O Brazilians Against Time 2018 aconteceu no fim de março, mais especificamente no dia 29, e terminou no primeiro dia de abril. Foram quatro dias de jogatina ininterrupta transmitida online com direito a interações com o público via chat, com cerca de 80 horas em mais de 50 jogos “corridos” e “quebrados” (figurativamente falando) e exatos R$ 26.275,65 arrecadados para o Médicos sem Fronteiras. O evento deste ano, inclusive, aconteceu na Game Vault, uma casa de jogos de tabuleiro que patrocinou a maratona, e que possui um agradável espaço para interação e locação, repleto de novidades e atrações para os geeks e nerds.
Há de se enaltecer os números dessa edição, sem dúvidas, já que o crescimento do BrAT é uma conquista importante, e uma prova de que a persistência traz frutos vindouros. Além disso, aos poucos, a maratona brasileira beneficente de jogos cresce e se populariza, tomando um formato um tanto quanto próprio em apenas três anos de existência, se diferenciando um pouco da prima americana, a Games Done Quick. Afinal, não é em qualquer evento que você tem um bloco inteiro (ou toda uma tarde) dedicada a jogos do Sonic the Hedgehog, com direito a speedrunners cantando as músicas de Sonic R enquanto correm com o jogo.
Para efeito de comparação, na primeira edição, que aconteceu em 2016, a maratona aconteceu na Unit Zero, na capital de São Paulo, e beneficiou a AACD com um total de R$ 7 mil em doações, com mais de 50 horas de livestream. Em 2017, a maratona ocorreu na cidade de Guarulhos, na Walkers Magic Store, e foi o primeiro evento beneficiando o Médicos sem Fronteira. Nesta edição o total arrecadado foi de R$ 10 mil em pelo menos 80 horas de runs.
O NGP esteve presente na edição 2018 da BrAT, e na ocasião, batemos um papo com Hugo Carvalho, o organizador da maratona. Em nossa conversa, ele nos contou um pouco das dificuldades, dos bastidores e ainda prometeu algumas novidades para futuras edições – as quais a própria organização deve revelar logo que possível.
Amigos, amigos; maratonas partilhadas
Uma das coisas que melhor senti logo que pisei na Games Vault para acompanhar de perto uma BrAT, é o ambiente amigável e envolvente. Assistir de casa, no conforto do lar é uma experiência bem diferente e distante, fria até, eu diria. Ver tudo acontecendo ao vivo e de perto, sentindo a união e o companheirismo entre os integrantes e os visitantes, enfim, todos que fazem a maratona acontecer, é muito mais gratificante e emocionante. Além do mais, vibrar pertinho de quem está jogando, vendo como e quando os macetes são executados nos jogos, é um acontecimento de outro mundo – Super Mario 64 que o diga; eu fiquei de boca aberta assistindo!
Por sinal, caso lhe interesse fazer parte de toda essa sinergia e você queira participar ou até mesmo se tornar um runner, a dica que o Hugo deixa é: chegue até a comunidade. “Pode ser por Facebook, ou no Discord que tem muita zoeira. O melhor jeito é se integrar com a comunidade”, comenta o organizador. “A gente tenta trazer todo mundo da comunidade para se ver. Aqui todos estão fazendo algo que gostam. Eu não preciso inventar nada, o pessoal vem, aproveita e isso é gostoso”.
Por sinal, como já comentado anteriormente, a maratona está cada ano crescendo mais, então não pudemos deixar de perguntar a Hugo como é feita a seleção dos jogos. Afinal, as atrações têm que se manter à altura do público. Foi aí que o organizador nos confidenciou que existem “mais inscrições do que espaço”. De acordo com ele, há “um formulário para cada run do evento” e, dado o preenchimento deste, uma equipe fica responsável por analisar vários aspectos do jogo que foi inscrito como, por exemplo, “se o jogo é bom, se tem apelo para o público, se cria incentivos legais”. “Então criamos um ranking e elegemos os jogos para a BrAT”, explicou.
No ganho da pergunta, também surgiu a curiosidade de saber se algum jogo que é “encomendado para a BrAT”, digamos assim. O organizador então nos revelou que “sempre existem alguns jogadores dispostos a tentar estudar as novidades”. “Esse ano o sincevanilla_ (um dos speedrunners) pegou Super Mario Odyssey. Tem uma parte da comunidade que sempre está disposta a ‘correr’ esses jogos novos. Quando dá certo, é ótimo”, comenta Hugo, “a gente joga os jogos velhos, mas queremos ver jogos novos também”.
E a run considerada mais difícil de se executar? Hugo revelou que a chamada Zero Saídas, uma forma muito específica de jogar Super Mario World, pode ser considerada a mais trabalhosa. De acordo com o organizador, para determinados jogos, é preciso usar a tática de execução arbitrária de códigos. “Essas runs são muitos difíceis de executar”, ele comentou conosco, alegando ainda que um dos runners da comunidade, um dos que mais habilidosos por sinal, já tentou realizar a Zero Saídas milhares de vezes, mas só obteve sucesso pouquíssimas vezes. “É um pixel perfect muito específico. Foram 5000 mil tentativas e 100 acertos”, ilustrou Hugo.
A roda da vida é da cor do dinheiro
Uma das maiores dificuldades para se organizar uma BrAT é, sem pestanejar, arrumar patrocínio – um que cuide dos gastos pessoais com hospedagem, comida e outras necessidades básicas dos runners, afinal, muitos deles vêm de diferentes lugares do país. “O pessoal é empolgado com a ideia e o equipamento é razoavelmente fácil de conseguir”, comentou Hugo conosco, emendando de maneira direta e objetiva no maior desafio: o dinheiro. “Se o cara que mora no Nordeste for o melhor jogador do mundo em um determinado game, fica difícil”.
As ilustrações da BrAT, inclusive, que contam com a presença da adorável mascote Jade, assim como os banners e demais materiais de divulgação, acabam saindo do bolso da própria organização, segundo Hugo. Apesar disso, o organizador ainda comentou que o ideal mesmo seria a presença de um patrocinador para financiar esses custos, além de alocar os runners em vem de longe. “A gente não tem mais precisado pagar por espaço, só em 2016 teve isso é agora tem dado certo”, comenta, “a gente precisa de runners. Temos muitas pessoas do Brasil que não conseguiram vir por conta de questão financeiras também. Queremos fazer mais edições do BrAT, e levamos cerca de 6 a 8 meses para organizar a maratona”.
Para exemplificar a questão, Hugo comentou conosco do runner Luiz Miguel, um membro da comunidade brasileira de speedruns que é apenas o melhor jogador de Mega Man X3 do mundo. O jogador chegou a ser trazido por um dos patrocinadores das edições anteriores, mas neste ano, como não puderam contar com essa mesma entidade, o speedrunner infelizmente ficou de fora da maratona beneficente.
Nem tudo foi perdido, porém, já que da necessidade surgem algumas propostas interessantes. No caso, um dos runners se candidatou a aprender a jogar Pokemon X em um mês, só para conseguir preencher uma lacuna de cinco horas na programação da BrAT, executando assim a maior run de todo o evento. De toda forma, Hugo nos explicou que aos poucos as coisas estão se ajeitando. “Temos muitos planos e aos poucos vamos achando uma solução para cada problema que surge”. Além do mais, felizmente, todos se ajudam bastante para fazer o BrAT acontecer.
Incansavelmente contra o tempo
As doações deste ano bateram os valores obtidos em 2016 e 2017, juntos, e este é um dos grandes méritos da BrAT 2018. Além disso, a maratona beneficente proporcionou alguns momentos únicos, como o karaokê de Sonic R, e demonstrações de glitches em jogos diversos, como foi o caso de Paper Mario, para o Nintendo 64.
Muitos incentivos, por sinal, foram fornecidos por parceiros que surgiram de última hora para apoiar a iniciativa, como foi o caso da Tulleceria e da Corsair, que deu um kit completo de teclado e mouse para os PC gamers de plantão ficarem espertos. Os incentivos dentro dos jogos também foram um show à parte, e com a grande quantidade de arrecadações, a BrAT foi até mesmo capaz de realizar o primeiro “save or kill the animals” – uma prática que se tornou famosa, e que surgiu com uma run de Super Metroid, onde os jogadores tinham a opção de doar uma certa quantidade em dinheiro e escolherem no comentário se queriam libertar uma jaula cheia de animais fofos e inocentes ou deixá-los para morrer em um planeta prestes a explodir, no final do game.
Todavia, diferentemente da prima americana Games Done Quick, na BrAT a “save or kill the animals” foi adaptada para Super Mario Odyssey, com o público escolhendo salvar ou matar os animais do Darker Side, incluindo o Yoshi e um periquito. Métodos de incentivos assim, além dos brindes, são ótimas formas de ampliar ainda mais a popularidade da causa.
Outra coisa bacana que pode ganhar mais espaço nas próximas edições são as participações. Neste ano, a maratona contou com Mestres de Cerimônia conhecidos dos eSports, tais como os comentaristas do CBLoL gstv, Melão, Dócil, Toboco e Skeat, que compareceram pessoalmente ao evento e leram as doações enviadas pelo público.
Resta agora esperar pelas novidades que a organização deve anunciar em um momento mais propício. Por enquanto, comemoremos as vitórias e as metas superadas. Baby steps, mas a BrAT cada vez mais se consolida como um marco na história dos videogames no Brasil.