Sempre que se fala em uma volta de uma franquia antiga, as reações dos fãs se dividem. De um lado, os saudosistas comemoram o retorno de um título passado, mas claro, com a parcimônia que sempre é necessária em situações assim. De outro, está a curiosidade de quem não jogou os games originais, e agora, pode ter sua primeira experiência com eles. Entretanto, sua visão é firmemente conectada aos jogos de hoje, com estilo, ritmo e pegada bem diferentes.
Para as produtoras desse tipo de ressurgimento, atender a demandas tão distintas é uma tarefa hercúlea, na qual, normalmente, se falha. São inúmeros os exemplos de iniciativas que não deram certo, para poucas que funcionaram. O novo Doom, felizmente, se encaixa nessa segunda categoria e entrega exatamente aquilo que os nostálgicos queriam, ao mesmo tempo em que é plenamente capaz de bater de frente com os grandes jogos de tiro da atualidade.
Para chegarmos até aqui, entretanto, foi uma grande caminhada, e é importante lembrar que este jogo, apesar do nome simples, seria o equivalente ao quarto episódio da franquia. E seu terceiro, por si só, já havia sido um ressurgimento, desses que falham em entregar justamente pelas escolhas erradas. Quem jogou deve se lembrar de um game que causava certo terror e que usava muito bem a iluminação para isso, mas que passava longe da ação e do clima dos antecessores.
Para este lançamento, a desenvolvedora id Software decidiu ir para o lado oposto, e no processo, tomou a melhor decisão possível. Doom apresenta o tipo de ação visceral a que os fãs do passado estão acostumados, ao mesmo tempo em que entrega um ritmo acelerado como poucos vistos na indústria. Se você se impressiona com as gigantescas cenas de ação de títulos como Call of Duty ou Uncharted, prepare-se para um FPS que parece ter cheirado uma bela carreira antes de o jogador inicia-lo.
Tudo, em Doom, é uma correria, e no ótimo sentido. Para não morrer, é preciso se movimentar sem parar e dominar com maestria o sistema de troca de armas. Saber qual equipamento é mais efetivo contra cada tipo de inimigo é essencial, assim como dominar rapidamente o layout dos cenários para fugir e atacar da maneira correta. Contra hordas de inimigos, você age sozinho – com um personagem que é temido pelo capeta, é verdade, mas ainda assim, solitário. A desvantagem numérica será um problema para quem não souber lidar com ela, mas também tornará os embates muito mais épicos.
E falando nisso, não existe outra palavra para definir as finalizações especiais de inimigos, uma das grandes novidades desta edição de Doom. É difícil de descrever em palavras a sensação de arrancar o braço de um demônio e usá-lo para terminar de matar o próprio inimigo. É preciso jogar para saber, e descobrir as diferentes formas que o protagonista brucutu tem para acabar com a raça dos oponentes. Isso sem falar na serra-elétrica, que retorna mais sanguinária do que nunca.
Doom apresenta o tipo de ação visceral a que os fãs do passado estão acostumados, ao mesmo tempo em que entrega um ritmo acelerado como poucos vistos na indústria.
Toda essa ação, claro, não combinaria com uma progressão labiríntica e cheia de idas e vindas em cenários potencialmente vazios, como acontecia no original. E aqui, temos mais uma sacada da id Software, que deixou Doom não tão complexo quanto seus antecessores, mas ainda com bastante espaço para exploração, agradando, mais uma vez, tanto os veteranos quanto os novatos acostumados a andarem apenas em linha reta.
Progredir do começo ao final de uma fase não será nada difícil, e por mais que o backtracking ou a exploração dos cenários sejam necessários para obter chaves, por exemplo, o caminho é bastante direto. Quem quiser, por outro lado, pode se perder por eles em busca de enigmas, itens extras, upgrades e até mesmo um simpático bonequinho que garante melhorias. Novamente, tem para todo mundo.
O modo multiplayer também tem uma pegada semelhante, e como já havia sido demonstrado em testes Beta, exige uma movimentação rápida e gatilhos velozes para o vencedor. Mais uma vez, destaque para o modo em que o centro a ser dominado se movimenta pelos mapas, e nunca, jamais, pisque, pois um milésimo de segundo define qual cadáver estará no chão, o seu ou o do inimigo.
Nem tudo, entretanto, sobrevive ao teste do tempo. Mas ao contrário do que aconteceu em seu antecessor, as falhas de Doom não são suficientes para minar a experiência, tornando o título chato ou enfadonho. Temos aqui, por exemplo, uma falta de polimento nas mecânicas relacionadas ao mapa, que continua tão confuso quanto sempre foi, muitas vezes dificultando ainda mais o trabalho de se localizar nas fases, o oposto do que deveria fazer.
Massacrar criaturas do inferno ainda é extremamente divertido, entretanto, em Doom, ainda falta um pouco para deixar aquele sabor inesquecível.
Por outro lado, faz falta um pouco mais de profundidade na trama, com objetivos maiores do que o bom e velho “vá ali matar alguém”. Doom, claro, nunca foi um game reconhecido por seu enredo, mas não seria nada mal ver, nesta renovação, um foco maior nesse aspecto. Por mais que estejamos controlando uma massa muda de músculos, esse mundo é rico e vasto, e com certeza, tem muito a contar.
Ou então, pode ser apenas que eu esteja ficando velho, e a violência pura, apesar de saborosa, não deixe um apelo tão grande quanto antigamente. Massacrar criaturas do inferno e acabar com a raça de monstros da maneira mais visceral e sangrenta possível ainda é extremamente divertido, entretanto, em Doom, ainda falta um pouco para deixar aquele sabor que não se esquece.
O que temos aqui é um game de extrema qualidade, capaz de agradar igualmente e simultaneamente os veteranos e os novatos. E por atender a tantos interesses, nostalgias e expectativas, a id Software já merece uma grande salva de palmas. Os portões do inferno, finalmente, estão abertos novamente. Fica a grande curiosidade, agora, do que vai sair de lá daqui em diante.
O jogo foi analisado no PlayStation 4.