Mais de doze anos depois, uma notícia anunciada pela Capcom em 2001 vai finalmente deixar de assolar os fãs de Resident Evil: a exclusividade com a Nintendo. Com lançamento marcado para o começo do ano que vem, RE Remake vai finalmente deixar de estar disponível apenas nos consoles da “Big N”, enquanto RE Zero permanece assim. Até agora, ambos encabeçavam a lista de mais pedidos quando o assunto é relançamento.
Para explicar os fatores que levaram a Capcom a firmar um contrato de exclusividade com a Nintendo, e as razões pelas quais isso foi quebrado menos de um ano depois da assinatura, precisamos voltar no tempo.
Uma realidade constante, mas nem sempre um problema
Apesar de aparecer como polêmica e gerar brigas de fanboys apenas a partir do início da década passada, jogos exclusivos sempre foram uma realidade da indústria de video games. Se você tem mais de 20 anos, deve se lembrar de possuir um Super Nintendo e jogar Mario enquanto seu vizinho morria de vontade por possuir um SEGA Genesis. A recíproca também poderia ser verdadeira, e você, com certeza, não perderia a oportunidade de passar horas com Sonic se pudesse.
Talvez pela esmagadora maioria dos gamers serem crianças (ou por a humanidade do final dos anos 90 possuir elevados níveis de bom senso, o que eu duvido), verdadeiras brigas de consoles eram difíceis de se ver. Os títulos multiplataforma eram raros e todos estavam preocupados apenas com uma coisa: jogar video game. Naquela época, os jogos significavam diversão, e apenas isso. Entre Nintendo e SEGA existia sim uma rivalidade, mas ela se devia apenas às questões de mercado, como quaisquer empresas concorrentes.
Estranhamente, a situação permaneceu a mesma durante a dominação completa do PlayStation na geração 32 bits. Jogos multiplataforma eram ainda mais raros e o aparelho da Sony, normalmente, era a plataforma de preferência de todos os desenvolvedores. Ou seja, o mercado estava inundado de títulos exclusivos, mas ninguém parecia se preocupar com isso já que todos possuíam um PsOne.
Com a chegada da sexta geração, Nintendo e SEGA vieram decididas a virar o jogo e mostrar aos desenvolvedores third-parties (aqueles que não são ligados a nenhuma fabricante de consoles) que suas plataformas também eram capazes de entregar experiências consistentes, com facilidade de programação e baixos custos. Nesse ensejo, porém, a criadora de Sonic acabou deixada de lado e, enquanto o novato Xbox corria por fora, a guerra de verdade acontecia entre o PlayStation 2 e o GameCube.
Enquanto gamers de todo o mundo já começavam a discutir ferozmente sobre qual era o melhor video game, Sony e Nintendo começavam a mover suas fichas no mercado, na tentativa de atrair mais games para seus consoles. O número de títulos multiplataforma começou a crescer, mas, ao mesmo tempo, jogos exclusivos também começavam a surgir com força e continuavam a ser o motivo pela escolha de um ou outro video game.
Como uma bomba
Esta foi a primeira imagem de Resident Evil Remake. Suficiente para explodir muitas cabeças.
Em 2001, ano em que Resident Evil comemorava seu aniversário de cinco anos, a Capcom anunciou o relançamento do primeiro game da série, com gráficos completamente refeitos e um foco ainda maior no terror e na tensão. A notícia foi amplamente comemorada durante segundos até que os fãs ficaram sabendo que toda a série, incluindo o remake e os novos Resident Evil Zero e RE4, seriam exclusivos do Nintendo GameCube.
Segundo a Capcom, o acordo era uma medida de respeito aos fãs, que evitaria a compra de diversas plataformas diferentes para que todos os jogos da franquia pudessem ser experimentados. Também era uma forma de permitir que os adoradores da Big N curtissem os jogos antigos, que seriam relançados.
Já para o criador de Resident Evil e ainda mentor da saga, Shinji Mikami, a decisão favorecia sua arte, já que o console da Nintendo possuía um potencial gráfico maior que o do PlayStation 2 e permitiria “gráficos no mesmo nível de um filme”. Para ele, o acordo era algo gravado em pedra e o designer chegou a prometer cometer suicídio caso Resident Evil 4 algum dia chegasse ao PlayStation 2, console que, segundo ele, não seria capaz de dar vida às suas obras.
Por trás dos panos, o contrato de exclusividade pode ser considerado um pedido de desculpas da Capcom para a Nintendo. A desenvolvedora, que tinha o Super Nintendo como sua plataforma principal na geração 16 bits, lançou apenas quatro jogos para o Nintendo 64, na geração seguinte. A entrega de sua principal franquia para os braços da Big N era uma forma de voltar às boas com a fabricante.
Os detalhes financeiros do acordo não foram conhecidos do público, como acontece com a maioria das decisões desse tipo. Não se sabe também se o contrato tem tempo limitado ou se a exclusividade é vitalícia. Para a Capcom, a exclusividade também facilitaria o desenvolvimento de Resident Evil 4, uma vez que o processo de adaptação do game para Nintendo GameCube e PlayStation 2 tomaria mais tempo e poderia influenciar na qualidade final do título.
Comendo pelas beiradas
Enquanto títulos da série iam chegando para o Nintendo GameCube, os fãs da franquia e/ou adoradores do PlayStation 2 iam ficando cada vez mais revoltados. Em uma tentativa de aplacar os ânimos deles, a Capcom não interrompeu completamente a produção de Resident Evil para o console da Sony e investiu em spin-offs, que não eram cobertos pelo contrato de exclusividade.
Foi daí que surgiram Resident Evil: Survivor 2: CODE: Veronica e RE: Dead Aim, além dos dois games da série Outbreak. Os lançamentos “tapa-buracos”, porém, sofriam de falta de qualidade e serviram apenas para dar ainda mais força aos fãs que exigiam o lançamento dos títulos exclusivos do GameCube também para o PlayStation 2.
Enquanto isso, Resident Evil Remake se tornava um dos jogos mais vendidos na biblioteca do Nintendo GameCube. Com RE4 próximo de seu lançamento e acumulando uma expectativa nunca antes vista em um game da franquia, ambos eram as meninas nos olhos da Capcom. E também seriam os responsáveis por lhe causar sérios problemas.
Pressão financeira
Em 2004, pouco antes do lançamento original de Resident Evil 4, a Capcom veio a público para “atender aos pedidos dos fãs”, anunciando o lançamento do game para o PlayStation 2 em uma versão com extras inéditos. O game chegaria às lojas apenas alguns meses da edição para GameCube, transformando o quarto game da franquia apenas em um exclusivo temporário.
Segundo relatos não-oficiais, a ideia da Capcom era entregar o jogo para o maior número de pessoas possível, tendo em vista a expectativa que ele estava gerando. Além disso, uma forte pressão dos acionistas da empresa, que previam lucros absurdos caso Resident Evil 4 se tornasse um título multiplataforma, também teve papel fundamental na decisão e na quebra do contrato com a Nintendo. Ao contrário do que se imagina, a Sony parece não ter tido nenhuma participação neste movimento.
A quebra do contato com a Nintendo trouxe uma baixa importante para a Capcom. Insatisfeito com a decisão, Shinji Mikami não cometeu suicídio, mas pediu demissão da empresa. Mikami nunca falou abertamente sobre o assunto e abandonou de vez sua obra-prima. Resident Evil 4 se tornaria um dos 60 títulos mais vendidos da história do PlayStation 2.
Será que um dia…?
Até o anúncio da remasterização do Remake, tanto ele quanto Resident Evil Zero haviam sido relançados uma única vez, como parte da série Archives para o Nintendo Wii. Antes disso, a Capcom nunca havia pronunciado sobre uma versão dos títulos para outros consoles, apesar da insistência dos fãs em falar sobre o assunto e o surgimento eventual de rumores sobre o caso.
Em 2012, um relançamento de Resident Evil: The Umbrella Chronicles e The Darkside Chronicles foi anunciado para o PlayStation 3. Com suporte ao Move e gráficos em alta definição, os títulos deixaram de ser exclusivos do Nintendo Wii para ganhar uma versão ainda melhor que a original no console da Sony. A notícia reacendeu uma fagulha de esperança no coração dos fãs, que criou chama apenas neste ano, quando a remasterização de RE Remake foi anunciada.
Não sabemos ao certo o que levou a essa decisão, o fim do contrato de exclusividade ou uma confiança nos resultados, que levou a Capcom a quebrar o acordo. Seja como for, Resident Evil Zero continua sendo da Nintendo e os fãs da série já começam a se perguntar quanto, e se, o título também chegará a outras plataformas. Algo que apenas os fãs e seus dólares podem responder.
Esse artigo foi publicado originalmente no Resident Evil SAC. Aqui, aparece com pequenas edições e atualizações.