É uma comparação que pode até ser exagerada, mas a história da série F1 nos video games poderia muito bem ser como à última corrida de Michael Schumacher pela Ferrari, antes de sua aposentadoria e posterior retorno com a Mercedes. Aconteceu há quase dez anos, no Grande Prêmio do Brasil de 2006, e para garantir o título, o alemão tinha que vencer a corrida, enquanto seu rival, Fernando Alonso, da Renault, tinha que marcar um único ponto para levar a temporada.
As expectativas eram altas, e se existia alguém que poderia fazer jus a elas, era Schumacher. Largando em décimo, ele chegou à quinta colocação após algumas voltas, apenas para ter seu pneu furado durante uma ultrapassagem, voltando à última posição e passando, a partir dali, a fazer uma corrida de recuperação.
É um enredo semelhante ao que a Codemasters vem vivendo, entregando uma sequência de jogos muito bons na geração passada, para, então, fazer duas apostas que foram consideradas equivocadas pelos fãs e resultaram em títulos aquém do esperado. A primeira foi a escolha de, em 2014, não criar um jogo para a atual geração de consoles, entregando apenas mais do mesmo e perdendo o espaço de experimentação, fazendo isso apenas em 2015, apresentando um título com cara de produtora iniciante, e não de uma companhia que está há anos no ramo.
De uma das líderes quando o assunto era simulação e alta performance em games de corrida, a Codemasters passou a ser apenas mais um nome, e até mesmo os fãs mais ferrenhos se tornaram altamente críticos. Em F1 2016, a empresa mostra que não existe nada como uma boa turbulência para colocar as coisas nos rumos.
Em seus primórdios, a série começou como um dos simuladores mais técnicos dos games, refletindo as nuances de uma das categorias mais especializada dos esportes a motor. Depois, entre 2013 e 2014, veio o foco na acessibilidade, com a Codemasters a fim de trazer gente nova para a frente do video game. F1 2016 une esses dois ideais, finalmente, em um título que entrega, ao mesmo tempo, o que os fãs e os jogadores casuais mais querem.
Estão de volta, por exemplo, opções extremamente bem aceitas, como o ajuste fino de opções relacionadas à dificuldade, tanto em termos da agressividade quanto em relação a assistências de freio e curvas. Estratégias de corrida e pneus também são apresentadas de maneira básica e facilmente entendível para os leigos, mas que podem ser aprofundadas e customizadas pelos mais experientes.
Após dois anos de decisões erradas, F1 2016, finalmente, atinge o patamar que muita gente esperava há anos, desde os primeiros jogos da série.
Por outro lado, entra em ação um sistema mais abrangente de desenvolvimento, no qual o bom desempenho resulta em pontos para compra de melhorias no carro. Durante as provas, também existem objetivos específicos, que vão além de expectativas de posições ou batalhas com rivais – eles também pontuam quem seguir o traçado, realizar voltas rápidas ou cuidar bem dos pneus, servindo também para ensinar os novatos.
Para felicidade dos fãs, retorna em F1 2016 o modo carreira, que permite a criação de um piloto e a participação em todo o circo da Fórmula 1, se envolvendo no desenvolvimento dos carros, nas rivalidades nas pistas e também nos acordos fora dela, para transferência de uma equipe para outra. Aqui, também, a escolha fica a cargo do usuário, que pode iniciar tanto em uma equipe de ponta quanto na porção final do grid, galgando posições e mostrando seu valor para as escuderias maiores.
Tais possibilidades de seleção, inclusive, são o que permeiam toda a experiência com o game. O jogador nunca é forçado a nada. Ele pode competir nos treinos livres, se quiser, ou seguir direto para a classificação, que pode ser longa ou curta. Se quiser mais pontos para evoluir o carro, deve treinar mais, porém, se desejar apenas contar com as próprias habilidades e simular de forma mais realística a categoria, é capaz de ignorar tudo isso e contar apenas com o próprio braço. Pode optar por uma equipe de ponta ou uma escuderia menor para começar e controlar a dificuldade de acordo com as capacidades ao volante.
Em resumo, vai de cada um, e a experiência com F1 2016 depende da habilidade, vontade e do tempo que os jogadores decidirem investir no título. Todas as abordagens têm seus resultados, e eles são adequados à forma escolhida. Pode ser um jogo difícil ou fácil, pesado ou leve, complexo ou simples. E tudo depende de quem estiver dentro do cockpit.
Existe um único aspecto, menor, no qual parece não ter existido um investimento em acessibilidade. Os comandos de dentro do carro, que controlam, por exemplo, a mistura de combustível ou permitem visualizar o estado dos pneus ou temperatura dos freios, se tornou extremamente complicado, cheio de opções, comandos e letras miúdas para se chegar ao desejado.
O gráfico que exibe, com cores, a saúde dos freios ou o estado do carro ocupa um belo espaço na tela, e pode incomodar muita gente. A Codemasters investiu também em um engenheiro muito mais comunicativo, capaz de dar diversas informações pelo rádio, mas que é um desastre em entender os comandos de voz (e pior ainda quando se está falando em português). Selecionar com o controle, entretanto, é uma péssima alternativa devido à quantidade de opções. Lidar com tudo isso durante a corrida é receita certa para beijar o muro.
Se na jogabilidade a Codemasters faz um trabalho impressionante, que muitos não esperavam dela, o conjunto gráfico apresenta a mesma qualidade a que os fãs se acostumaram mesmo nas piores iterações da franquia. Avançando a partir das bases já sólidas firmadas no ano passado, F1 2016 mantém o nível visual e melhora sua performance, trazendo apenas algumas quedas na taxa de frames nas corridas com chuva ou momentos de muitos veículos na tela.
F1 2016 une complexidade e acessibilidade, finalmente, em um título que entrega, ao mesmo tempo, o que os fãs e os jogadores casuais mais querem.
Há, entretanto, efeitos esquisitos na iluminação que só acontecem em condições específicas. Na versão PS4, é possível enxergar o surgimento dos postes de luz nas laterais da pista, mas apenas no circuito de Bahrein. Já na Austrália, o sol que brilha sobre Albert Park, quando observado por trás das árvores, causa um esquisito quadriculado na tela, como em um vídeo de baixa qualidade, mas apenas na parte superior da tela.
Screen tearings aparecem aqui e ali, em curvas específicas, enquanto, em alguns momentos, engenheiros são ultrapassados como fantasmas devido a bugs, possivelmente, em seu sistema de movimentação. Nada que não poderia ser resolvido, aparentemente, com um bom patch de otimização, mas também questões mínimas, que a produtora pode acabar não dando atenção.
Fora da parte visual, os jogadores notarão um comportamento bem mais natural de pilotos adversários durante as provas. Dá para notar atitudes diferentes em situações específicas, como quando estamos no encalço de um rival ou ganhando tempo setor a setor na busca pela primeira posição.
Durante uma de minhas corridas, estava seguindo Lewis Hamilton a distância visual, e volta a volta, me aproximando mais. Na medida em que isso acontecia, comecei a notar que o oponente forçava mais o carro, retardava freadas e invadia a zebra com agressividade. O resultado foi um acidente, que resultou em um Safety Car na penúltima volta e garantiu uma vitória que, se não fosse o erro do inglês, não viria.
A experiência depende da habilidade, vontade e do tempo que os jogadores decidirem investir no título. Todas as abordagens têm seus resultados.
Na corrida seguinte, Hamilton me declarou como seu rival. Eu, de uma equipe de pouca expressão – estava dirigindo para a McLaren naquele momento – e longe de ameaçar sua corrida ao título. Uma atitude, entretanto, nada atípica para o mimado piloto da Mercedes, que tornou minha vida um inferno nas corridas seguintes.
Além disso, vale citar ainda as provas de apresentação, com a possibilidade de controlar a temperatura de freios e pneus, uma melhor visualização e controle de velocidade na entrada para os boxes e a possibilidade de utilizar a embreagem manualmente na hora da largada, trazendo mais antecipação e complexidade a este que é um dos momentos mais importantes de qualquer corrida.
São pequenos detalhes, que chamarão a atenção de quem levar F1 2016 mais a sério, mas que mostram como a Codemasters se atentou na hora de desenvolver a inteligência artificial. Acidentes aleatórios e quebras no meio da pista também acontecem – em uma desatenção, cheguei a enfiar os cornos na traseira de Felipe Massa, que teve problemas na largada – e tornam toda a experiência mais real e próxima da que vemos na televisão.
Como sempre, entretanto, fica a nota negativa com relação ao modo online, que desde sempre, carece de moderação ou algum sistema que separe os pilotos sérios daqueles que querem transformar a Fórmula 1 em uma corrida de destruição. O problema fica ainda pior neste game, pois temos pela primeira vez na franquia, a possibilidade de um grid completo composto apenas por jogadores humanos. 22 pessoas. Você pode imaginar no que uma prova desse tipo pode se transformar.
F1 2016, finalmente, atinge o patamar que muita gente esperava há anos, desde os primeiros jogos da série. Até que enfim temos a capacidade técnica e visual de criarmos um título que se parece com a competição real. Apesar de seus problemas, o novo game se mostra como o melhor de sua franquia, e ainda com muito espaço para melhorias e correções.
Na pista de Interlagos, em 2006, Schumacher dirigiu com a faca nos dentes, saindo da última posição e terminando a prova em quarto lugar. Ele não levou o título da temporada, mas teve ali uma das melhores corridas de sua carreira. Resta saber, agora, se a Codemasters seguirá um caminho semelhante, com as vitórias consecutivas de uma escuderia de ponta, ou se F1 2016 foi apenas um sopro de habilidade como o que acontece, de vez em quando, com pilotos e equipes iniciantes e cheios de gás, mas pouca consistência.
O jogo foi analisado no PlayStation 4.