Por mais estranho que isso soe, Final Fantasy XV é quase como uma adaptação moderna de Odisseia — ainda que sem querer. A história de um rei em sua viagem de volta para casa é um paralelo claro ao clássico grego, mas a própria saga da Square Enix para trazer o game também flerta muito com a narrativa de Homero. Assim como o herói Ulisses, a franquia que já reinou entre os RPGs também foi dada como morta e precisou de uma década para reencontrar seu caminho.
Foi uma longa jornada cheia de imprevistos, reviravoltas e transformações que demorou exatos 10 anos para chegar ao fim — o mesmo tempo que Ulisses precisou para retornar à sua casa. E nós, como uma fiel Penélope, aguardamos por todo este tempo enquanto éramos cortejados por infinitos pretendentes. Vimos a ascensão de outras séries e gêneros, mas sem nunca esquecer a promessa feita pela Square no longínquo ano de 2006. Pois o momento chegou.
Só que a chegada de Final Fantasy XV não representa só o fim dessa espera de uma década. O jogo é muito mais do que isso: é um retorno às suas origens ao mesmo tempo que sinaliza o seu futuro. Como dito, é uma tentativa de tornar a franquia mais uma vez relevante após a decepção com Final Fantasy XIII e o enorme hiato que perdura desde então.
Nesse sentido, o jogo lida muito bem com essa responsabilidade. Ele resgata tudo aquilo que os fãs esperam ver na série e atualiza esses elementos para o contexto atual. Pode parecer pouca coisa, mas é o principal problema de títulos com desenvolvimentos tão longos assim.
Final Fantasy XV traz um sistema de combate que é, ao mesmo tempo, acessível para quem está começando e complexo o bastante para os velhos fãs que buscam batalhas mais estratégicas.
Foi por conta desse tipo de anacronismo, por exemplo, que Duke Nukem Forever teve uma recepção tão negativa. No entanto, Final Fantasy XV não comete o mesmo erro e se moderniza enquanto faz com que essas novidades apontem os rumos pelos quais a série deve seguir daqui em diante.
Isso fica evidente já na jogabilidade, um dos pilares de toda a franquia. Finalmente temos um sistema de combate em tempo real que preza pela velocidade e pela fluidez, mas sem abrir mão de seu lado estratégico. Ao contrário do que vimos em FF XIII, a Square se preocupou em criar algo simples e dinâmico que possui suas camadas de complexidade. É algo acessível para quem está começando e capaz de oferecer múltiplas possibilidades para os fãs mais puristas.
Essa relação entre novatos e veteranos, aliás, é outra das grandes conquistas dentro de Final Fantasy XV. Há um cuidado enorme em fazer com que o título seja palatável para esses dois públicos. Mesmo quem nunca se aventurou pelo RPG vai se sentir em casa com a agilidade dos confrontos, as combinações de armas e o uso constante de teletransporte. Porém, quem ousar se aprofundar um pouco mais nos nuances, vai encontrar muitas possibilidades táticas que tornam as coisas um pouco mais variadas e complexas, como na criação de magias, que bebe muito da fonte das Junctions de Final Fantasy VIII e pode se transformar em uma poderosa aliada caso seja bem explorada.
Apesar do longo período em produção, o jogo não parece deslocado no tempo. Pelo contrário: ele é atual e marca o caminho pelo qual a série deve seguir.
Não há como negar que o sistema de combate é uma das melhores coisas em Final Fantasy XV, prova de que a Square está realmente empenhada em atualizar a série e colocá-la de volta no topo. Ele funciona tão bem que você não vai achar ruim parar em cada um dos confrontos que surgem em suas viagens apenas para testar determinada arma ou conferir aquela combinação de golpes com seus aliados. Trata-se de algo tão bem trabalhado que nem mesmo a falta de variedade nas missões secundárias incomoda, já que elas viram uma desculpa para você lutar uma vez mais.
O único problema mesmo fica por conta da câmera, uma falha que o estúdio ainda não conseguiu resolver completamente. Há uma evolução enorme em relação àquilo que temos em Kingdom Hearts, por exemplo, mas não há como não se incomodar quando a batalha é levada para ambientes fechados, florestas ou mesmo no embate contra inimigos muito grandes em que você simplesmente não enxerga o que está acontecendo. Não é raro ver a tela ser ocultada por folhas ou focar nas costas de um oponente. É algo que atrapalha bastante, ainda que seja possível seguir atacando sem problemas.
A jogabilidade é um dos principais pilares da série, mas não é o único a se destacar em Final Fantasy XV. Além desse aspecto mais prático, há toda realidade que nos é apresentada. Esse sempre foi um dos diferenciais da franquia: cada novo jogo nos apresentava um universo único, com seus personagens e sua história sendo construídos de modo a nos levar por aquela enorme fábula. E, depois de um enorme tropeço nesse sentido com FF XIII, parece que as coisas voltaram ao seu eixo.
A começar pelos próprios personagens. Embora tenha virado lugar comum chamar o grupo de Noctis de boy band devido ao seu visual, o fato é que eles são muito mais do que isso. A dinâmica entre eles é excelente e isso é muito bem desenvolvido logo na primeira cena do game, que nos mostra como é essa relação entre o príncipe e seus amigos e guardiões. E, o que é mais importante, eles se revelam excelentes companheiros nas batalhas.
A história de Final Fantasy XV traduz muito bem sua própria trajetória. É uma longa viagem de transformação para marcar o retorno do rei — e uma declaração de amor aos fãs.
Ao contrário dos demais Final Fantasy, esse time não é construído ao longo da jornada, mas já em seu início. Essa é uma forma de fazer com que o jogador tenha tudo o que precisa para explorar o mundo logo nos primeiros minutos de jogo. Ainda que você não os controle, a inteligência artificial é bastante eficiente nesse sentido e sempre coloca esses aliados fazendo o necessário na hora certa. Além disso, cada um deles conta com habilidades específicas que ajudam tanto no progresso geral — a coleta de itens de Gladiolus é imprescindível nos primeiros momentos — quanto nos próprios combates graças às suas técnicas em conjunto.
Já em termos mais gerais, temos um mundo riquíssimo que cativa e intriga logo nos primeiros momentos. A ideia de dois reinos rivais em guerra pode até ser um clichê já típico da série, mas que funciona muito bem por aqui. A mistura de tecnologia contemporânea com elementos mágicos e místicos é instigante e te faz querer saber mais sobre os reinos de Lucis e Niflheim, a origem desse conflito geopolítico e outros detalhes dentro dessa realidade. É algo que realmente exige um universo expandido — algo que a Square prontamente atendeu. Se FF XV é Odisseia, ela conta com sua própria Ilíada, a animação Kinglaive que mostra eventos anteriores ao jogo.
Por outro lado, essa curiosidade despertada pela trama também é fruto daquele que pode ser o maior problema de Final Fantasy XV. A história, considerada uma das bases de toda a franquia, se revela o principal ponto fraco do título. Não que ela seja ruim, mas é tão recheada de pontas soltas, soluções apressadas e furos que é impossível não se incomodar com o andamento do roteiro.
Para um jogo que levou uma década para ser finalizado, uma trama atropelada é inadmissível. Há personagens que surgem sem qualquer função narrativa ou que simplesmente se transformam sem qualquer explicação. A própria Lunafreya acaba sendo pouco explorada e não transmite a sua importância real para a história. Mais crítico que isso é o papel de seu irmão, Ravus, que simplesmente passa por reviravoltas que não são explicadas e deixam o jogador sem entender o que houve.
Esses problemas minam aquilo que sempre foi um ponto forte da série. Não é nada vá arruinar a experiência, mas é uma falha evidente e que tira muita da imersão e do encantamento construídos até então. De novo: a história é um dos pilares de Final Fantasy e que, aqui, apresenta várias rachaduras. É algo que a própria Square Enix já reconheceu e que prometeu corrigir com a adição de novas cutscenes no futuro.
Se o turbulento processo de desenvolvimento de Final Fantasy XV foi uma Odisseia pessoal para a Square Enix, seu lançamento marca a chegada de Ulisses à Ítaca, sua terra natal. O novo game é um retorno a tudo aquilo que a série representou e um recomeço para uma das franquias mais importantes da indústria. É uma volta às origens ao mesmo tempo que representa um novo início.
Assim como o herói grego, o próprio Noctis também traduz a jornada pelo qual o RPG teve de passar antes de chegar aos consoles. A sua trajetória de amadurecimento e transformação para retomar o trono de Lucis se confunde com o próprio caminho que Final Fantasy XV teve de fazer. Protagonista e obra dialogam profundamente no que é quase como uma declaração de amor e um pedido de desculpas aos fãs que esperaram por tanto tempo.
E isso está presente tanto nos diálogos quanto nas situações apresentadas. Há momentos em que é evidente que Noctis fala com o jogador e não apenas com seus companheiros — e sempre em tom de agradecimento por sempre estar ao seu lado. E, com isso, a mensagem de “Um Final Fantasy para novos e velhos fãs” que aparece logo no início do jogo passa a fazer todo o sentido. E é impossível não se arrepiar com ela e com os primeiros acordes da excelente trilha sonora.
Pode ser que a série não consiga conquistar o mesmo peso que teve há duas décadas, mas é inegável que Final Fantasy XV é um marco gigantesco para essa retomada. Ele pode não ser um dos melhores títulos da saga, mas é certamente um dos mais emblemáticos e importantes — além de um dos melhores lançamentos de 2016. Sem sombras de dúvidas, ele marca o retorno do rei.
O jogo foi testado no PlayStation 4.