Para todo lado, é gente gritando. Você tem um YouTuber berrando no seu computador, um site sensacionalista afirmando que tudo foi para a casa do cacete e o Leão batendo na sua porta querendo morder a sua jugular. Tudo porque você comprou aquele mísero joguinho mais barato no Play Asia.
Calma, não é assim, e boa parte das informações que você tem encontrado soltas aí pela internet são, pelo menos, um exagero gigantesco. O que também não significa que as coisas estejam boas e tranquilas. Comprar no exterior já foi melhor, muito melhor. Ainda dá, mas está ficando cada vez mais difícil.
Não estou aqui para bater de frente com a informação passada por ninguém, nem para contradizer o que outros veículos tem dito – muitas vezes, com sensacionalismo e tom de voz bastante elevados. Mas a verdade é que tem muita gente desinformada sobre como tudo funciona, algo que poderia ser resolvido rapidinho com uma busca do Google. Eu vou fazer isso para você e apresentar aqui as informações, mas sem coisas complicadas como números de leis ou transcrições de decretos.
Vamos por partes.
A Receita Federal está cobrando imposto em tudo?
Mais ou menos. Com exceção de livros, que são isentos de impostos por lei, a Receita Federal está autorizada a fazer isso. Todos os pacotes internacionais que chegam ao Brasil estão sujeitos a fiscalização, abertura e tributação por parte do governo, que só os libera para entrega após esse processo. E todos estão sob um regime simplificado: a cobrança é feita em 60% do valor do produto e do frete, e em alguns estados, rola ainda ICMS em cima. Não importa a categoria do item, essa é a regra.
Ênfase na palavra todos aqui, já que ela serve para destruir duas lendas. A primeira é a que diz que pacotes marcados como Presente (Gift) passam direto pela Receita Federal. Mentira. Como eu disse acima, qualquer pacote está sujeito a tributação, mesmo aqueles marcados desta maneira.
Outro mito, ainda mais forte, é o da isenção de imposto em pacotes que custaram menos de US$ 50. Isso vale apenas para envios entre pessoas físicas. Se um amigo seu te mandou um jogo lá dos Estados Unidos e pagou menos do que esse valor, está tudo bem. Agora, se você comprou um título no Play Asia por US$ 30, é uma loja te mandando o pacote, e não um indivíduo. Sendo assim, incide imposto também, e ele pode ser de 60% do valor.
O que acontece atualmente é que, com a explosão de sites como Ali Express e Deal Extreme, os brasileiros estão cada vez mais comprando coisas no exterior como forma de fugir dos preços altos que são cobrados por aqui. Quando a Receita Federal viu, o volume de encomendas importadas já era absurdo e, claro, quis comer uma fatia disso, como todo bom órgão público.
Chegamos então, à situação atual, onde uma pessoa que recebe um pacote comprado há menos de dois meses é considerada sortuda. Hoje, também, são comuns as encomendas que nunca chegam ou as que demoram mais de três meses para serem liberadas. A ideia da Receita é tributar mais, só que ela não tem gente suficiente para fazer isso. O resultado disso é que quase tudo acaba retido, enquanto o órgão tenta fiscalizar e taxar as compras uma a uma.
É assim que chegamos a uma notícia que causou muita gritaria pela internet afora, a de que os Correios estariam montando armazéns em Miami, nos Estados Unidos, e Hong Kong para tributar encomendas diretamente na fonte. Além disso, há uma segunda informação, a de que a Receita estaria preparando, para o ano que vem, um sistema informatizado de taxação que vai exigir menos trabalho manual dos fiscais e aumentar o volume de impostos arrecadados das encomendas.
A ideia, na teoria, funciona. Os armazéns e o novo sistema vão permitir que as mercadorias sejam taxadas de forma automática e direto na fonte, sendo assim, chegando mais rapidamente às nossas portas. Mas a verdade é que todos já sabemos muito bem o que vai acontecer: o volume de tributos cobrados vai mesmo aumentar, mas a velocidade de entrega, não.
Mas, acima de tudo isso é que está a questão primordial. Até bem pouco tempo atrás, era possível receber diversas encomendas isentas e taxações eram raras. A questão é que nada está mudando, e a situação do passado tinha mais a ver com uma inabilidade da Receita Federal em lidar com o volume de encomendas do que por algum direito adquirido pelos cidadãos. Amigo, você não está sendo lesado. O Leão podia taxar todo mundo, e continua podendo, só que antes, não era capaz de fazer isso.
Normas e uma bela sacanagem
Alguns padrões regem o que a Receita Federal pode ou não fazer com a sua encomenda. Por mais que todas as caixas vindas do exterior contenham uma nota fiscal, na parte de fora, com o tipo do produto e o valor pago, além do frete, os fiscais estão autorizados a abrir o pacote para verificar seu conteúdo, caso desconfiem que o que está escrito ali não é verdade.
Eles também estão autorizados a realizar a tributação com um valor diferente, determinado por eles, e que deve vir discriminado na nota de taxação, da qual vou falar no próximo post dessa coluna. Em teoria, caso desconfie do valor pago de um produto, o agente da RF deve pesquisar na internet para encontrar produtos de valor equivalente e, assim, cobrar de acordo com eles. Mas na prática, eles acabam fazendo o que dá na telha mesmo.
Por outro lado, esse processo não pode levar mais do que três meses. Esse é o prazo máximo pelo qual uma encomenda pode ficar retida na Receita Federal e, passado isso, ela deve ser encaminhada para a casa do cliente, tenha sido taxada ou não. É justamente isso que vem ocasionando a demora atual nas entregas.
Em uma tentativa de taxar tudo, a Receita Federal retém todos os pacotes, só que não dá conta. Aí, de tempos em tempos, libera centenas deles que estavam parados por lá aguardando fiscalização e todo mundo recebe suas compras de quase quatro meses antes ao mesmo tempo. E aí as portas se fecham de novo.
Desde junho, porém, uma nova regra passou a vigorar. Agora, os Correios podem cobrar uma taxa de R$ 12 pelas encomendas tributadas, além do valor do imposto em si, pelo que eles chamam de “despacho postal”. Nem o próprio órgão é capaz de explicar exatamente o que isso significa, mas de uma coisa ele sabe com certeza: seu pacote só será liberado se você pagar.
Sim, é isso mesmo que você entendeu. Ao comprar um produto no exterior, você já paga o frete, que em teoria, cobre as despesas de remessa. Além disso, deve pagar o imposto aqui no Brasil. E agora, mais uma taxa pelo serviço realizado ao longo de mais de três meses em que sua encomenda ficou parada em depósitos da Receita Federal. Muito bom.
Nem pense nisso, brasileiro
A indústria nacional – também sofredora dos altos impostos do nosso país – vinha sendo vítima constante das importações. Então, o governo fechou a torneira. É hora de taxar tudo e enforcar os fãs das importações, não para cumprir a lei, mas sim, fazer com que as compras no exterior não sejam mais uma opção e, acima de tudo, causem mais dor de cabeça para os consumidores.
Nos artigos anteriores, falei sobre bons motivos e maus motivos para comprar no exterior. Aqui temos mais uma grande razão para não fazê-lo, mas nesse caso, não tem a ver com diferença de preços ou incompatibilidades com consoles, e sim, com o protecionismo do governo.
No próximo artigo dessa coluna, vamos falar sobre a parte mais prática da coisa e explicar como tudo funciona quando você é tributado. Apesar da balança sempre pender para o lado mais forte, existem algumas coisas que podem ser feitas caso você seja tributado de forma exorbitante. Fique ligado.