O mercado de games tem tendências cíclicas, com estilos que vêm, assumindo grande proporção e angariando milhões de jogadores, e vão, sendo substituídos por outros igualmente gigantescos. E Cliff Bleszinski, pelo menos, era alguém acostumado a estar nesse tipo de vanguarda. Esse passado, assim como muitas ondas do setor, porém, parece ter ficado efetivamente para trás.
Não há muitos anos, Bleszinski era um dos designers mais prestigiados do mercado ocidental. Não à toa. Depois de Jazz Jackrabbit, que levou seu nome ao conhecimento de muita gente, ele foi um dos homens por trás de Unreal Tournament, um game que mudou para sempre a cara dos jogos de tiro, focando na jogatina multiplayer em uma época de conexão discada, e exercendo uma influência que é vista até hoje.
Sete anos depois, veio mais um nome de peso, Gears of War, que deu uma nova cara aos shooters em terceira pessoa, bebendo de fontes como Resident Evil 4 e, depois, vendo a própria franquia da Capcom se inspirar nele. Os anos passaram, novas sequências foram saindo e Bleszinski acabou deixando a Epic Games, fundando seu próprio estúdio e prometendo mais títulos ambiciosos e marcantes. É aí que a realidade entra em ação.
O cotidiano de um designer não é nada fácil, e quanto menor a equipe, maior a necessidade de atenção e o tempo necessário para lançamento. Com LawBreakers, de 2017, a ideia era beber da fonte dos hero shooters, um gênero tão bem representado por Overwatch e, praticamente, dominado por ele, com outras propostas morrendo na obscuridade. Sua desenvolvedora, a Boss Key, demorou para entrar nessa onda, e agora, com Radical Heights, parece fadada a cometer o mesmo erro.
Liberado em Early Access no Steam nesta semana, o game segue a fórmula de sucesso atual e investe no estilo Battle Royale. Caso você esteja dormindo, se trata de um jogo multiplayer em que vence o último jogador ou equipe a sobreviver no mapa, após a morte de todos os outros. Os personagens chegam aos cenários sem nada e, além de lutar entre si, ainda devem vasculhar os locais em busca de armas e suprimentos.
É uma fórmula que funcionou como ouro para PlayerUnknown’s Battleground, precursor e ainda um dos maiores games do gênero, e aprimorada por Fortnite, da Epic Games, com ambos se tornando um verdadeiro fenômeno. Agora, outros nomes tentam aproveitar esse hype para lançar suas novas versões, algo que, por si só, já faz com que Radical Heights acaba tendo menos destaque, constituindo mais um nome em uma multidão.
Ele é free-to-play, é verdade, mas até aí, Fortnite também é. Para se diferenciar, então, a Boss Key investe em algumas mecânicas diferentes, como um sistema de progresso consistente e com dinheiro transmitido entre partidas, uma cara de game show com itens especiais e algumas surpresas pelo mapa, mas, acima de tudo, uma estética oitentisca que deveria dar a Radical Heights uma cara especial.
O que se vê, porém, é que há pouco, aqui, para que os jogadores troquem ideias já solidificadas e populares pelo novo game de Bleszinski, um nome que, apesar do peso, não impressiona quando o título apresentado está aquém das expectativas.
A diferença entre “cru” e “não finalizado”
O sistema de Early Access do Steam veio como uma mão na roda para desenvolvedores independentes, principalmente. Eles podem lançar suas propostas ao mundo antes da finalização da produção, inclusive, angariando fundos para terminar esse trabalho da melhor maneira possível. Existe, porém, uma grande diferença entre esse tipo de “prévia” de um projeto e uma versão mal-acabada.
A versão de Radical Heights liberada na plataforma e exclusiva para PC se encaixa nessa segunda categoria. O primeiro sinal disso é a falta de texturas em itens e paredes, com prédios parecendo grandes caixas cinzas, muitas vezes, sem nada dentro. São cenários enormes e cheios de salas iguais, sem nenhum loot para ser coletado, um desperdício de tempo em um jogo em que tem vantagem aquele que se armas mais rapidamente.
Bleszinski até avisou, pelo Twitter, que diversos elementos visuais estariam faltando no game, mas que a versão liberada é plenamente jogável. Uma meia verdade quando o jogador percebe que o sistema de colisão ainda é bem esquisito, não detectando bem a proximidade entre o jogador e os itens, muitas vezes impedindo que eles sejam coletados. Atirar nos inimigos e vê-los não sofrer dano dá raiva, mas também alívio quando o mesmo acontece com a gente.
E o que falar sobre os controles das bicicletas, outro dos diferenciais de Radical Heights? Em meio ao tiroteio e à tensão, surgem corridas que nos levam em busca de loots especiais, mas chegar até lá será uma tarefa complicadíssima quando o veículo, simplesmente, não responde bem aos controles. Andar com o parceiro na garupa, um atirando e outro controlando a bike, pode ser divertido, mas pelo menos durante nossos testes, não conseguimos fazer o multiplayer online para duplas funcionar.
O sistema de progressão, outra das marcas de Radical Heights, porém, funciona bem. Como em todo jogo free-to-play, é claro, ele também permite o uso de dinheiro de verdade para compra de itens, e como em todo título honesto que adota essa pegada, restringe a utilização de notas a itens cosméticos. Na edição gratuita, pelo menos nesse início, são poucas opções de customização, enquanto todos os artigos são bastante caros para aquisição com créditos do próprio game.
É curiosa, ainda, a ideia de coletar tais itens pelo cenário, outra ideia emprestada de PUBG que Radical Heights leva adiante. Afinal de contas, quem nunca encontrou aquele sobretudo maroto no game de Battle Royale e ficou com vontade de tê-lo para sempre? No game da Boss Key, isso é possível, e uma vez localizados no mapa, os artigos ficam disponíveis para compra, independente da escolha de moedas feita pelo jogador.
Merecem destaque, ainda, outros aspectos que adicionam a fórmulas conhecidas, como as zonas perigosas mutáveis, que se alternam não apenas de forma a aproximar os jogadores, mas também prejudicar eventuais estratégias; os totens de compras de armas a la Call of Duty Zombies e um item que gera barulhos de disparos e podem ser usados em estratégias de dissimulação de adversários.
Apenas boas ideias que levam além dinâmicas já existentes, porém, não são suficientes, principalmente quando estamos diante de um game que claramente ainda exige trabalho. Novamente, estamos falando de um título em acesso antecipado, com lançamento previsto para abril de 2018. O lançamento de Radical Heights desta maneira, porém, é um sintoma claro de correria.
Não coincidentemente, o anúncio e liberação chegam em um momento delicado para a Boss Key, logo após a admissão do fracasso de LawBreakers, que acompanhou a recusa de uma solicitação constante dos fãs para que o game se tornasse gratuito. Ao liberar Radical Heights desta maneira, a produtora não apenas ignorou os anseios de uma comunidade pequena, mas fiel, como tenta atingir uma nova parcela de público, sem ter as armas corretas para isso.
Fazer previsões sobre jogos de serviço e foco online sempre é complicado, pois só Deus sabe como o mercado vai estar daqui a um ano – vale a pena lembrar que Fortnite nasceu como algo bem diferente antes do absurdo sucesso atual. Porém, levando em conta a versão de acesso antecipado de Radical Heights e as perspectivas apresentadas para ela, dá para afirmar, com certo grau de assertividade, que a Boss Key, atualmente, se arruma apressadamente para uma festa que já começou há algum tempo e para a qual ela, inevitavelmente, vai chegar bem atrasada.
Convenhamos, a estética oitentista, com os tons de roxo, arcades e os moicanos coloridos já estão mais do que saturados, nem de longe constituindo um motivo de atração e diferencial. Enquanto isso, o estado cru e mal-acabado do título deve afastar muita gente, nem mesmo fazendo com que as boas ideias e efetivos destaques, mesmo não sendo tão fortes assim, apareçam como deveriam.
Acima de tudo, em seu novo game, a Boss Key parece sofrer de uma falta de direcionamento, sob a tutela de um maestro que parece ter perdido a mão. Depois de LawBreakers e seu resultado aquém do esperado, muita gente esperava o que Bleszinski aprontaria na sequência. A realidade, como dito, entrou em ação. Não parece que vai ser desta vez. Quem sabe na próxima.