Criar do zero um jogo e transformá-lo em um clássico de uma geração dificilmente é intencional. Demon’s Souls foi o rascunho – no melhor dos sentidos que a palavra possui – mais bem produzido que um futuro título poderia ter. Foi algo que estava além de um esqueleto básico, era uma estrutura já totalmente formada, criando-se um gênero. Assim, para que seu sucessor espiritual fosse catapultado para um ícone absoluto, seria necessária uma pitada extra de piedade no gameplay, preenchido com uma grandiosa e confusa história.
O primeiro Dark Souls representa não apenas um jogo difícil, ou injusto para alguns e maldito para outros, mas também uma nova forma de contar uma história nos video games. O jogo nasceu como um clássico quase instantâneo e um exemplo a ser seguido de como juntar gameplay e ambientação, onde tudo, dos detalhes do cenário às peças mais mundanas dos equipamentos e itens, são importantes e dignos de análise para compor a experiência.
A concorrência que o primeiro Dark Souls representa para os novos títulos da From Software é tão avassaladora que, até hoje, sua sequência imediata, Dark Souls II, sofre com esse cargo ingrato. O terceiro título da franquia também acaba carregando esse peso em tentar se sobressair perante algo tão bom. Teve sucesso, mas, dessa vez, com algumas ajudas importantes.
Dark Souls 3, desde o seu início, deixa bastante claro que não terá misericórdia do jogador.
Antes de seu lançamento, com os vídeos de gameplay revelados e apenas no olhometro, vários jogadores “xingaram muito no Twitter” sobre a semelhança da jogabilidade do novo Dark Souls com Bloodborne, afirmando com veemência que um seria cópia de outro. E, naturalmente, estavam completamente errados.
Excluindo a forma vinda do Demon’s Souls, ambos são games bastante distintos. Até mesmo nos gráficos essa disparidade é apresentada, em parte pelo avanço do conhecimento das capacidades dos consoles da nova geração e, outra, por causa do “sempre marrom” mostrado na ambientação vitoriana e exaustiva de Bloodborne. Dark Souls III, no entanto, possui uma grande diversificação de cenários, todos muito bonitos, bem detalhados e importantes no aprofundamento da própria história.
Além disso, no que tange a narrativa, ao ter assumido que Dark Souls II ficou aquém do desejado pelos fãs, a opção escolhida pela produtora foi não o ignorar por completo, mas utilizar pequenos detalhes do segundo game, e mergulhar na famosa lore do primeiro jogo e trazer o desfecho desse épico retalhado.
Um dos inconvenientes de Dark Souls II foi a mudança do botão de pulo, na qual, anteriormente, sempre foi o mesmo de correr. No entanto, ele poderia ser configurado, voltando para o habitual. Mantiveram, por padrão, essa mudança estranha no terceiro jogo, com direito a uma área específica para alterar o botão de pulo para o que sempre foi utilizado. Passado esse acerto, o jogo segue com a herança de Bloodborne, levando em conta que a precisão dos movimentos é sempre necessária ao jogo. Tudo funciona com perfeição, e o que o personagem faz ou, infelizmente, deixa de fazer, sabemos exatamente o porquê e como.
Dark Souls 3 é um primor aos olhos, sem quedas de framerate ou qualquer travamento, contudo, todo esse esforço é notado pelo barulho que o videogame reproduz nas áreas de maior intensidade.
Apesar disso, Dark Souls III, desde o seu início, deixa bastante claro que não terá misericórdia. Os golpes das criaturas logo do início da campanha são feitos para tirar a maior quantidade de vida possível, atacando em bando se necessário e flanqueando o jogador. O cuidado para tentar manter-se vivo segue do início ao final, como se o próprio título não quisesse que a campanha terminasse.
O aprimoramento das armaduras, uma novidade inclusa no segundo game (que, pessoalmente, me agradou pela lógica) foi descartada em Dark Souls III. Contamos apenas com os sets definidos para a proteção, além dos anéis que elevam a resistência a elementos e aprimoram as estatísticas e, claro, a própria malemolência do jogador. E mais nada.
Em termos de jogabilidade, uma ferramenta bastante útil para fazer frente aos adversários mais poderosos, a grande novidade de Dark Souls III está nas habilidades presentes em cada uma das armas e escudos. Ao pressionar de um botão, o personagem entra em formação com a arma que estiver em mãos, podendo desferir um ataque especial que consome a barra de Magia ou Habilidade, acrescentando mais estratégia ao combate.
A narrativa de Dark Souls II não foi totalmente ignorada. Porém, o mergulho é na famosa lore do primeiro, com o desfecho desse épico retalhado
A trilha sonora de Dark Souls, desde o seu início, sempre prezou pelo tom épico para conduzir os jogadores e mostrar a grandiosidade da história contada. Em seu desfecho, a franquia conta com músicas magistrais, principalmente no combate contra os bosses, que vão num crescendo até o ápice, geralmente na parte onde o chefe está inacreditavelmente agressivo e querendo manter-se vivo tanto quanto o jogador.
E sobre os gráficos. Anteriormente, precisávamos da Humanidade para sair do estado de Hollow, ou Vazio. Agora, devido à condição do personagem, o Inacesso, ou Unkindle, por fazer parte dos seres das cinzas que compõem a lore desse terceiro jogo, nos faz utilizar os Braseiros, que “acendem” o personagem, deixando-o “em brasas”. Os detalhes desse efeito, junto ao cenário responsivo e repleto de partículas por todo lado, conseguem transformar Dark Souls III num primor aos olhos e sem quedas no framerate ou qualquer travamento. Contudo, todo esse esforço é notado pelo barulho que o video game reproduz nas áreas de maior intensidade, por vezes querendo levantar voo.
Unindo gráficos e trilha sonora, ressalto a incrível batalha contra Yhorm, O Gigante. Ao chegar a menos de 50% de vida, quando em fúria, o chefe e o cenário em seu entorno produzem centelhas e nuvens de fagulhas, em um combate épico enredado numa das melhores músicas orquestradas da série Souls.
E, enfim, terminando o jogo, ele não te manda imediatamente para NG+ de forma abrupta como feito em Bloodborne. Haverá a opção de permanecer na partida vigente, deixando o jogador explorar o que estiver faltando.
Hidetaka Miyazaki afirmou certa vez, em entrevista, que o gênero narrativo de seus jogos é referencial às histórias inacabadas, ou pela metade, que lia quando criança, assim ele preenchia os espaços em branco com as ilustrações e a própria imaginação. Porém, mesmo sabendo que muitos jogadores podem ter iniciado seu percurso em Dark Souls direto pelo terceiro, Miyazaki manteve o estilo, dificultando a vida de quem nunca ouviu falar na saga.
Levando em conta que Dark Souls III é uma sequência direta dos dois primeiros games, a narrativa do segundo não foi totalmente ignorada, havendo alusão à sua história. Entretanto, toda a base é construída nos acontecimentos da guerra de Gwyn, O Primeiro Lorde, contra os Dragões.
Assim que o Nameless King avança sobre o dorso do seu aliado dragão, Rei da Tempestade, o jogador descobre que a câmera será o maior desafio.
Em Dark Souls III, o fato primordial da história, o processo de reacender a chama para prolongar a Era do Fogo, se revelou um ciclo. E após inúmeros outros lordes, o Príncipe Lothric, imbuído da tarefa ingrata de sacrificar-se para manter a chama acessa, se recusa, preferindo lançar o mundo numa idade das trevas (numa interpretação minha, na Era dos Homens). E a partir daí, um sino é necessariamente tocado, despertando nosso personagem.
Considerando glitches e outros problemas que já houveram nos jogos anteriores da From Software, em Dark Souls III, excluindo barris que permaneciam flutuando após serem destruídos, algo que foi bastante amenizado na atualização 1.04, eles são basicamente nulos. O jogo está fixado em 30 frames por segundo, sem alterações grosseiras ou extremamente perceptíveis.
Apesar disso, um problema próximo ao final do jogo pode incomodar bastante aos jogadores, principalmente aqueles que não sairiam daquele mundo sem ter desbravado cada sala e vencido cada um dos bosses, mesmo os opcionais. Já dotado da alcunha “chefe mais difícil de Dark Souls”, O Rei sem Nome, ou o famoso Nameless King, atrai todas as atenções para si não apenas por ser o primogênito de Gwyn, mas também por ter uma das histórias mais interessantes desse terceiro jogo e ser um dos chefes que abre o maior leque para indagações sobre o seu passado. A batalha contra ele, entretanto, é tremendamente injusta.
O combate aparenta ser mais um daqueles que o jogador lembrará com um sorriso no rosto, como tantos outros da franquia, mas assim que o Nameless King avança sobre o dorso do seu aliado dragão, Rei da Tempestade, o jogador descobre que a câmera será o maior desafio ali. Existem momentos em que simplesmente não veremos nenhum dos adversários, só descobrindo em que lado estão quando a espada / lança / desgraça de raio desce sobre nossas cabeças, ou então esperar um dano pra lá de crocante durante a baforada, quando não sabemos para qual direção correr.
Sobreviver de forma convincente nessa primeira parte do encontro é crucial para conseguir derrotar o boss, pois quando o dragão morrer, O Rei sem Nome não estará contente.
Hidetaka Miyazaki, criador da série, hoje presidente da From Software, reconhece que a empresa deseja criar coisas novas e desenvolver novas franquias. Um pensamento válido e necessário em ser defendido, senão nunca veríamos jogos além de Crash Bandicoot vindos da Naughy Dog, por exemplo. Mas Dark Souls possui uma base de fãs grande demais para ser deixada de lado, e a cada dia novos chegam graças ao terceiro game, que coleciona prêmios e nomeações nas feiras de jogos, quebra recordes de vendas e ganha notas acima de “9” em inúmeros sites especializados – neste inclusive.
Estes são pontos importantes que deve-se notar. Quero imaginar que ainda jogarei um título inédito da série, dirigido pelo Miyazaki e cheio dos grandes e épicos momentos que esses três jogos me proporcionaram. Porém, nesse meio tempo, ficamos todos nós, fãs da série, sentados em Firelink Shrine, aguardando em volta da bonfire.
O jogo foi analisado em um PlayStation 4, em cópia cedida pela Bandai Namco.