Estamos passando por um momento em que o passado se faz cada vez mais presente. Em novembro, a nova geração de consoles vai completar seu segundo ano, mas aparentemente, ainda continuamos com raízes fortemente fincadas no passado. São poucos os games que realmente fizeram uso do potencial das plataformas recentes, enquanto a maioria das grandes desenvolvedoras continua presa a lançamentos cross-gen ou, pior, remasterizações de títulos com poucos anos de vida.

Dentre as empresas adeptas dessa prática está a Capcom. Após ver um novo modelo de desenvolvimento de jogos baseado em parcerias com estúdios ocidentais e equipes internas gigantescas fracassar, com jogos abaixo do esperado, a companhia decidiu jogar seguro. Já há alguns anos sem grandes títulos, a desenvolvedora vem investindo em relançamentos e poucos games de alto padrão, sentindo o mercado um passo de cada vez.

Em meio a essa onda, uma decisão foi vista como extremamente acertada – a remasterização de Resident Evil Remake. O título, que há mais de uma década era exclusivo de plataformas da Nintendo, chegou no começo do ano para PC, PlayStation 4, Xbox One, Xbox 360 e PS3 trazendo o tratamento adequado e atendendo a um pedido dos fãs. O resultado? Sucesso de vendas e recordes em termos de distribuição digital, mostrando que entre as estratégias recentes da Capcom, pelo menos esse foco foi acertado.

Isso levou a empresa, claro, a querer mais. E em meio a outros relançamentos como Mega Man Legacy Collection e RE Zero HD Remaster, a desenvolvedora diz querer investir ainda mais em novas versões de games do passado. E é aí que entra o velho pedido dos fãs, que também já tem mais de uma década: o remake de Resident Evil 2, um dos melhores jogos da franquia e também de todos os tempos.

Mudando o passado

Resident Evil

Antes de entrarmos nos motivos da afirmação que dá título a esse texto, é importante relembrar porque a Capcom resolveu fazer, em 2002, um remake do primeiro Resident Evil. Ao contrário do que você pode imaginar, o objetivo aqui não era atualizar o game graficamente, mas sim, dar ao seu enredo um caráter mais envolvente e, acima de tudo, ligado ao futuro da franquia que já começava a tomar ares muito maiores.

A ideia da Capcom com o game original era experimentar com o terror e a jogabilidade tridimensional que ainda era novidade na época, permitindo também que Shinji Mikami, então um de seus principais criadores, realizasse um projeto pessoal seu, na mesma medida em que trazia de volta o velho Sweet Home, game de terror do NES que foi lançado apenas no Japão. Desse bolo surgiu Resident Evil, em 1996, um dos grandes marcos do Survival Horror.

O game apresentava uma história fechada em si mesmo, atuações ruins e, principalmente, pouca abertura para continuações. O sucesso, porém, foi estrondoso e, nos anos seguintes, uma torrente de sequências foi lançada, expandindo a história, aprofundando personagens e levando o enredo que começou como um filme B de terror para ares internacionais, com grandes conspirações e tramas mirabolantes.

A transformação de Albert Wesker em um dos grandes vilões de Resident Evil e a colocação da mansão do primeiro game como o epicentro de algo muito maior, por outro lado, acabou transformando o primeiro Resident Evil em um jogo bastante destacado de sua própria franquia. Muitos elementos de seu enredo não se encaixavam bem com os fatos que se seguiram, e a saga estava prestes a alçar voos ainda maiores, ganhando uma adaptação cinematográfica. Era hora de mudar as coisas e fazer com que tudo se encaixasse.

Nas mãos de Shinji Mikami, o remake de Resident Evil trouxe novos desenvolvimentos para a história, ao mesmo tempo em que contou de forma competente tudo aquilo que já havíamos visto. A mansão, um dos personagens principais da trama, ganhou novas áreas, e os protagonistas, novos inimigos a serem enfrentados. A falta de escrúpulos da Umbrella ganhou tons ainda mais mórbidos na figura de Lisa Trevor e o resultado foi um dos melhores games de todos os tempos.

E, em meio a tudo isso, a atualização gráfica foi uma consequência. Shinji Mikami, de volta ao comando e liderando o acordo a exclusividade com a Nintendo, decidiu extrair o máximo de potencial do GameCube. Usando técnicas arrojadas de desenvolvimento e processamento, o diretor fez com que a exclusividade se tornasse não apenas um acordo financeiro, mas também uma necessidade. O PlayStation 2 era incapaz de rodar o remake de Resident Evil, um game que, mesmo em sua versão original, é mais bonito do que muito título recente.

Do ponto de vista visual, o resultado foi surpreendente. E, claro, os fãs rapidamente tiveram vontade de ver outros games da saga recebendo o mesmo tratamento. Como um dos favoritos dos fãs, Resident Evil 2 lidera pedidos infindáveis de remake, que, em mais de dez anos, nunca cessaram, e apenas ganharam força com os relançamentos para a nova geração.

Então, para que?

Resident Evil 2 foi responsável por introduzir e caracterizar muitos de seus grandes personagens. Ali, nasciam Claire, Leon e Ada, protagonistas que teriam papeis definidores mais adiante e se tornariam favoritos dos fãs, assim como o game em si. Dá para entender, só por aí, o amor pelo título.

Mais do que isso. Com poucos erros e inconsistências, a equipe do game foi capaz de criar um esquema apenas pincelado no primeiro jogo da série – os dois personagens atuam juntos durante a aventura, cada um em sua própria história. Isso abriu espaço para cenários diferentes e criou uma trama intrincada, com as ações de um protagonista influenciando nos rumos do enredo com o outro.

E, com tudo isso, Resident Evil 2 ainda se encaixa bem na cronologia, iniciando fatos e dando início à trama de uma Raccoon City destruída, cujos reflexos são sentidos até mesmo nos jogos mais recentes. Não existem correções a serem feitas, nem fatos a serem acrescentados ou removidos. Se o primeiro jogo deu origem à saga em si, o segundo começou quase tudo o que perdura até hoje.

Assim, não existe nenhum argumento para sustentar o desejo dos fãs por um remake de Resident Evil 2, a não ser a vontade de ver tudo isso de novo, só que com gráficos atuais. É esse o principal motivo, e um dos únicos, dos defensores desse relançamento, como já cansamos de ver nos comentários das lives aqui mesmo do NGP.

Novas mãos

A vontade de ver o game com visuais renovados pode até ser legítima, mas ignora outras questões bem mais importantes. Muitos dos criadores que transformaram o título na pérola que ele é não estarem mais com a Capcom. Shinji Mikami deixou a empresa há mais de dez anos. O mesmo vale para o diretor Hideki Kamiya, que hoje trabalha na Platinum Games, e o roteirista Noboru Sugimura, responsável por criar o enredo tão elogiado. Ele faleceu em 2005.

Um dos segredos do sucesso do remake do primeiro Resident Evil é, justamente, a presença de boa parte da equipe original. Foi ela a responsável por trazer o carinho necessário para a produção, sem que ela quebrasse aquilo que já estava estabelecido, e levando adiante de forma tão interessante os conceitos que já eram bons por si só. Hoje, isso seria simplesmente impossível.

Não estamos dizendo que a Capcom não possui, hoje, gente de gabarito trabalhando na franquia – Resident Evil Revelations 2 é uma prova de que, quando quer, a empresa sabe fazer um bom jogo da série. Mas a equipe responsável pela saga hoje, nomes como o diretor Yasuhiro Anpo ou o produtor Michiteru Okabe, por exemplo, representam uma nova era. A pegada agora é outra, e ela pode não se dar muito bem com o velho estilo.

Reúna suas memórias e assista ao primeiro trailer de Resident Evil Remake

O remake do primeiro game da série, apesar de ser responsável por renovar o game, ainda manteve suas bases antigas, como a jogabilidade tanque e as câmeras fixas. O mesmo, então, seria esperado de uma reimaginação de sua sequência. A ideia mais fácil para o momento, porém, seria “atualizar” Resident Evil 2, dando a ele uma jogabilidade mais parecida com os jogos recentes.

E aí, teríamos outro game. Os inimigos teriam que ser substituídos por zumbis mais velozes, já que a jogabilidade ágil dos protagonistas tornaria o ataque contra os mortos-vivos vagarosos extremamente fácil. Muitos dos sustos originais deixariam de existir por conta do controle livre da câmera. E esses são apenas dois exemplos. Aqui, teríamos mais um reboot do que um remake. E a pergunta: isso é interessante? Pois necessário, como já dito, não é.

Opções e possibilidades

Segue, então, uma alternativa e uma sugestão. Quem quer ver Resident Evil 2 (e também o terceiro game da série) em alta definição pode procurar, por exemplo, os jogos em primeira pessoa The Umbrella Chronicles e The Darkside Chronicles. Lançados originalmente para o Nintendo Wii, e mais tarde em versão HD para o PS3, eles trazem reimaginações das histórias originais, mas com gráficos de hoje.

Resident Evil The Darkside Chronicles

Por outro lado, existe sim uma maneira de trazer o Resident Evil 2 original de volta, com gráficos repaginados. Em uma mistura de remasterização e remake, a Capcom poderia utilizar o game original e realizar uma troca completa de texturas, criando o conjunto gráfico completamente do zero, mas mantendo as bases originais. Aí sim teríamos o melhor de dois mundos – o clássico, com visuais de hoje.

Se excluirmos a hipótese de reutilização de skins de outros games, o que resultaria em algo parecido com os 500 remakes de RE2 feitos por fãs, o único problema é que essa alternativa daria um trabalho absurdo. E está aí algo que não exatamente se encaixa com a política de lucros rápidos e relançamentos que custam pouco para serem produzidos.

Aos poucos, a Capcom parece estar se reconstruindo, com Deep Down e Street Fighter V se configurando como suas primeiras propostas focadas diretamente na nova geração. Com os relançamentos e remasterizações gerando aquele lucro extra, parece que as coisas vão voltar a se encaminhar para a empresa japonesa, que pode ter tudo para voltar aos velhos tempos, em que era uma das mais conceituadas do mercado. Vamos torcer para que sim.

Mas minha torcida maior mesmo é para que o legado de Resident Evil 2 seja respeitado, exista ou não um remake. Pois sabemos que, da mesma forma em que é capaz de criar um bom jogo da série quando quer, a recíproca também é verdadeira. Em nome do fanservice, um dos melhores títulos de todos os tempos pode acabar perdendo seu espaço para algo que atende a pedidos que não fazem sentido. Vamos torcer para que não.

Veja mais:

Encontrou um erro?

Envie um email para contato@newgameplus.com.br com a URL do post e o erro encontrado. Obrigado! ;-)