bem melhores em francês [risos]. Mas trabalho muito com toda a criação de conteúdo local com o Felipe [Carettoni, também conhecido como Panettoni], a Haru, Rato Borrachudo e Malena. Somos amigos há muito tempo.
Mas de vez em quando, o chefe precisa aparecer. E quando isso acontece, tento apresentar bem a marca e o espírito da Ubisoft. É uma responsabilidade com esse trabalho legal e autêntico que a gente vem fazendo.
NGP: Como é trabalhar no Brasil tendo os preços e os impostos como os maiores vilões no mercado?
BC: A Ubisoft sempre trabalhou muito para reduzir margens, mas quando o dólar bateu R$ 4, por exemplo, foi um desespero para todo mundo. Precisamos investir em publicidade, vir à BGS e cuidar das marcas para garantir as vendas. Sempre acompanhamos a flutuação da moeda e baixamos os preços o mais rápido possível.
Além disso, temos uma estratégia digital bastante agressiva, com jogos a R$ 199, enquanto os físicos saem por R$ 249. A ideia é permitir que o jogador escolha caso queira trocar com amigos e revender os títulos. Mas sabemos também que, com esse valor mais pesado, vamos vender menos. É como nas montanhas de Steep, tem menos oxigênio quanto mais alto se está.
NGP: Existe alguma ideia de se unir às outras empresas e, quem sabe, falar com políticos e o governo para tentar mudar o mercado?
BC: Já fizemos muitas tentativas, mas o Brasil tem tanto problemas que melhorar o mercado de jogos não é uma prioridade. No McDonald’s, por exemplo, o preço do lanche tem 35% de imposto embutido, e ninguém sabe quanto está pagando em tributos. É diferente dos EUA, onde as taxas são colocadas na nota fiscal, depois da compra.
Mas mesmo com tudo isso, estamos vendo um grande crescimento no mercado digital. Precisamos do varejo também, principalmente pelas pré-vendas, demonstrações, hardwares e demonstrações de produtos. Por isso, tentamos trabalhar com os menores preços possíveis para aumentar a entrada.
NGP: A gente percebe quando um jogo é da Ubisoft só de olhar para ele, independente da proposta. Como é trabalhar ao mesmo tempo com tantos títulos, desde os mais sérios até os extremamente divertidos, mas mantendo esse tipo de unidade?
BC: Nunca havia parado para pensar nisso. Temos um comitê editorial no topo de tudo e gostamos de trabalhar de forma mais artística e menos industrial. Tentamos focar, por exemplo, mais na jogabilidade do que na história e privilegiar a experiência do usuário no lugar de gráficos impressionantes. Essa atenção aos detalhes e uma visão global compartilhada permite que esse tipo de coisa aconteça.
É o que queremos mostrar neste ano com Steep, uma inovação em termos de jogabilidade, e For Honor, com o qual queremos rejuvenescer e reinventar os games de combate, que sempre fizeram muito sucesso por aqui. Os brasileiros gostam de pancadaria.
NGP: Steep é um game esportivo, um gênero no qual a Ubisoft não tem tradição. E você ainda comentou que acreditava que o jogo não teria tanto apelo por aqui por se passar em um local nevado. De onde veio a vontade de fazer diferente, principalmente em um mercado tão competitivo e em um ano sem Assassin’s Creed, que é sempre garantia de bons resultados?
BC: No mercado de jogos, nada é garantido, a competição é intensa. Nós sempre erramos em jogos esportivos. Fizemos alguns títulos de futebol, mas o nível já era muito alto e tínhamos que investir mais no game. Por isso escolhemos os esportes radicais, onde os jogadores estão famintos por novos títulos, principalmente os fãs de games como Tony Hawk e SSX, por exemplo.
Ao mesmo tempo, tínhamos uma equipe autêntica e com capacidade de reinventar o gênero com as novas tecnologias. Steep está sendo desenvolvido por um estúdio da própria Ubisoft, na cidade de Annecy, na França, que fica perto dos Alpes. São pessoas que vão à montanha todo final de semana praticar ski e snowboard.
Na empresa, temos uma cultura de permitir que os produtores criem conceitos e protótipos para serem apresentados. Eles nos conveceram principalmente pela autenticidade, a pureza da neve, a magnitude das montanhas e pelo fato de ser possível jogar com os amigos. É um projeto muito especial, que ganhou apoio de Red Bull e GoPro, para crescer muito rapidamente.
NGP: E como está sendo a recepção aqui na feira?
BC: [Hoje é o primeiro dia de BGS] e perguntei aos dois primeiros da fila qual era o game da Ubisoft que eles mais estavam esperando, e ambos falaram em Steep. “Vocês esquiam?”, continuei, e a resposta foi “não”. Nenhum dos dois havia saído do Brasil nem visto neve na vida. Com certeza não teremos resultados do tamanho de Watch Dogs 2, mas estamos surpresos com a resposta.
NGP: Falando nele, o que vocês esperam do título no Brasil?
BC: Watch Dogs 2 é o nosso maior jogo para 2016. O primeiro teve 400 mil cópias vendidas e esperamos cerca de 250 mil para a sequência – mas leve em conta que, desta vez, ele será lançado apenas para Xbox One e PlayStation 4, enquanto muita gente aqui ainda está com a geração passada de consoles. Esse total, porém, é maior que as vendas do antecessor para os video games atuais.
Esse é um jogo que tem que ser perfeito. O primeiro tinha um conceito genial, mas muito o que melhorar. Por isso, guardamos essa ideia, a tornamos mais moderna e criamos um título mais inteligente.
NGP: Você provavelmente não vai se lembrar disso, mas eu te entrevistei em 2012, e na época, você me perguntou quais os jogos que eu mais esperava para aquele ano, ao que respondi, Far Cry 3 e Resident Evil 6. Sua resposta foi que o novo game de tiro me faria esquecer o título de terror e tornaria a franquia uma de minhas favoritas. Quero dizer que estava certo.
BC: O próximo vai ser genial. Não posso falar, mas temos uma ideia super legal.
NGP: É o Far Cry com dinossauros que eu tanto sonhei?
BC: [risos]
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