Assim como a necessidade de comer, respirar ou ter uma vida social, o espírito de combater parece ser inerente a todo ser humano. Não existe período sem guerra, e enquanto algumas são mundiais, outras são localizadas, mas em todos os casos, causam devastação, dor e morte. Com a conquista do espaço, e dos outros planetas, a situação não mudou em absolutamente nada.
Também permanece a dificuldade de diálogo entre o novo ensejo da franquia Call of Duty e a base de fãs. O baque vem desde 2013, com o lançamento abaixo da média de Ghosts, que já sinalizava uma corrida para o futuro. Apesar dos elogios a Advanced Warfare, do ano seguinte, a saga voltou a ter problemas com Black Ops III, algo inadmissível, principalmente levando em conta a alta qualidade dos dois games anteriores com esse subtítulo.
E enquanto muitos fãs pediam um retorno da era contemporânea ou quem sabe até mesmo uma volta ao passado, para a Segunda Guerra Mundial, a franquia decidiu abraçar de vez o futurismo e a ficção científica. Com Call of Duty: Infinity Warfare, a Activision permanece em uma sequência de decisões erradas e periga minar sua própria posição como marca de entretenimento mais popular do mundo – ao mesmo tempo em que faz uma volta ao passado e faz um contraponto negativo a si mesma, com uma remasterização do primeiro Modern Warfare.
Com uma história passada em um futuro longínquo, o título nos coloca em uma era na qual a conquista do espaço não apenas ocorreu, como é algo corriqueiro para os seres humanos. Sem a presença de alienígenas (pois era só o que faltava mesmo), as nações da Terra, destruída pelo progresso industrial e pela falta de cuidado do ser humano com o meio ambiente se uniram em uma única liga, de forma não apenas a colonizar o Sistema Solar como garantir um uso responsável de seus recursos.
É nesse ensejo que surge a SDF, uma organização rebelde que luta para separar Marte desse fluxo e acabar completamente com os laços entre o Planeta Vermelho e a Terra. Liderada por Salen Kotch (Kit Harington, o Jon Snow de “Game of Thrones”), os separatistas realizam uma série de ataques terroristas e enfraquecem as forças globais, cabendo ao próprio jogador, no controle de Nick Reyes, assumir o controle de uma das poucas naves que restam e enfrentar os inimigos de frente.
Apesar de termos em mãos um título com inovações notáveis, elas acabam sufocadas por um enredo sem sal e um design desinteressante.
Temos, porém, um vilão sem carisma nem motivação, que aparece, na maioria do tempo, gritando palavras de ordem e tentando ser ameaçador, sem sucesso algum, por meio de transmissões para os aliados – o momento em que ele ordena a rendição imediata dos soldados para execução vale ouro na categoria facepalm.
Os parceiros de luta também compartilham essa mesma falta de personalidade. Você se verá, diversas vezes, atirando em Ethan, seu amigo robô, acreditando estar atingindo máquinas inimigas. E o mesmo vale para os oponentes humanos, já que todos parecem saídos de uma cópia mal feita de Titanfall ou “Chappie”, de Neil Blomkamp. Isso sem falar na presença de famosos que, se você piscar, nem verá que estão lá.
Por que o SDF odeia os terráqueos? Seriam eles marcianos de nascença? Qual a razão do ódio exibido por alguns soldados em relação aos robôs, e porque a repentina mudança em determinado trecho do enredo? Você está fazendo muitas perguntas, soldado, pegue esta arma e vá atirar nos inimigos.
Os combates com naves são o principal destaque do game, principalmente quando temos a oportunidade de começar uma fase em terra, subindo em um caça e seguindo em direção ao espaço logo depois.
Tudo isso soa como uma decisão deliberada, já que não é possível que tenha sido um descuido. A Infinity Ward parece ter tomado a decisão direta de focar na ação, e apenas nela, sem se preocupar em criar um enredo relevante e um universo envolvente. O novo Call of Duty pede que o jogador apenas ande para a frente, atirando, mas nesse processo, dá para perceber perfeitamente os ganchos que permitiriam um roteiro interessante. Só não há nada amarrado neles.
Com a escolha de apenas colocar uma arma na mão do jogador e jogá-lo em um tiroteio sem cérebro nem personalidade, a Infinity Ward perde a chance de, talvez, entregar uma das campanhas mais interessantes da saga desde o fim da série Modern Warfare. Temas como meio-ambiente, política, diplomacia e, principalmente, preconceito, poderiam facilmente serem abordados aqui, trazendo o ar de relevância que a marca tanto vem precisando.
Infinite Warfare é melhor do que seu antecessor, e fazer isso não é nada difícil. Entretanto, ainda assim, se porta como exatamente aquilo que seus detratores tanto alegam. Seguindo um movimento começado em Black Ops III, o novo game traz nada mais do que uma jogatina descerebrada, pouco memorável e voltada apenas para o tiroteio com os inimigos. Basicamente, uma caricatura, que agora, se torna cada vez mais real.
O que falta em cuidado e preocupação com o enredo, entretanto, sobra em aspectos técnicos. Call of Duty: Infinite Warfare apresenta os visuais mais interessantes de todos os jogos da franquia para a nova geração, usando muito bem a variedade de planetas e ensejos para criar fases diferentes entre si, mantendo o tédio à distância e criando curiosidade no jogador.
Com uma melhoria visual considerável em relação ao antecessor, o game apresenta cenários de encher os olhos, como é o caso da missão em Saturno, por exemplo. Vale a pena notar, também, os belos efeitos de iluminação e partículas, bem como uma taxa de frames que se mantém estável mesmo nos momentos em que naves, inimigos, tiros e explosões estão tomando conta da tela, em um resultado de encher os olhos.
A jogabilidade continua fluida e dinâmica como se espera de qualquer jogo da série Call of Duty, e aqui, ganha alguns incrementos oriundos da abordagem futurista, além de um sistema de missões secundárias bem interessantes. Lançar aranhas robôs explosivas na direção dos inimigos, por exemplo, é diversão pura, assim como hackear robôs inimigos e usar sua autodestruição para mandar todo um grupo de oponentes pelos ares. Usar a furtividade em um jogo de tiroteio, então, traz um frescor necessário para intervalos entre a ação intensa.
A Infinity Ward parece ter tomado a decisão de focar na ação, e apenas nela, sem se preocupar em criar um universo envolvente. Apenas pegue esta arma e vá atirar nos inimigos.
Uma das grandes novidades de Call of Duty: Infinite Warfare são as fases de combate à bordo de naves. Elas apresentam a objetividade típica da franquia, permitindo que o jogador se torne, muito rapidamente, um ás dos céus (ou do espaço?), derrubando inimigos e participando de dogfights sem o menor esforço ou necessidade de adaptação.
A opção pela tela limpa e quase sem indicadores nestes momentos foi bastante acertada, apesar de um radar indicando a posição de inimigos e aliados fazer falta. Mesmo assim, temos aqui alguns dos principais destaques do título, principalmente quando temos a oportunidade de começar uma fase em terra, subindo em um caça e seguindo em direção ao espaço logo depois. A dimensão dos combates impressiona, com uma grandiosidade semelhante aos grandes momentos de seu principal rival, Battlefield.
Por isso mesmo, é de se questionar a decisão de excluir as naves do modo multiplayer, apostando na boa e velha fórmula da franquia. Ela funciona tão bem como sempre, apesar de ideias confusas – como os cadáveres flutuantes do mapa situado em uma estação espacial –, e deve agradar aos fanáticos, apesar de sofrer com a falta de personalidade da campanha. Um pouco de tempero e novidade, aqui, não feria mal a ninguém.
Nota positiva, ainda, para o modo Zombies, que, agora, parece se tornar uma constante na série. O que falta de personalidade no modo campanha e no multiplayer, mais uma vez, sobra aqui, num título que parece ter sido desenvolvido por uma equipe diferente. Com uma abertura fantástica, jogabilidade objetiva e trilha sonora cheia de clássicos, o modo acaba sendo, mais uma vez, a parte mais interessante de um novo Call of Duty.
É momento de alerta vermelho para a franquia. Apesar de termos em mãos um título com inovações importantes e melhorias notáveis, elas acabam sufocadas por um enredo sem sal e um design simplesmente desinteressante. De série que servia como locomotiva para os jogos de tiro em primeira pessoa, criando tendências, Call of Duty cada vez mais se posiciona nas posições inferiores do ranking, se tornando mais um na multidão e, principalmente, passando longe da alta qualidade que os fãs esperam com cada vez mais desesperança.
O game foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Activision.