A conversa com Gilliard Lopes, o produtor brasileiro da EA Sports, começou de forma inusitada. Ele vestia uma camisa de um time que eu, como mal entendedor do esporte, não faço a menor ideia de qual seja. Mas as primeiras palavras entre a gente não tiveram a ver com o esporte bretão. “Sabe qual o melhor jogo de todos os tempos? Há quem diga que é The Legend of Zelda: Ocarina of Time, mas para mim, é Chrono Trigger.”
Foi assim que, antes de começarmos a entrevista no estande da Warner, eu, Lopes e mais dois assessores da empresa deixamos o trabalho de lado para falar sobre viagens no tempo, tema pelo qual o RPG da Square é o preferido do produtor. Eu indiquei que ele assistisse Doctor Who e procurasse sobre The Black Glove, o novo game dos mesmos desenvolvedores de BioShock. A franquia da 2K, por sinal, foi citada por ele como uma de suas favoritas da história recente.
Quando não está pirando com paradoxos temporais ou FPSs vitorianos, Gilliard Lopes trabalha nos estúdios da EA Sports no Canadá e é um dos grandes contatos entre a desenvolvedora e o público brasileiro. O país do futebol, como não poderia deixar de ser, é um dos maiores mercados da franquia FIFA. Foi justamente com esse assunto que começamos a nossa entrevista, que você confere agora na íntegra:
Vocês têm um dos maiores estandes da BGS e com certeza, também, um dos mais lotados. Como está a recepção das pessoas a FIFA 15, que acabou de sair?
Vou levar muitas coisas boas de volta para Vancouver sobre a galera do Brasil e sobre o game. O feedback está sendo fantástico, mas isso não é uma surpresa para mim. O público brasileiro entende de futebol e isso já é meio caminho andado para que eles sejam fãs de carteirinha da franquia. E a nossa abordagem é justamente falar para esse tipo de público, que gosta das minúcias do esporte. É por isso que somos a simulação mais realista do mercado.
Este é o terceiro ano que participo da BGS e levo o recado de volta, sempre só sobre coisas boas. O pessoal lá fica impressionado com a recepção por aqui e, hoje, essa feira já está no patamar da E3 e da gamescom como os três evento mais importantes do nosso calendário. E quanto acontece assim tão próximo do nosso lançamento, é melhor ainda. O Brasil é um dos mercados que mais cresce no mundo para FIFA, e para nós, estar aqui deve ser uma constante.
Vocês já falaram que produzem os títulos da série para os fãs. Como gerenciam o feedback da galera e, principalmente, como separar o “mimimi” das críticas que realmente fazem sentido?
O maior desafio de desenvolver FIFA é, absolutamente, capturar nesse mundo de respostas, é filtrar a informação que realmente empurra a franquia para a frente. Isso é maior que os outros problemas que temos que resolver ou os algoritmos para escrever. São dezenas de milhões de jogadores e todos têm uma opinião a respeito.
O Brasil é um excelente exemplo de feedback de qualidade recebido pela gente, pois como eu disse, o jogador daqui entende de futebol. Então, temos convicção de que os dados que a gente precisa estão por aí e esse trabalho fantástico [de filtragem] é feito pelos nossos gerentes de comunidade, que trabalham fisgando esse feedback em nossos canais, fóruns e redes sociais. Eu não queria estar na pele deles. [risos]
Quando tudo isso chega para os desenvolvedores, já vem bastante filtrado e condensado. Observamos as tendências apontadas e tomamos decisões sobre a produção do game. Eu diria que, hoje, 50% ou mais da lista de melhorias e novidades para a franquia vem de pedidos da comunidade.
E isso vai continuar cada vez mais daqui em diante, mesmo com todas as dificuldades envolvidas nesse processo?
Claro, com certeza. Se a gente balanceia o jogo de uma determinada forma e a comunidade em peso diz para a gente que está ruim ou errado, nunca tomamos uma postura de que estamos certos e vocês é que não entenderam o que queríamos fazer. Pelo contrário, o game evolui e se adapta, e nós estamos aqui para servir ao jogador. O desafio é achar o consenso, a gente nunca vai agradar a todo mundo e esse é o aspecto mais fascinante de se trabalhar com FIFA.
Com jogo de futebol, sempre rola muito torneio. Aqui mesmo na BGS estão acontecendo diversos torneios de FIFA e mesmo os amiguinhos do bairro, entre eles, costumam se juntar em um torneio valendo R$ 10. E EA tem alguma iniciativa para entrar no mundo dos eSports com o game?
Eu já fiz muito isso que você falou [risos]. O campeonato mundial já existe, é a FIFA Interactive World Cup e é organizado pela mesma instituição que regula o futebol mundial. [O torneio] é equiparado às competições oficiais, pois o jogador campeão do mundo recebe seu prêmio junto do Cristiano Ronaldo, do Messi, na mesma cerimônia em que são homenageados os melhores atletas do mundo.
Para a Electronic Arts e a EA Sports, a ideia é fazer com que a FIFA Interactive World Cup seja o maior torneio do mundo. Já os nossos parceiros em cada um dos territórios são os responsáveis por organizar competições mais locais e seletivas para a Copa do Mundo. Essa é uma oportunidade única de ganhar prêmios em dinheiro bem consideráveis e ainda estar no mesmo palco e ser premiado como Cristiano Ronaldo e outros grandes astros. É o game sendo equiparado ao esporte de verdade.
Como funciona o processo de desenvolvimento para tantas plataformas diferentes? Não são só consoles de velha e nova geração, mas também consoles portáteis, celulares, tablets e até consoles mais antigos como o Wii. De que forma a EA Sports realiza esse trabalho insano e com tantas diferenças entre si?
Quando falo que temos 300 pessoas trabalhando na nova versão de FIFA, me refiro às plataformas “matrizes”, que seriam nesse momento o PlayStation 4, Xbox One e PC. Inclusive, a partir de FIFA 15, os computadores foram equiparados em qualidade, funcionalidade e conteúdo às versões para os consoles.
Então, temos os times que são dedicados às outras plataformas, além dos 300 que já citei. O melhor exemplo é o PlayStation 3 e o Xbox 360, que ainda é muito importante em muitos mercados, inclusive no Brasil. Não há nenhum plano de deixar de ter uma equipe voltada a trabalhar com esses consoles no futuro, no ano que vem estaremos nele de novo e, se eu fosse apostar, diria que ainda muitos anos além disso.
A gente cresce o time a cada vez que surgem novas plataformas, pois esse é o único jeito de não fazer ports baratos e ter a especificação de cada aparelho sendo explorada. A equipe pode chegar a até 500 pessoas, trabalhando apenas em FIFA.
E porque vocês tomaram a decisão de fazer FIFA 15 para Wii e não para o Wii U?
Todas as decisões nesse sentido são baseadas no mercado. Da mesma forma que dar suporte ao PS3 e Xbox 360 se deve ao tamanho do mercado nessas plataformas, essa escolha vem da ausência de uma demanda. O fã de FIFA disse para a gente que não quer jogar no Wii U nem compra o aparelho, preferindo outras plataformas. Em termos de números, não seria viável trazer o game a não ser que fosse uma cópia do ano anterior, o que também não queríamos fazer.
A Nintendo continua sendo um parceiro importante para a Electronic Arts e a gente torce para que todas as empresas tenham um ótimo desempenho. Somos bastante ecléticos nesse sentido e o Wii U é um console interessante para se criar jogabilidades diferenciadas, mas os números não tornam viável um desenvolvimento para ele. Por outro lado, o Wii, por incrível que pareça, ainda tem uma base bem sólida de jogadores que compraram FIFA 14 e indicaram que têm interesse em adquirir a sequência.
Foi possível enxergar um aumento considerável nas vendas de FIFA 15 por causa da Copa do Mundo?
A gente mediu isso e é um fato muito claro: essa Copa em particular gerou aumento de vendas, principalmente na América Latina, por ela ter sido aqui no Brasil. Mas também na América do Norte. O jogador daquele território se interessou pelo futebol de uma maneira muito forte, acompanhando os Estados Unidos. O goleiro Tim Howard se tornou um herói para os americanos e esse é um exemplo de um mercado que deu um pico de sucesso tanto do game oficial da competição quanto do FIFA 14 na época, e de sua sequência agora.
A gente infelizmente não pode divulgar números concretos de vendagens, mas FIFA 15, por exemplo, bateu todos os recordes de download de demo nas redes online. Foram 5,7 milhões de downloads e a gente atribui esse crescimento gigantesco, de mais de 20%, à Copa do Mundo e esse interesse maior pelo futebol. É um novo patamar não só para a franquia, mas também para os jogos de esporte.
Falando nisso, de que forma a EA trabalha para fisgar quem não é fã de futebol para a franquia FIFA?
A gente investe muito em tornar o nosso game mais fácil. As campanhas que fazemos também são bastante abrangentes. Em FIFA 15, por exemplo, o comercial de TV mostra as pessoas na sala se projetando para o lugar do atleta para “sentir o jogo”, que é nosso slogan. Essa é uma propaganda que você não precisa conhecer o atleta para entender que aquele é um jogo que te transporta para o mundo virtual do esporte, com emoção e competição.
Vencer um oponente fisicamente e mentalmente é algo que tem apelo para as pessoas e isso não necessariamente depende que elas entendam do esporte. Por isso que nossas campanhas, principalmente as de TV aberta, são dessa forma, para que a pessoa do sofá se identifique, mesmo que não com o futebol, mas com a competição.
FIFA é um game muito apreciado por sua competitividade e isso tem dado certo. Prova disso é que na América do Norte, onde a cultura do futebol não é tão forte, o título é um dos que mais vendem a cada lançamento. E isso acontece devido ao quão gostoso ele é de se jogar.
Vocês obviamente já estão trabalhando em FIFA 16. Já dá para falar alguma coisa sobre o game?
A gente ainda não anunciou nem que [o jogo existe], mas isso nem é preciso. Posso dizer que ele provavelmente vai ser muito bom! [risos]
Mas, para falar sério, estamos na pré-produção mais inicial possível, fazendo um brainstorming de ideias e formatando uma lista de melhorias. Eu nem poderia assumir nenhum compromisso aqui a não ser dizer que dá para esperar uma continuação de nossa linha de raciocínio e de nossa abordagem de design, focada no realismo e na simulação do futebol. Além disso, teremos evoluções em todos os modos de jogo e, quem sabe, até algumas novidades.