Em meio ao turbilhão de novidades sendo lançadas no mundo dos jogos independentes, às vezes algumas pérolas passam despercebidas por se parecerem com outros jogos famosos ou terem gráficos razoáveis, os tornando homogêneos na visão do público e crítica. Isso nunca aconteceria com Children of Morta.
O RPG de ação rogue-like que já impressiona com os gráficos e animações de qualidade, para te atrair, e depois te prende pela jogabilidade, história e diversão. Um game que começa simples e vai complicando, como um bom RPG deve ser.
Em um belo dia, a família Bergson estava serelepe e tranquila em casa, no alto da montanha chamada Morta, quando, de repente, uma energia maligna empesteou a natureza e corrompeu todos os seres vivos. Os personagens clássicos de RPGs medievais despertaram causando calamidades em toda região, menos na sagrada montanha onde seus “filhos” são protegidos por um escudo de energia sagrada natural, graças à grande árvore e à vovó Margareth, que guarda grande conhecimento e segredos que nem sua família sabe totalmente.
Para descobrir o que ocorreu e buscar soluções, a família Bergson se prepara para o combate, algo recorrente para cada membro, pois todos foram criados para lutar desde pequenos, respeitando suas particularidades. O tio Ben está sempre criando as melhores armas e equipamentos para cada um, mesmo contrariando o espírito protetor da mãe Mary, que odeia ver os filhos em perigo, principalmente depois que o mais velho, Mark, foi se tornar monge e não deu mais notícias.
Children of Morta é um conto interativo digno da mais refinada literatura fantástica e uma recompensa multicultural para quem gosta de RPGs, literatura fantástica, filmes, séries e outros games do gênero.
Conhecer o nome de cada integrante da família e se interessar pelas tramas secundárias do relacionamento familiar deles é um charme literário a mais no jogo, que remonta a um D&D como se fosse escrito pelo Tolkien. Todos os personagens têm atributos e armas que lembram os clássicos RPGs de mesa, mas com um narrador contando cada situação familiar e pontuando o avanço dentro do jogo, seja descrevendo o cenário, alguns monstros e até os mini-games que aparecerão aleatoriamente nas dungeons.
No decorrer da história principal, que mais parece um livro jogável, encontramos também o pai John, paladino de escudo e espada passo-largo; a filha Linda, que atua como um Legolas; o caçula Kevin, que tem jeito de hobbit, mas habilidades de assassino furtivo; e Mark, o monge lutador de Kung Fu. Eles vão entrando pouco a pouco na história na medida em que o jogador avança nela, bem como outros integrantes que fazem o papel de maga e tanker.
Indo além do conhecido, temos um sistema interessante de evolução que vai além do clichê de matar, ganhar experiência e desbloquear habilidades individuais. Poderes familiares são conquistados individualmente e afetam os demais integrantes, permitindo a construção de uma árvore de técnicas que ajuda os personagens de nível mais baixo a evoluírem melhor. As partidas tendem à repetição, assim como em Sundered e Dead Cells, mas morrer faz parte do progresso e, a cada renascer, o jogador mantém as conquistas da campanha.
Habilidades familiares são conquistadas individualmente e afetam os demais integrantes do grupo, com charme literário que remonta a um D&D escrito por Tolkien.
O jogo é baseado em aventuras em gungeons de vários tipos, seguindo o mesmo padrão para todas as fases, que são divididas em duas ou mais partes. Sempre iniciamos em uma câmara segura e, acionando portas de pedra, acessamos cada subdivisão de masmorra, com suas hordas de inimigos que não dão colher de chá se você tem o nível baixo ou está apenas jogando casualmente.
Children of Morta é um jogo difícil, que requer pensamento estratégico de combate em tempo real graças à genialidade do sistema de cada personagem. A mecânica é simples e efetiva, e quando somada aos ataques primários, secundários e esquiva ligada ao fôlego, traz aquela emoção de se enrascar sozinho enfrentando situações que você acredita já ter dominado antes.
Para auxiliar os desbravadores, o game permite muita ajuda mágica e tem técnicas passivas e modos de ativação de personagem com suas particularidades,além de mecânicas ativas e bençãos rúnicas que lembram um pouco God of War. Antes do nível 10, é possível que você já tenha desbloqueado diferentes habilidades nos pequenos altares, seja por si mesmo ou um parente, permitindo o uso pelo elo familiar. Só fique atento, pois a barra de poder esvaziar rapidamente durante um enxame de inimigos e o cooldown das magias é demorado, por isso, pense bem antes de usar todo seu potencial indiscriminadamente.
Voltando a falar da arte maravilhosa, um pixel art simples nos personagens, mas que mescla perfeitamente com os cenários e o tipo cruel de aventura que Children of Morta quer retratar, com muito sangue e evisceramento, além daquele ar de terror e crueldade muito comum em livros de fantasia medieval, que remetem a tempos cruéis de sobrevivência do mais forte. A trilha sonora é maravilhosa e os efeitos especiais originais, somados à voz do narrador, te colocam em um conto interativo digno da mais refinada literatura fantástica. As magias e iluminação são de um bom gosto ímpar na composição, com muita variedade de tons e detalhes, enquanto as legendas em português ajudam a entender a história.
Apesar de as dungeons parecerem sempre as mesmas, só com mudanças nos detalhes de decoração e aparição de novos inimigos, você não vai enjoar, pois o ambiente é gerado aleatoriamente a cada partida, com muita personalidade. Isso sem falar nos encontros aleatórios de salvamento de refugiados e o fato de cada subdivisão de masmorra ter uma construção original de cenário, onde o único problema são as gerações de “rua sem saída”, muito comuns em jogos procedurais.
Partindo de um lugar comum e fazendo referências óbvias para quem já gosta do assunto, Children of Morta é uma recompensa multicultural para quem gosta de RPGs, literatura fantástica, filmes, séries e outros games do gênero. Os gráficos e sons são estupendos, com história leve e agradável de seguir, progresso e desafio divertidos que mesmo, quando se morre muito, não enjoam. E ainda há aquele quê de apego fácil a uma família de lutadores tão afetivamente retratados.
Com a possibilidade de dois jogadores simultâneos e rodando até em configurações mais modestas de computadores, Children of Morta é um novo clássico indie que vai marcar o coração dos gamers e ser uma referência eterna para jogadores e criadores, por utilizar de fatores conhecidos de forma criativa e garantir seu lugar ao sol, mesmo que um sol corrompido pelas trevas da maldade!
O jogo foi testado no PC, em cópia cedida pela 11 bit studios.