Eu não sou exatamente um fã de quadrinhos. Minha experiência com as páginas coloridas, tirando as revistas da Turma da Mônica, se resume a eventos especiais como “A Morte do Superman” ou os crossovers meio estranhos de Marvel contra DC. No caso de “Powers”, conhecia a influência de Brian Michael Bendis para o meio, mas não necessariamente sua obra. Meu único conhecimento prévio aqui era o seguinte: eu sabia que, com a série, a Sony estava querendo sentar na mesa do popularzão da escola, amado por todos e que atende pelo nome de Netflix.
A série estreou em março, e vem tendo episódios semanais lançados para os assinantes da PlayStation Plus. No Brasil, acessar o show dá um pouco mais de trabalho e exige proxies ou o uso do sistema de testes do PS Vue, o sistema de televisão sob demanda da Sony que também é exclusivo para os americanos, como o próprio seriado. O trabalho pode não valer a pena, a não ser que você se encaixe em um de três grupos: o dos fãs de Bendis (ou de Powers), os que gostam de coisas de graça ou, então, que querem conferir a primeira empreitada da companhia no mundo da produção de conteúdo exclusivo.
Não é como se a Sony fosse uma novata nesse sentido, claro. Estamos falando da empresa responsável por longas como ambas as franquias do Homem-Aranha ou neoclássicos como “A Rede Social”, por exemplo. E é justamente isso que chama a atenção de forma negativa logo no primeiro episódio de “Powers” – a série é didática e fraquinha, algo que não é exatamente esperado de uma empresa que já tem larga experiência nesse jogo.
A explicação dada aqui é, sem exagero, praticamente a mesma que você vai receber no começo do show: vamos seguir os passos de Christian Walker (Sharito Copley), o antigo Diamond, um ex-herói que perdeu os poderes e, agora, passa a atuar em uma força policial de baixa relevância, dedicada justamente a lidar com os “Powers”, como são chamados os indivíduos especiais. Logo de início, ele perde seu parceiro em uma cagada gigantesca, ganha uma nova, e começa a investigar crimes que parecem relacionados a inimigos de seu passado.
É o enredo clichê, do policial devastado e negativo, acompanhado de um sangue novo e lidando com problemas que doem fundo na alma. Não é nada inédito, e nem seria um problema caso a ideia toda não fosse apresentada de forma igualmente clichê quanto a trama realmente é. Aqui, não se trata de incompetência, mas sim, falta de vontade de inovar, uma tentativa de jogar seguro e garantir que a série seja digerida facilmente por todos os públicos, mesmo se tratando de um show voltado para a galera dos games, baseado em quadrinhos e com temática essencialmente nerd.
Heróis de carne, osso e libido
O que diferencia “Powers” de outros títulos já conhecidos como “Heroes” ou aquele filme de nome parecido,”Heróis”, é a pegada sexual e adulta. Não se anime, não estamos falando de peitinhos a todo momento na tela, mas sim, de uma abordagem um pouco mais madura. Afinal de contas, temos superseres do mundo real, com desejos, vontades e que, mesmo sendo os “mocinhos” como a maioria de nós, cometem suas contravenções e pequenos (ou grandes) desvios de caráter.
É tudo isso, claro, deriva diretamente dos poderes adquiridos por eles, que podem ser passados por meio de fluidos e contatos mais íntimos para os “wannabes”, como são chamados os que querem ser como os seres especiais, tenham eles habilidades ou não. A partir daí, surge um jogo de intrigas, inveja e até mesmo segregação, que traz uma camada mais profunda e, infelizmente, não tão explorada nos episódios iniciais.
No centro de tudo isso está a Calista Secor (Olesia Rulyn), que não tem pudores de declarar, logo de início, que se aproxima sexualmente dos poderosos para ver se suas próprias aptidões especiais não despertam no processo. É ela o principal ponto de identificação com quem assiste, capaz de transitar entre o bem e o mal como se estivesse sendo um peão nas mãos de ambos os lados. Parte de um plano? Talvez. Inocência? Com certeza, não. A personagem é complexa e, assim como suas roupas vermelhas destoam do resto do cenário, ela também passa longe de qualquer tipo de concepção que se possa ter.
Se nós não somos perfeitos, porque os “Powers” deveriam ser? Apesar de suas particularidades nada sensíveis, eles também são seres humanos, até certo ponto. É aqui que está o grande conflito, pelo menos em minha singela opinião, que passa acima de qualquer jogo de gato e rato, ou policia e bandido, que a série acaba entregando nos primeiros capítulos. Felizmente, não vemos aqui, também, o maniqueísmo tradicional desse tipo de show, o que é um ponto positivo e faz com que aqueles que forem agradados pelos episódios iniciais prossigam em busca de mais profundidade e nuances, que são apenas pinceladas neste começo.
Um visual nada especial
Outro aspecto que também merece melhoras, estas mais difíceis de serem implementadas do que quando falamos de roteiro, é o aspecto técnico de “Powers”. Mais uma vez, esperava-se mais da Sony em termos de efeitos visuais e direção; o que acontece é o inverso, e mais uma vez temos a empresa jogando seguro e fazendo o que está escrito na cartilha, sem tentar ir além.
A câmera é pouco inspirada, tirando pouqíssimas exceções, e os momentos em que os poderes são utilizados aparecem de forma pouco espetaculosa. De um lado, isso é bom, pois dá uma aparência crua e de mundo real à coisa. Por outro, manda mal em situações mais épicas que, aparentemente pelo mesmo motivo, a série deixa de mostrar por mais do que poucos segundos e evita abordar logo de início. Eles serão necessários, em algum momento, e podem acabar deixando a desejar.
É uma situação que lembra a do Netflix em seus anos iniciais. As primeiras séries da plataforma, como “Lilyhammer”, por exemplo, passaram longe de terem o apelo e os aplausos da crítica e do público como vemos hoje com “House of Cards” e “Orange is The New Black”. Com o tempo, as produções evoluíram e, principalmente, a empresa percebeu que o público queria mais, e entregou exatamente isso a eles.
E é justamente isso que esperamos que aconteça não apenas com “Powers”, mas com toda a produção original da plataforma PlayStation. O que temos por enquanto é a Sony colocando o pezinho na água para sentir se ela está gelada ou não. A esperança é que, em breve, tenhamos shows variados, com abordagens mais profundas e, principalmente, produção mais apurada.
O problema maior a ser enfrentado, aqui, é que a produção original do PlayStation parte já como retardatária. O público está mal-acostumado com conteúdos de qualidade, e agora, a Sony precisa correr em alta velocidade para percorrer um caminho que rivais como Netflix e Amazon fizeram trotando. Caso a empresa consiga, todos têm a ganhar, afinal de contas, o lançamento de séries de qualidade sempre é uma boa notícia.
Oficialmente, “Powers” ainda não está disponível para o público brasileiro. Em contato com o NGP, a assessoria da Sony informou não ter previsão de lançamento por aqui.