Com Call of Duty: Modern Warfare, a Activision e a Infinity Ward parecem dispostas a provar que a velha máxima eternizada pelos jogos da série Fallout não é verdadeira. A guerra pode, sim, mudar, principalmente após anos de marasmo e títulos aquém da grandiosidade de uma das franquias mais consagradas do mundo dos games. E que bom que mudou.
Ao retornar a seu momento de glória, a franquia mostra a humildade de quem aprendeu com os erros e soube exatamente onde alterar as coisas para trazer de volta o que a tornou célebre. Mas não para por aí, já que, chegando no final da geração atual, Call of Duty: Modern Warfare também firma as bases para o futuro e dá um gostinho do que poderemos ver nos títulos futuros da saga, caso ela, claro, não saia dos trilhos novamente.
Ser um dos melhores jogos da marca nos últimos anos não seria difícil, com bombas como Infinite Warfare e, questionavelmente para alguns, Black Ops IIII, deixando os fãs olhando para os lados em busca de um tiroteio dos bons, enquanto a Activision parecia perdida. O que antes era uma franquia líder, agora, corria atrás de inovações muito mais bem realizadas por concorrentes que, merecidamente, angariavam números de usuários. Mas não mais.
Com os pés no chão e gráficos incríveis, Modern Warfare se sagra como o melhor Call of Duty esta geração e, sem dúvida nenhuma um dos grandes da história da franquia.
Apesar do nome e do fato de ser um reboot, Call of Duty: Modern Warfare investe muito em criar sua própria identidade, tudo de novo, e em aspectos que vão desde o conjunto visual até a pegada de seu multiplayer. Como em todo processo desse tipo, algumas arestas ainda precisam ser polidas, mas o prognóstico não poderia ser dos melhores.
O primeiro reflexo dessa mudança deve ser sentido pelos jogadores antes mesmo de eles iniciarem o game. Call of Duty: Modern Warfare é gigantesco, ocupando facilmente 150 GB de espaço nos HDs de qualquer uma das três plataformas em que está disponível. Reflexo de falta de otimização, sim, mas também do novo motor gráfico, que trouxe os visuais mais bonitos da série mesmo nas versões padrões do PlayStation 4 e Xbox One.
Mais do que bonito, o novo game está inspirado. O uso da luz impressiona logo na primeira missão da campanha, enquanto elementos como partículas e fogo aparecem para dar um toque especial. Estourar um coquetel molotov dentro de uma caverna escura pode ajudar a espantar inimigos, mas também é uma decisão estratégica a ser levada em conta, afinal, o clarão também vai te cegar por alguns momentos.
Essa fidelidade visual também é usada para construir a história e dar a ela momentos dos mais tensos. Entre incursões em prédios de apartamento usando óculos de visão noturna, com a falta de conhecimento do cenário e a escuridão contribuindo para dar vantagens aos inimigos, temos mais um momento digno das polêmicas e traumas dos primeiros games de Modern Warfare. A missão protagonizada pela personagem Farah Karim ainda criança pode figurar facilmente entre um dos momentos mais impactantes da franquia nesta geração, ao lado da infame No Russian e do combate sob uma Torre Eiffel em queda.
A história que envolve o roubo de um gás letal por grupos terroristas e alianças frágeis entre países, que lutam contra um inimigo implacável, é verossímil o bastante para encantar, apesar do andamento previsível. Até existem alguns plot twists aqui e ali, assim como alguns momentos brilhantes, com destaque para a missão de resgate na embaixada. O resultado final é positivo e envolvente.
Por outro lado, os reflexos de uma geração já no final e de desenvolvedores que querem mais aparecem aqui. Nas versões consoles, é possível ver o carregamento de cenários e texturas acontecendo diante dos olhos, enquanto as cutscenes inicias de algumas das fases são exibidas. São alguns segundos de jogo como se rodando no “low” até que tudo carregue em seu esplendor, uma pequena imagem feia antes de outras belíssimas.
A pegada realista também está ligada à jogabilidade em si, com Call of Duty: Modern Warfare se comportando mais como um campo de batalha visceral do que como um filme do Rambo. Correr para cima dos inimigos não vai render nada, a não ser uma tela vermelha de sangue e um retorno ao checkpoint mais próximo. A ideia é que o jogador se comporte de forma mais adequada ao tiroteio que está acontecendo.
Enquanto a nova pegada, mais lenta e realista, se encaixa perfeitamente na campanha, o modo multiplayer ainda exige trabalho e pode acabar frustrando os fãs de longa data da franquia, acostumados com a correria de sempre.
A regeneração automática de energia leva mais tempo para ser ativada, enquanto o usuário deve usar coberturas e atenção constante ao que está em volta para seguir em frente. Muitas das batalhas do título são intensas e colocam o time de mocinhos em desvantagem, por isso, o cuidado é fundamental para não morrer. E, acredite, você vai ver muito a tela de carregamento e suas mensagens de honra e inspiração.
Call of Duty: Modern Warfare é difícil, mas não de maneira punitiva. É claro, existem aqueles momentos malucos em que você tomará tiro sem saber de onde, mas na maioria do tempo, terá a sensação de que foi abatido por não ser preciso o suficiente ou ter usado uma estratégia de movimentação incorreta. A Infinity Ward joga tudo para cima da gente o tempo todo, e a sucessão de mortes que acontecia no multiplayer, agora, será comum também na campanha.
Enquanto na história principal, com influência clara de séries de ação e um posicionamento político por vezes problemático, tudo corre bem, as principais marcas de uma mudança que ainda exige amadurecimento estão no multiplayer. Não é como se tudo estivesse essencialmente diferente, mas Call of Duty: Modern Warfare e sua abordagem mais modesta e pés no chão trouxe alterações essenciais — e, para muitos jogadores, questionáveis — no funcionamento das partidas online.
A missão protagonizada peor Farah Karim, ainda criança, pode figurar facilmente entre um dos momentos mais impactantes da franquia nesta geração.
A movimentação mais lenta e o cuidado maior com os arredores diminuíram a correria louca que era contumaz no mundo conectado de Call of Duty. Esse aspecto, também, trouxe de volta uma das maiores pragas dos multiplayers, os campers, que agora aparecem em todo lugar, com a composição de alguns dos cenários permitindo isso.
Se por um lado é legal ver rifles snipers sendo usados do jeito correto em um Call of Duty, a facilidade com a qual os jogadores morrem na jogatina online depõe contra esse posicionamento e cuidado. Afinal de contas, basta um tiro para revelar a posição de um oponente, enquanto o respawn rápido faz com que, ao mesmo tempo, a estratégia se quebre. Por outro lado, o jogador pode nem pensar muito e só partir para cima, levando a frustrantes mortes sucessivas e iguais.
O mais atingido por esse problema é Ground War, modo com grandes batalhas grandiosas que envolvem, inclusive, veículos, e também contam uma história por si só. Muitas vezes, o jogador se verá andando sem fazer nada por um ou dois minutos antes de chegar ao coração da batalha, apenas para morrer com um tiro e fazer tudo de novo. Não existem, por exemplo, elementos como ressuscitações, médicos ou mesmo um tempo de reação.
É como se as coisas não se encaixassem, com o estilo de jogabilidade mais rápida de Call of Duty: Modern Warfare não tendo a liga necessária com uma modalidade mais encadeada e grandiosa. Algo a ser levado em conta pela Infinity Ward e pela Activision em lançamentos futuros, afinal de contas, nem todo mundo quer viver apenas de Team Deathmatch.
Entretanto, parece que é isso mesmo que as empresas desejam que a gente faça, tomando a inexplicável decisão de colocar alguns dos modos mais interessantes do jogo apenas em jogos privados. Kill Confirmed, um preferido pessoal, sofre desse mal, enquanto outros bem menos legais parecem ganhar o tratamento de luxo sem que mereçam isso.
Durante nosso período de análise, nas semanas posteriores ao lançamento do game, enfrentamos certa dificuldade para encontrar partidas quando conectados a uma party no PlayStation 4. Foram os únicos momentos, na realidade, em que o tradicionalmente veloz matchmaking da franquia não deu as caras, enquanto na busca por partidas enquanto sozinhos, era possível encontrar jogadores e embarcar na ação em poucos segundos.
Poucos multiplayers de Call of Duty contaram com tantas possibilidades de personalização, indo além de perks tradicionais. Agora, os jogadores podem montar seu arsenal da forma que quiserem (desde que, claro, evoluam o bastante para isso) e moldarem a própria jogabilidade, usando um sistema de pontos que se converte em visores, pentes aumentados ou suportes para melhor estabilidade durante disparos. A precisão e o sangue-frio na correria ainda definem as coisas, claro, mas tais elementos trazem mais conforto e confiança para quem está no controle.
Acima de tudo, e como já dito várias vezes por aqui, como é bom jogar um Call of Duty com os pés no chão, sem elementos tecnológicos bizarros ou poderes mirabolantes que entram no caminho da boa e velha pólvora. Jogar Modern Warfare em sua versão completa mostra que essa alegria transparece não apenas no modo multiplayer, mas também em todo o conjunto do título.
Com uma história e mundo palpáveis novamente, sem viagens e, principalmente, papas nas línguas para passar certas mensagens, o título se sagra como o melhor Call of Duty esta geração e, sem dúvida nenhuma um dos grandes da história da franquia. O peso pode até incomodar os usuários de consoles e PC, mas a liberação de espaço vale a pena quando estamos falando de um game dessa categoria.
Da mesma forma que sempre falamos aqui nas épocas ruins, em que esperávamos ver a Activision e suas desenvolvedoras percebendo os erros e melhorando as coisas, a esperança, agora, é que ela mantenha o momentum positivo. WWII e agora, mais do que nunca, Modern Warfare, mostram o caminho pelo qual a franquia deve seguir e são jogos que trazem a qualidade que muitos aprenderam a apreciar na franquia, mas que andava ausente nos últimos anos. O velho cheiro de pólvora nunca foi tão bom.
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Activision.