Em 2001, Ridley Scott reuniu boa parte do que na época era chamado de “elenco jovem” de Hollywood para filmar “Falcão Negro em Perigo”. O longa que conta a história de um grupo de soldados presos em território hostil na Somália se tornaria um dos principais filmes de guerra dos anos 2000 e ganharia dois Oscars.
Criado para retratar os horrores de um combate onde não existiramm vencedores, “Falcão Negro em Perigo” mostra uma Somália assolada pela fome e sob o punho de ferro de Mohamed Farrah Aidid. O ditador usava os carregamentos de comida enviados pela Cruz Vermelha como uma maneira de sustentar seu próprio poder, condenando a população e motivando uma incursão americana. Estamos falando de um filme, mas trata-se de uma história real.
A trama em si é focada na Batalha de Mogadíscio, quando guerrilheiros fieis a Aidid derrubam dois helicópteros Black Hawk durante uma missão para capturar generais essenciais para o ditador. O que era para ser uma incursão rápida se torna uma verdadeira guerra, com os soldados sendo obrigados a lutar pela própria vida contra um exército infindável de inimigos.
Os números são impressionantes, principalmente quando se leva em conta que trata-se de um confronto no centro de uma cidade. De acordo com números divulgados pelo governo dos Estados Unidos, entre 1.000 e 1.500 milicianos ou civis somalianos morreram durante os confrontos, com mais três ou quatro mil feridos. Do lado dos soldados, foram 18 mortos e 73 feridos.
O longa de Scott que mostra toda essa guerra acabou sendo também uma das grandes influências de Resident Evil 5, um dos títulos mais movimentados da franquia da Capcom. E aproveitando nossa recente maratona do game, é sobre isso que vou falar aqui, trazendo de volta o texto que foi um dos últimos a serem publicados no Resident Evil SAC.
Na superfície
Os primeiros momentos de “Falcão Negro em Perigo” lembram bastante o início de Resident Evil 5 No filme, soldados americanos sobrevoam o mercado de Modadíscio e apenas observam a chegada de caminhões enquanto um grupo de rebeldes metralha a população faminta.
Já em RE5, Chris e Sheva acabaram de entrar na Zona Autônoma de Kijuju e, pouco após localizarem Reynard Fisher, o contato da missão, o observam sob o jugo de uma multidão enfurecida. Ele é decapitado em uma execução pública e, logo depois, a horda passa a perseguir os dois agentes da B.S.A.A.
Em ambos os casos, a situação é de caos e a população empobrecida. No filme, porém, as cenas de luta e confusão que se veem são motivadas pela fome, com somalianos arrebentando sacos de grãos e lutando por qualquer comida que seja. Já no game da Capcom, o sentimento é a fúria, motivada pelo parasita Las Plagas.
As duas cenas são mostradas ao jogador/espectador de forma semelhante, com ângulos bem próximos e cortes rápidos. Esse fator fica ainda mais evidente caso o usuário morra nas mãos dos Majinis, assistindo a uma cutscene de espancamento que é bastante semelhante às cenas dos somalianos abrindo os sacos de comida.
Há ainda, mais um objeto em comum. Tanto as horas inimigas de Resident Evil 5 quanto os milicianos de “Falcão Negro em Perigo” são lideradas por um homem de óculos escuros que utiliza um megafone para bradar suas ordens. Apesar dos dois não se parecerem fisicamente, não temos aqui um caso de mera coincidência.
Mais profundamente
A influência do filme de Ridley Scott no quinto game da série, porém, vai além de simples cenas ou personagens. “Falcão Negro em Perigo” foi uma das grandes referências do produtor Jun Takeuchi não apenas para produzir o cenário africano no qual todo o game se passa, mas também para criar o clima de opressão e ameaça do título.
O próprio falou, numa entrevista ao site GameSpot em 2005, que o longa foi providencial para que o cenário do jogo fosse criado. Aqui, porém, vale lembrar de um engano que perdura até hoje. Em um erro de tradução nas falas de Takeuchi, o veículo chegou a afirmar que o game se passaria na Somália, quando, na verdade, o produtor estava apenas explicando o enredo básico de “Falcão Negro em Perigo”.
O filme serviu também como grande base para criação das dinâmicas de jogo de Resident Evil 5. Não são raros os momentos em que Chris e Sheva se veem cercados por inimigos e devem se refugiar em construções e edifícios parcialmente destruídos, cortando caminho por dentro. Exatamente a mesma tática usada pelos soldados americanos para tentar flanquear e escapar dos milicianos.
O jogo de luz e sombra, uma das principais características dessa transição de Resident Evil dos corredores escuros para o sol escaldante da África, também está presente em “Falcão Negro em Perigo”. A câmera sempre acompanha os militares como se fosse um deles e, quando eles saem de um local escuro para outro extremamente iluminado, o espectador também fica sem conseguir ver por alguns segundos.
As hordas de inimigos, ainda, podem ser vistas como uma influência. Apesar de grandes grupos já estarem presentes em Resident Evil 4, o quinto game da série os colocou agindo de forma ainda mais coordenada e estratégica, mas ainda descuidados. Quase como guerrilheiros que, apesar de saberem utilizar armas, não conhecem nada de táticas militares.
Uma última semelhança pode ser percebida no estilo visual das obras. Ambas utilizam filtros leves para dar uma coloração diferenciada às imagens. Em “Falcão Negro em Perigo” é um tom sépia, já Resident Evil 5 varia entre o verde e o vermelho dependendo da situação e da plataforma na qual está sendo jogado.