Borderlands 3 é o retorno da franquia que esteve dormente desde 2014, com os lançamentos de Borderlands Pre Sequel e Tales From the Borderlands tendo sido por estúdios de fora da alçada da Gearbox. Com uma sequência propriamente dita sete anos após o segundo jogo, tudo parece estranhamente familiar. A ideia é que uma espera tão longa talvez trouxesse mais mudanças do que as que realmente vieram, e isso faz tanto bem quanto mal.
Uma das melhores coisas da narrativa em Borderlands é como os protagonistas de jogos anteriores são inseridos organicamente dentro da história, não parecendo um fanservice. É bom ver que a Gearbox não ignorou os mais queridos pelos fãs como Zer0 e Tiny Tina. O terceiro jogo também deixa em evidência personagens dos spinoffs, em especial Tales From the Borderlands, da Telltale.
O cliffhanger deixado na história e o subsequente fechamento da empresa deixaram um elefante branco para a Gearbox resolver, pois, logo no primeiro trailer, foi confirmada a aparição de personagens do jogo. Verdade seja dita, talvez a desenvolvedora contasse que a Telltale fosse capaz de finalizar as pontas soltas deixadas em um futuro Tales from the Borderlands 2, sem tempo para fazer alterações e explicar essas questões tão em cima hora, mas ainda assim, é muito estranho ver personagens como Rhys e Vaughn não darem qualquer explicação para o que aconteceu com eles ou o resto da trupe nesse ínterim.
Ainda que o jogo tente apresentar o máximo de personagens possível, a trama gira em torno do retorno dos Crimson Raiders, liderados por Lilith após a morte de Roland no segundo jogo, acompanhada de Patricia Tannis e Claptrap na jornada para impedir os novos vilões da vez, na forma dos Irmãos Calypso, Troy e Tyreen, que chegaram ao poder com o vácuo deixado com a morte de Handsome Jack.
Borderlands 3 parece um adulto que se recusa a crescer. Seu jeito ainda faz rir, ainda que nem todas as piadas tenham graça, mas sua energia é contagiante e é difícil não se empolgar-se quando ele está por perto.
O jogo tenta os distanciar da sombra do carismático megalomaníaco tornando-os algo como streamers que transmitem para a galáxia inteira o genocídio que cometem para alcançar as tão conhecidas Arcas. Mas o jeito de falarem e agirem lembra uma versão menos carismática do que já foi visto antes na série. Diminuir os protagonistas por conversas de rádio e fazer comentários jocosos sobre o avanço deles é algo muito semelhante ao que Jack fazia, mas, agora, parece uma piada velha sendo contada por alguém não tão engraçado.
Aliás, o humor da série, um dos pilares que a diferencia de tantos outros loot shooters, mantém-se inalterado, também para o bem e para o mal.
Em Borderlands 2, muitas das piadas funcionavam não só pelo resgate do estilo de humor visto em jogos como Duke Nukem, que havia se perdido com o passar dos anos, como também seus jogadores estarem na idade ideal para apreciar o humor juvenil de inimigos gritarem sobre excrementos e sangue a cada dois minutos. Quase oito anos depois, essa mesma base (eu incluso) envelheceu e o cenário de jogos também. Não que a série esteja antiquada, mas parece que o seu roteiro e senso de humor estagnou durante todo esse tempo e nem toda piada contada em 2012 continua tendo graça em 2019.
Ainda assim, o terceiro jogo é capaz de proporcionar momentos hilários como uma briga conjugal de inteligências artificiais (com uma delas dublada pelo rapper Ice T), como também algumas interações entre Rhys e seus rivais de outras corporações. Mesmo com um espírito adolescente que não é para todos, Borderlands 3 ainda tem seus momentos de brilhantismo capazes de arrancar risadas durante a jogatina.
Não só o humor envelheceu como alguns maneirismos da série também. O grande chamariz sempre foi o combate e a criatividade das armas que podem mudar a maneira como cada embate é travado, mas a série sempre fez algumas missões terem uma duração artificialmente maior, fazendo com que o jogador tenha que percorrer a pé os cenários para chegar às áreas de combate. E o terceiro jogo não é muito diferente, com o jogador abrindo caminho em meio aos inimigos para alcançar uma porta diversas vezes, para então descobrir que é necessário buscar uma chave ou item para avançar.
Assim, o título o obriga a percorrer mais uma grande porção dos cenários para buscar o item necessário. Esse backtracking não seria ruim se não fosse tão frequente, principalmente nas missões finais de uma campanha que, mesmo sem esse artifício, já tem uma duração considerável. E como várias vezes esses percursos não podem sequer ser feitos com um veículo para economizar tempo, correr pelos arredores de Pandora e afins fica bem repetitivo e cansativo durante a campanha.
É possível jogar a campanha quatro vezes com cada um dos personagens e, ainda assim, não conseguir ver todas as opções que o jogo dispõe. Tirando algumas armas específicas atreladas a completar missões, todo o resto é randomizado. Com o terceiro jogo da série, a Gearbox fez algumas alterações para diversificar ainda mais o combate: agora, várias armas contam com dois módulos diferentes que criam novas possibilidades sem a necessidade de sacar outra frequentemente.
Bugs e constantes quedas na taxa de quadros tornam Borderlands 3 talvez o mais falho da série, tecnicamente falando. Não é algo insuportável, mas incomoda bastante.
Também é possível que algumas armas apliquem dano elétrico e , com um botão, mudar para balas ácidas, ou então uma metralhadora ganhar uma espingarda embutida para inimigos que chegam perto demais. Algumas fabricantes também sofreram alterações para diferencia-las umas das outras. A Jakobs, por exemplo, agora conta com equipamentos com pentes bem menores, com uma cadência de tiro também reduzida em favor de ter o maior dano de todo o jogo.
Enquanto isso, a Mailwan continua sendo a fabricante com danos elementais, mas que agora precisam de um tempo de carga antes de poderem ser disparadas. A mudança mais divertida talvez seja a Tediore, que agora ganhou armas inteligentes que, quando descartadas, ganham pernas e perseguem os inimigos por um tempo.
Mas essas ferramentas do caos são tão boas quanto quem está usando, e agora é possível escolher entre quatro novos protagonistas, cada um com seu próprio kit de habilidades. Para essa análise, terminei a campanha com a Moze, a guerrilheira da Vladof que perambula por Pandora acompanhada do seu meka Urso de Ferro. Todas as árvores de habilidades giravam em torno de tornar ela e seu companheiro robótico mais resistentes e com mais munição, algo perfeito para aqueles que gostam de um combate mais próximo e franco.
Outras opções são Amara, a já tradicional classe ninfa com poder de invocar braços enormes do além para esmagar os inimigos; FL4K, o dominador de feras que pode usar as criaturas do mundo do jogo para defende-lo de ameaças; e Zane, o fugitivo que pode usar um drone e escudo semelhante ao que Roland tinha no primeiro Borderlands. Todos são carismáticos de sua própria maneira, sendo possível, pela primeira vez, vê-los interagir com os NPCs ao seu redor.
Apesar de todos os seus defeitos, Pandora já tem um efeito nostálgico para os fãs da série, mas depois de tantas horas gastas dentro dos desertos impiedosos desse planeta, felizmente a Gearbox tirou o foco do planeta para tornar a campanha uma grande aventura interplanetária, que possibilitou uma expansão de ambientes possíveis para se explorar. Desde os pântanos pré históricos de Eden 6 até os arranha céus high tech de Promethea, o universo da série se expandiu e a desenvolvedora fez bom uso disso.
Os visuais de cada planeta são bem distintos, com uma paleta de cores própria. Além disso, todos os cenários são mais ricos em detalhes, com cenários destrutíveis e uma iluminação que destaca bem as sombras de personagens e vegetações. Lugares como a base lunar Skywell-27 têm suas próprias particularidades como gravidade reduzida, permitindo dar saltos enormes de um lugar para o outro como visto em Presequel, sem as mecânicas irritantes de oxigênio.
Irritantes, entretanto, são alguns bugs e quedas de frame rate constantes, que acontecem em várias ocasiões, como quando muitas explosões ocorrem ao mesmo tempo ou quando Moze entra e sai do Urso de Ferro. Até mesmo a simples ação de mirar com a lente telescópica de uma arma pode acarretar em uma falha dessas, que atrapalha em alguns dos combates mais acalorados da campanha. Personagens atravessando plataformas e caindo de penhascos, a tela ficando preta algumas das vezes que era aberto o menu de armas, entre outros problemas, tornam Borderlands 3 talvez o mais falho da série, tecnicamente falando. Não há nada que torne a experiência insuportável no nível de Fallout 76, mas ainda é bem incômodo em alguns momentos.
O visual celshading tradicional da série ganhou um traçado mais evidente, dando um visual mais cartunesco e, consequentemente, mais expressivo para alguns personagens, que em comparação aos jogos anteriores, pareciam demonstrar poucas emoções fora do trabalho de dublagem. Esta, mais uma vez, é fez um trabalho excelente, ainda que algumas mudanças notáveis como a saída de Troy Baker do papel de Rhys e David Eddings como Claptrap, ambos envolvidos em polêmicas com o presidente da Gearbox, Randy Pitchford.
Borderlands 3 parece um adulto que se recusa a crescer. Seu jeito ainda faz rir, ainda que nem todas as piadas tenham graça, mas sua energia é contagiante e é difícil não se empolgar-se quando ele está por perto. Ainda que a campanha tenha momentos morosos e uma estrutura por vezes arrastada e repetitiva, não chegou o dia em que me canso de explodir bandidos com uma espingarda que toca riffs de metal a cada disparo, acompanhada de um robô gigante pintado de rosa shocking. É uma experiência empolgante única, que provavelmente é o que manterá a série viva anos a fio.
O game foi testado no PS4, em cópia cedida pela Gearbox.