O ano é 2019 e a comunidade mundial dos jogos de luta celebra os vinte anos do lançamento de Street Fighter III 3rd Strike, o último e mais refinado jogo da trilogia, que ainda é a meta dos games mais recentes da franquia. A todos, serem mais próximos de 3rd Strike é possível, mas as comemorações perderam a intensidade, diferente do que aconteceu no aniversário de 10 anos, simplesmente porque os jogos de luta mais tradicionais estão passando por sua segunda crise, muito pior do que a primeira
É algo que parece incoerente, visto que existe uma ótima safra de opções em quantidade, mas pecando em qualidade. Vale lembrar que estamos falando de jogos famosos como Street Fighter e SoulCalibur, enquanto títulos no estilo Battle Royale ganham mais espaço, além de Super Smash Bros. e Rivals of Aether, este último, indie. Antes de analisarmos o que aconteceu, vamos fazer uma retrospectiva para melhor aprofundamento na questão.
Anos 80: Lançamento de Street Fighter
No fim da década de 1980, os games passavam por uma crise, principalmente nos EUA, onde o Atari estava se acabando por causa de ganância e desperdício de oportunidades. No Japão, o Nintendinho 8-bits (Famicon, no nome original) estava despontando com gráficos inovadores e títulos que se eternizariam como clássicos. Nos arcades, a Capcom reinava com Ghost’n Goblins e Final Fight, enquanto primeiro Street Fighter trazia novidades como uma luta de duelo um a um, vozes digitalizadas, aparência de filme de ação, dois Karate Kids mas um sistema nada sólido de combate, caindo no esquecimento até sua segunda versão, a ponto de os criadores serem demitidos. Nessa época o referencial de jogos de luta eram Yie Ar Kung Fu e Karateka.
Anos 90: a era de ouro
Mal começou a década e, em 1991, o mundo recebe Street Fighter II e não sabe como lidar com um jogo tão rápido (na época, hoje é uma luta de lesmas) e divertido, com suas câmeras lentas no K.O. (ou falha de processamento do videogame), duelo estilo japonês (por Rounds/Ippon) e os personagens gritando o nome dos golpes antes de realizá-lo, como nos animes e mangás, sem falar da trilha sonora e efeitos sonoros que definiriam o modo de se fazer jogos de luta por toda a década.
Vários plágios e clones por empresas similares se seguiram e era divertido classificar as franquias seguintes usando o personagem principal como referência: “Ryu de espada, Ryu ninja, Ryu monstro, Ryu de LightSaber, Ryu loiro, Ryu em 3D, Ryu mulher”, que foram suavemente alterados com o passar dos anos. A essência de Street Fighter II estava claramente lá, principalmente entre os rivais orientais, e não é à toa que o grande adversário foi um jogo americano: Mortal Kombat.
O título tinha um viés diferente dos jogos de luta japoneses, tanto graficamente quanto conceitualmente, com gráficos digitalizados de atores reais e muita violência explícita. Ele misturava terror e um sistema de combate baseado em ataques altos e baixos, não por força como nos jogos nipônicos, e técnicas originais nunca antes vistas como congelar oponentes, puxar com arpão e golpes finalizadores, os famosos Fatalities. Claro que Mortal Kombat recebeu sua leva de jogos clonados de gosto duvidoso, incluindo um que traz Jackie Chan e seus filmes chineses, mas sem violência extrema e com um toque de humor.
Essa grande leva de jogos de luta estimulou o mercado e a indústria, fazendo com que novos videogames nascessem, enquanto outros eram melhorados para suportar as qualidades gráficas dos games que se seguiram, principalmente os vindos dos arcades da SNK. A empresa comemorava, a cada jogo, os recordes de Megabytes em suas dezenas de franquias, superando até a Capcom, mas não com o mesmo sucesso, até o lançamento de The King of Fighters 97. O game dividiu a atenção dos jogadores entre os crossovers com a Marvel, Mortal Kombat 3 e Tekken, que havia superado Virtua Fighter com seu segundo jogo. Como Mortal Kombat 4 foi um fiasco retumbante, a rivalidade Capcom e SNK cresceu a ponto de ganharem um crossover no começo da década seguinte.
A febre dos jogos de luta trouxe, como esperado, muitas porcarias e fracassos memoráveis, alguns se tornaram até referência para fiascos como é o caso de Shaq Fu, em que alguém achou interessante colocar um jogador de basquete lutando contra monstros. Pior foi fazerem uma continuação nesta década, mas fiquemos ainda nos anos 1990. O fiasco de algumas franquias não as impediram de continuar, visto que este foi o case de sucesso de Street Fighter. Jogos de luta de todos os tipos foram criados e alguns sobreviveram, mesmo apenas focados nos consoles, como Guilty Gear e Smash Bros., o casual que se tornou uma presença polêmica nos torneios de jogos de luta anos depois.
Anos 2000: Decadência e intervalos
Começando o novo milênio, a comunidade já foi agraciada com a realização dos boatos sobre um crossover entre Capcom e SNK, com o primeiro de dois jogos sendo, resumidamente, Street Fighter Vs. The King of Fighters. Foi o começo das decepções para esta década, com um sistema de jogo simplório, efeitos sonoros e narrador estranhos, salvando apenas os cenários e a iniciativa, pois até a seleção dos personagens escolhidos para se digladiarem não empolga. Claro que na segunda versão ficou muito melhor, mesmo com falta de apelo, com o título servindo de remendo até a chegada do Street Fighter IV. Porém, até esse dia, grandes franquias sumiriam enquanto outras manteriam o hype com a ausência do rei.
Apesar dos fiascos do crossover com a Capcom, que recebeu também uma versão feita pela própria SNK, o próximo passo foram os duelos internos dessas duas gigantes. Tivemos o triste Capcom Fighting Jam, que parecia mais um Mugen, jogo caseiro que mistura sem adaptações gráficas personagens de estilos diferentes e poucas novidades como a personagem Ingrid, úncia sobrevivente do cancelamento do jogo.
Já no outro lado, Neo Geo Battle Coliseum foi feliz em gráficos, jogabilidade, escolha de elenco e até resgatou personagens clássicos, tendo como único problema os loadings grandes para a época e a falta de divulgação. Ele chegou a receber uma versão HD, mas ainda não chegou à Steam como outros jogos antigos da empresa.
No meio da década, tivemos o avanço da saga The King of Fighters tanto em 3D quanto em 2D e o crescimento da Namco com suas franquias de luta, que ganharam bastante espaço devido à ausência de grandes rivais. A empresa chegou fincando seus títulos em todos os consoles da época e inaugurando os personagens convidados de franquias incomuns para seus jogos, tendo um destaque especial para SoulCalibur II, que recebeu Spawn medieval, Heihachi Mishima e Link da Lenda de Zelda, adaptados de forma muito agradável. A fórmula se repetiria em SoulCalibur IV com a presença ilustre de Kratos, Darth Vader e Yoda, mas em um jogo que não agradou tanto, enquanto o quinto episódio foi triste.
No fim da década, as nuvens se dissiparam com o lançamento de Street Fighter IV. Novos ares sopraram no cenário dos jogos de luta e, junto, vieram ótimas surpresas como as novas franquias da Arc System Works: BlazBlue e Battle Phantasia, este último sendo um fracasso esquecível. Um novo crossover da Capcom, desta vez, com o estúdio de animação Tatsunoko, criando o nebuloso e maravilhoso jogo Tatsunoko VS Capcom, gerou muito Hype para os arcades e o Wii como exclusivo, se tornando um tormento para os adeptos do PS3 e Xbox 360, que até hoje esperam uma quebra de exclusividade.
Diferente do colega, Castlevania Judgement é outro exclusivo de Wii, mas uma lástima por não possuir um sistema de combate satisfatório e muito menos competitivo, o novo foco do cenário mundial de transmissão de torneios ao redor do mundo. Na EVO, destaque para jogos de luta que muitos só conheceram na era Street Fighter IV, que duraria outras oito temporadas anuais.
Anos 2010: vacilos e resistência
A década já começa com a tão esperada continuação do crossover mais famoso do mundo dos jogos de luta. Marvel vs Capcom 3 agrada por reviver a série com todos os fatores a favor da franquia: mundo 3D lindamente desenhado, personagens clássicos retornando junto de outros considerados obrigatórios pelos fãs, como Magneto, Storm e Sentinel, mas o destaque ficou com Deadpool, Dante, Chris Redfield e Thor. Outros também viriam na sequência, com uma expansão em menos de um ano com mais personagens icônicos, causando fúria nos consumidores que tinham que comprar outro jogo em vez de uma atualização do primeiro, quando os DLCs já eram uma realidade consolidada.
Em seguida já veio outra bomba: Street Fighter X Tekken era uma realidade e, assim como no título mencionado anteriormente, carregava ótimas surpresas e vacilos de amadores que iam desgastando o título e causando prejuízos para a empresa, preocupando tanto empresários do ramo quanto jogadores, casuais e competidores. É nesse clima que Ultra Street Fighter IV surge com quatro personagens re-aproveitados, a adição de uma nova lutadora na franquia e a decepção: era Decapre, a Cammy de garras.
Esse convívio entre vacilos e acertos foi mantido para empresas como a Warner Bros. e seu Mortal Kombat vs DC, que faz pessoas lamentarem a própria existência até hoje, ou as tentativas de copiarem o sucesso de Super Smash Bros. com Brawhalla, da Ubisoft, ou PlayStation All Stars Battle Royale, um péssimo game apesar da experiência com jogos e os personagens do passado cheios de carisma e com fanbase consolidada, como Parappa the Rapper e Kratos. Pelos menos Brawhalla é freemium…
A grande mudança foi ver a Warner trazendo seus dois episódios de Injustice, com o segundo superando o antigo. Marvel vs Capcom Infinite, enquantoo isso, não trouxe nem uma modelagem decente para personagens chave como Chun Li, Capitão América e Dante, sem falar do grande desfalque de não ter os personagens dos X-Men e outras propriedades da Sony, que só liberou o Homem-Aranha e Venom. Infelizmente, voltamos o foco pra Capcom, a maior produtora de jogos de luta desde 1991, que não conseguiu entre 2016 e 2018 fazer o que mais tem experiência: jogos de luta sólidos, divertidos e balanceados com os personagens mais famosos do mundo!
Street Fighter V foi lançado com um hype gigantesco e até hoje é o evento principal das EVOs, servindo aos fãs com os personagens que eles mais queriam que retornassem, lutadores novos interessantes e um sistema mais fácil de dominar, com viés adequado ao cenário competitivo. Por outro lado, há um grande déficit de organização e conceituação de certos protagonistas, que são considerados inúteis para uso em torneios perto do favorecimento de outros.
Motivos para acreditar
Claro que as empresas e os fãs de jogos de luta não estão chorando em posição fetal ou escorrendo pela porta lentamente em prantos desesperançosos, mas sim, valorizando o que tem de novo e à espera de títulos que tragam de volta a grande empolgação dos anos 1990. É muito estranho que, 20 anos de tecnologia depois, os jogos de luta estejam piores do que na era do perrengue para se criar jogos complexos sem uma engine gráfica.
Certamente o motivo está na ganância de se lançarem jogos de franquias famosas mal acabados ou não terminados, posto que o mercado de games superou o do cinema. O empresariado está certamente opinando onde não devia e tais ressalvas levam o produto final a ser uma grande decepção. Na contramão, temos a Warner lançando Mortal Kombats e Injustices cada vez melhores.
Um dos fatores de esperança está na casa dos fãs: os criadores Indies não desistem e estão criando seus jogos de luta, sejam Beat’em Ups, Versus ou no estilo Smash Bros. A dos “Triple As” está colocando os títulos independentes em um holofote ainda sutil, mas que se consolida cada vez mais.
Além de Rivals of Aether, temos Fantasy Strike, The Takeover, Brawlout e Blade Strangers, que traz personagens de vários jogos independentes como Shovel Knight e Gunvolt. Existem outros jogos de luta em produção, alguns obscuros ainda, mas em 2019 eles vão aparecer, ao lado de atualizações de Dragon Ball FighterZ, com suas dezenas de Goku, e possivelmente um novo The King of Fighters, que certamente sairá após o novo Samurai Shodown, que tem embasbacado multidões com a violência e os gráficos que os fãs pediram tanto.
Pra quem não lembra, a SNK sempre foi ruim em fazer jogos de luta 3D, principalmente Samurai Shodown que, pelo visto ela nunca deixou de lado. A franquia possivelmente foi renascida graças às boas vendas de King Of Fighters 14, pois essa foi a condição do presidente da empresa para que títulos antigos fossem retomados.
Com os relativos sucessos dos produtos lançados após o renascimento, como mangá, série animada e jogos para celular, os fãs esperam que Fatal Fury e Art of Fighting sejam os novos títulos a darem o ar de sua graça, deixando SNK Heroines no passado, apesar de que este não ser um fiasco completo.
Talvez o único jogo de luta que ninguém pode botar defeito é Tekken 7, graças às atualizações feitas da metade da década para cá, com o retorno dos personagens clássicos e os convidados mais inusitados possíveis, um antigo costume da Bandai Namco. Claro que isso não tira a culpa pelo personagem Gigas, mas como basta ignorá-lo, tudo está bem a ponto do torneio de Tekken ter a mesma relevância que a Capcom Pro Tour atualmente. Eu acho que é graças ao Geese Howard e Akuma, mas posso estar errado, já que Negan e Noctis estão presentes pra contrastar com tudo.
É muito cedo para desistir e 2019 ainda tem muitas surpresas para mostrar, além de um possível novo Street Fighter, caso tudo dê certo com a agenda e as vendas. Os rivais medianos estão aí, como Fighting Layer EX e Dead or Alive 6, causando polêmica e tomando a atenção para si, por bem ou por mal.