Parece que foi ontem que a Bethesda anunciou em sua coletiva da E3 o novo jogo da série Fallout. Com edições especiais que venderam feito água e a expectativa dos fãs (comigo incluso) nas alturas, o desfecho dessa espera é mais um jogo competente, com todas as virtudes que você pode esperar de um jogo da Bethesda, mas infelizmente com todos os defeitos na bagagem também.
De maneira semelhante à Fallout 3, nós controlamos um habitante de um Refúgio da Vault Tec, dessa vez o 111, onde todos os seus habitantes foram submetidos à uma hibernação criogênica por 200 anos. Sim, 200 anos. Seu personagem nasceu antes da Grande Guerra entre a China e os EUA, e um breve tutorial nos dá um vislumbre inédito de como eram a vida antes de termos zumbis radioativos e vacas com duas cabeças. Pela primeira vez o protagonista tem voz, o que – aliado a movimentos faciais razoáveis por parte dele nos diálogos – traz uma humanidade não vista antes nos protagonistas mudos dos jogos anteriores. Não se pode dizer o mesmo de outros personagens, que acabam por depender da atuação de seus dubladores para esboçar emoções, já que as expressões faciais deles raramente mudam com a ocasião.
Terminando o tutorial, é dada a motivação ao jogador embarcar na missão principal, que se desenrola de maneira interessante até chegar a um final abrupto e sem muitas outras explicações. Boa parte de campanha consiste na busca pelo filho do protagonista enquanto você se envolve na teia de conflitos entre as grandes facções do jogo, podendo se juntar ou não a cada uma delas. A reviravolta nas missões finais quebra um pouco da linearidade narrativa, mas não é dado o desenvolvimento e consistência necessária para causar algum impacto, pois, dependendo das suas ações, certos personagens e interações nunca mais ocorrem até o fim do jogo.
O mundo é um lugar vivo com vários lugares que têm sua história própria, sendo contadas pelos vários arquivos de computadores ou pelos próprios NPCs.
Ainda que a campanha deixe a desejar com o final, o mundo de Fallout 4, agora situado numa versão pós-apocalíptica de Boston, é tão instigante como em outros jogos da produtora. O mapa não tem uma grande extensão, podendo atravessá-lo em pouco mais de uma hora. Mas com o interior de prédios, casas, e até outros refúgios esperando para serem descobertos, você pode deixar as missões de lado por um bom tempo.
O mundo é um lugar vivo com vários lugares que têm sua história própria, sendo contadas ou pelos vários arquivos de computadores ou pelos próprios NPCs. Esses últimos, aliás, expressarão suas opiniões quanto ao que você anda fazendo durante as missões. É um detalhe que pode ser insignificante, mas contribui para mostrar como sua presença é relevante a esse mundo e como ele reage à você.
Ainda falando sobre suas ações no mundo, uma das adições para esse novo jogo da série são os assentamentos. Terrenos que podem ser construídas pequenas comunidades com suas próprias casas, plantações e, se você tiver as habilidades corretas, um mercado próprio. Essa adição pouco afeta sua campanha principal, mas é algo que pode tomar muito do seu tempo se você dedicar-se com afinco. O maior trunfo por trás dessa nova funcionalidade é dar função a toda a sucata que você encontra ao longo do jogo. Coisas como telhados quebrados, carros sucateados e até armas e armaduras que você não deseja mais podem ser usadas como material para construir sua pequena cidade pós apocalíptica.
Fallout 4 é uma entrada competente da série, mas não memorável. O jogo parece apenas uma forma da Bethesda marcar presença na atual geração, fazendo tudo que faz de melhor, mas sem se preocupar em melhorar os seus erros.
É possível designar os camponeses recrutados para tarefas como cuidar da plantação ou defender o território de invasores e mutantes. Com um planejamento eficiente, dá para criar um assentamento autossuficiente para defender-se das ameaças, mas o jogador sempre terá a opção de comparecer para ajudar. A única crítica é quanto à falta de um aviso claro de quando essas invasões ocorrem, pois a breve caixa de diálogo no canto pode passar despercebida, principalmente quando elas aparecem em diálogos ou combates intensos, onde a atenção está voltada para o que está acontecendo na tela.
Dentro desses assentamentos e em outras cidades, é possível também customizar seus equipamentos, desde suas armas até as famosas Armaduras Potentes que você encontra ao longo do jogo. Todas as armas, incluindo as brancas, podem ter seus componentes substituídos ou melhorados em uma bancada de customização. Com a habilidade necessária, é possível aumentar consideravelmente os atributos de uma arma sem precisar gastar um centavo.
Os comandos não se diferenciam muito dos vistos em Fallout 3 e New Vegas, mantendo ainda o esquema de poder alterar a perspectiva de primeira e terceira pessoa, com o Pip Boy servindo de interface para verificar o status do personagem. É uma mistura de nostalgia e frustração ver como ele manteve-se parecido com as versões anteriores, mudando apenas um pouco do aspecto estético e adicionando ainda mais informações, entregando uma interface que já não era uma das melhores alguns anos atrás, mas que é completamente ultrapassada nos dias de hoje. Isso não é dizer que algumas melhorias não foram feitas, pois agora é possível “favoritar” algumas de suas armas e itens para torna-las fáceis de acessar através dos botões direcionais, ao invés de acessar o aparelho de pulso o tempo todo ao longo do combate.
Outra melhoria feita está na árvore de habilidades do jogo, agora muito mais organizada através de uma tabela indicando os requisitos necessários para adquiri-las. Se o jogador quiser um personagem mais resistente à danos e radiação, ele deverá investir na coluna de resistência, ou caso ele queria produtos mais baratos e resolver conflitos na base da conversa, a coluna de carisma é a recomendada. Essa separação das habilidades ajuda a fazer uma escolha mais consciente de onde investir os pontos de habilidade.
Pela primeira vez o protagonista tem voz, o que – aliado a movimentos faciais razoáveis – traz uma humanidade não vista antes.
Jogos da Bethesda nunca foram conhecidos pelo seu aspecto visual, sempre entregando algo que não era visualmente ruim, mas nada que enchesse os olhos. Em Fallout 4 essa tendência infelizmente continua ao entregar alguns efeitos de luz muito bem executados, mas uma modelagem e texturização medianos.
Como já mencionado, as expressões faciais de alguns personagens chegam a ser apáticas para diversas situações, o que se agrava com a modelagem precária de alguns personagens, ficando bem aparente quando a câmera foca no rosto deles nos diálogos. O visual dos ambientes está bem mais colorido, em detrimento do uso constante de marrom, cinza e verde de Fallout 3. O quarto do jogo da série tem cenários mais variados nesse sentido.
O jogo conseguiu manter razoavelmente seu framerate na casa dos 20/30 fps, mas em momentos em que pipocam muitos inimigos na tela, ou em algumas missões em ambientes fechados, o jogo precisou de alguns segundos para processar o que acontecia na tela, o que em alguns casos custava a vida do personagem. Não chega a ser algo constante no jogo, e a queda não costuma ser brusca a ponto impedir o jogador de entender o que está acontecendo, mas algumas baixas de desempenho mais atrozes podem acabar sendo um problema, dependendo da situação.
Depois de jogar Fallout 4 por algumas boas dezenas de horas, vejo que estou diante de uma entrada competente da série, mas não memorável. O jogo parece apenas uma forma da Bethesda marcar presença na atual geração, fazendo tudo que faz de melhor, mas sem se preocupar em melhorar os seus erros. Espero que no próximo Fallout, ou no próximo Elder Scrolls quem sabe, a empresa tenha o afinco de se aperfeiçoar e ir além do que é esperado dela.
O game foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Bethesda.