O ano era 1997. Há exatos 18 anos, jogadores do mundo inteiro invejavam os milhões de japoneses que correram às lojas para colocar as mãos no tão aguardado Final Fantasy VII. Produzido pela então SquareSoft, o novo game da popular série não seria apenas mais uma sequência, mas uma revolução dentro da franquia e na própria indústria.
Embora hoje a modelagem pareça bastante rudimentar, há quase duas décadas, aqueles modelos eram o ápice de toda a tecnologia existente. A abertura deixou muita gente boquiaberto e a história de Cloud e Sephiroth trouxe uma profundidade narrativa que ainda era estranha aos video games. Nascia ali um clássico.
Não é à toa que, depois de tanto tempo, Final Fantasy VII ainda esteja na lista de melhores jogos já feitos. E é óbvio que isso faria com que os clamores por um remake se tornassem cada vez mais frequentes. No entanto, apesar dos inúmeros pedidos, a verdade é que não é preciso mexer no que está quieto. Afinal, ele se tornou uma lenda por uma razão e revirar um título que marcou a indústria e que permanece vivo nas memórias de tanta gente seria um crime enorme.
Não mexa no que está quieto
Antes de qualquer coisa, responda: há realmente a necessidade de refazer um jogo como Final Fantasy VII? Pare um pouco e pense sobre a questão. É realmente necessário mexer no que está funcionando bem até agora?
Ao contrário de muitos outros jogos que chegaram na mesma época, o game não envelheceu nada e continua tão incrível quanto há 18 anos. Sua história ainda é profunda e complexa como há quase duas décadas e sua mecânica permanece como uma das melhores de toda a franquia. Então, qual seria o propósito de refazê-lo?
A principal justificativa dadas por aqueles que defendem o remake é exatamente uma atualização visual, já que a tecnologia evoluiu significativamente até aqui e os bonequinhos de biscuit vistos em 1997 podem se transformar em algo tão realista quanto aquilo que vimos em Final Fantasy VII: Advent Children. A demonstração técnica mostrada pela Square na E3 de 2005 mostra um pouco do caminho para onde o remake iria. Mas nós realmente queremos isso?
Apesar de toda a simplicidade do jogo – afinal, era a primeira grande investida da Square nos mundos tridimensionais –, o estilo artístico adotado funciona até hoje. Ele não se propõe a ser realista e nem a colocar detalhes onde não consegue. O resultado disso é que, mesmo com personagens quase sem rosto, o visual do game envelheceu bem e continua mais atraente do que títulos que tentaram ousar demais.
Além disso, esse estilo carrega ainda uma grande dose de inocência ao título, criando um contraste com a complexidade e o peso da trama. Agora tente imaginar como um personagem como Cait Sith ficaria fora desse contexto.
O problema Cloud
No entanto, mais do que uma questão visual, um dos principais problemas de um possível remake de Final Fantasy VII está em seu protagonista. Ao longo desses 18 anos, o status quo de Cloud dentro da mitologia da série mudou drasticamente. Embora ele sempre tenha sido o herói introspectivo — o que combinava com uma época em que era impossível colocar dublagem em um jogo deste porte —, ele nunca foi tão sombrio quanto como ele passou a ser representado mais tarde.
Basta comparar o conceito do personagem em 1997 com aquilo que vimos em outros lugares, como no já citado Advent Children ou mesmo em Dissidia. Nesses dois exemplos, ele se tornou tão sério e fechado a ponto de quase ser outra pessoa. Em Kingdom Hearts, essa postura de “herói revoltadinho que flerta com o mal” é tão acentuada que ele acaba se tronando apenas em um emo chato.
Diante disso, surge a dúvida de como a Square Enix iria lidar com essa nova representação do protagonista, sobretudo em algumas situações do game original. Você consegue imaginar esse personagem sisudo se vestindo de mulher para resgatar Tifa?
Essa mesma cena ainda levanta outros problemas. Retomando o assunto do estilo artístico, o momento que Cloud se transveste para invadir o esconderijo de Don Corneo é algo que funciona exatamente por conta da simplicidade inocente de Final Fantasy VII e que pode causar estranhamento em um remake. A não ser que a própria Square decida fazer piada e colocar uma skin da Lightning nesta cena, a situação se torna ridícula demais para encaixar a nova personalidade de Cloud.
Mexendo na mecânica
Além disso, outro ponto que provavelmente sofreria mudanças no tão aclamado remake seria a mecânica do jogo. Desde Final Fantasy XII a Square tenta reinventar seu sistema de batalha, aposentando o clássico combate por turno para deixar as coisas mais ágeis e em tempo real.
Trata-se de uma evolução natural e seria até sem propósito reclamar disso. No entanto, o ponto é que o estúdio ainda não conseguiu refinar seu estilo Action RPG a ponto de torná-lo tão bom quanto ao que Final Fantasy VII apresentou em sua época. Qualquer um que tenha jogado Kingdom Hearts sabe o quanto a empresa ainda tem problemas para conciliar a ação desenfreada com movimento de câmera e os próprios controles.
É claro que já tivemos grandes avanços nesse segmento, como o próprio Crisis Core: Final Fantasy VII já mostrou no PSP, em que ele misturou o estilo de combate em tempo real com algo próximo da mecânica clássica. Além disso, vale lembrar também que o vindouro Final Fantasy XV, assim como já aconteceu com Lightning Returns, vai deixar os turnos de lado de uma vez por todas e que somente aí vamos ver para onde a série vai mesmo ir — e imaginar como os Limits vão se encaixar nisso.
Se quisermos chutar um pouco mais alto, dá para cogitar a introdução de microtransações em algum momento. Lembra-se da Gold Saucer e todos os minigames envolvendo os Chocobos? Agora pense uma forma de você gastar de verdade com isso.
“Corrigindo” a história
E eis que chegamos no ponto mais delicado do remake. Como dito anteriormente, Final Fantasy VII tem uma das melhores histórias de toda a série — rivalizando sempre com FF VI —, sendo complexa e profunda o suficiente para se tornar atemporal. Você pode revisitar o game quase 20 anos depois de seu lançamento e ainda vai se surpreender com o quanto aquela trama é bem contada e como seus personagens são bem explorados.
Entretanto, isso não evitaria que a atualização do game fizesse algumas alterações no enredo. Isso porque, depois do lançamento de Final Fantasy VII, a Square decidiu expandir aquele universo com outros jogos. Assim, a saga de Cloud contra Sephiroth é apenas um capítulo de algo muito maior.
Deste modo, mais do que simplesmente mexer nos gráficos e na jogabilidade, é muito provável que o tal remake também fizesse mudanças na história para deixá-la mais coesa com Before Crisis e Crisis Core, além de trazer uma ligação mais direta com Advent Children. Se a Square for louca, ela até insere o famigerado Dirge of Cerberus na brincadeira — o que seria pouco provável, na verdade.
O ponto é que, para encaixar o conteúdo desses outros jogos em Final Fantasy VII, muita coisa teria de ser alterada para dar sentido a toda essa salada. E, enquanto uma maior participação dos Turks e da própria Shin-Ra não seja algo tão negativo, dar mais espaço para Zack pode acabar com todo o peso da reviravolta final e até mesmo daquilo que vimos em Crisis Core. Esses dois momentos se tornam marcantes dentro da saga exatamente por conta da forma como foram contados.
Além disso, a Square teria de dar um jeito de introduzir o Geostigma, aquela criançada chata e todos os demais elementos que me fazem torcer o nariz para Advent Children — estou olhando para você Denzel e Kadaj— para fazer com que o filme seja minimamente coerente.
Por favor, deixem o jogo quieto
Ainda lembro do meu primeiro contato com Final Fantasy VII. Eu era uma criança de 8 anos que entendeu muito pouco daquilo tudo. Tanto que eu só fui jogá-lo de verdade mais tarde, dez anos mais velho, e entender o porquê de ele ser um clássico. E, já no início da sétima geração, ele conseguiu ser muito mais incrível que muita coisa que eu havia jogado até então.
O ponto é que, apesar de termos uma tecnologia absurdamente melhor do que há 18 anos, a verdade é que Final Fantasy VII é atemporal. Sua história continua como uma das melhores de toda a série, sua mecânica ainda funciona mesmo quando os RPGs por turno se tornam cada vez mais raros e até mesmo seu visual tem seu charme sem soar datado.
É claro que estamos apenas diante de suposições. A Square Enix não levantou a possibilidade de um remake e nem deve fazer isso tão cedo, mas o medo de ver um clássico ser arruinado existe e todas as questões que citei podem se tornar realidade. Então, se for pra remexer nessa história, que tragam uma versão HD de Crisis Core ou mesmo lancem Before Crisis nesse canto do mundo.
Por fim, vale apenas refletir do porquê Final Fantasy VII continua relevante mesmo depois de 18 anos de seu lançamento. Ele é uma mistura de coisas que simbolizam sua época — o início da tecnologia 3D, todas as possibilidades técnicas do PlayStation e até mesmo um amadurecimento do meio — potencializados com tudo aquilo que é atemporal. Personagens marcantes, um roteiro envolvente e uma mecânica capaz de englobar tudo isso de maneira sensacional. E é por isso que ele não precisa de um remake.
Por favor, deixem Final Fantasy VII em paz.