Uma melodia familiar e altamente reconhecível por muitos gamers ecoa pela caixa de som localizada logo acima de onde estou. Mas ainda assim, há algo diferente no ar, e dá para identificar facilmente o que é. A poucos metros de mim, alguns assentos à frente, está uma orquestra sinfônica completa, com mais de 40 músicos, interpretando “Snake Eater”, tema de abertura de Metal Gear Solid 3. Um coral substitui Cynthia Harrell, responsável pela gravação original, mas no espetáculo, teremos uma cantora acompanhando as vozes. Mesmo já tendo ouvido a música muitas dezenas de vezes, não tem como não parar para escutar de novo.

É justamente isso que, para o maestro Carlos Domingues, um dos principais nomes por trás do Games Classic Show, serve como o diferencial do espetáculo. “Nós tocamos para fazer com que as pessoas se identifiquem com o tema e lembrem daquilo que jogaram, com a ajuda das imagens no telão. Queremos valorizar a emoção”, afirmou ele, em entrevista ao NGP, durante o intervalo do último ensaio antes da apresentação que aconteceu nesta quarta-feira (10), em Curitiba.

Enquanto falava comigo, porém, o maestro eventualmente parava para atender a membros da equipe técnica ou músicos, acertando os detalhes para um show no qual ele tem participação ativa, não apenas regendo, mas também na produção e coordenação de uma equipe de cerca de 150 pessoas. O ambiente é de grande espetáculo e reflete bem a ambição do Games Classic Show deste ano: celebrar a cultura dos games e “resgatar uma história de mais de 30 anos, ao vivo e a cores, por meio de som e imagem”, nas palavras do próprio Domingues.

Games Classic Show: transformando paixão em música

E quem esteve no Teatro Guaíra viu isso acontecer diante dos olhos em grande estilo. A já citada orquestra de 40 integrantes e o coral de 12 cantores se apresentou da maneira mais próxima possível do público, a apenas metros da primeira fileira. Os músicos eram acompanhados por efeitos digitais e três telões, que exibiam cenas dos games homenageados. Enquanto isso, 12 atores e cosplayers faziam valer a máxima do espetáculo – não basta apenas jogar, é preciso viver.

Além disso, existe um cuidado em apresentar algo de novo, mesmo quando se fala em canções tão executadas e conhecidas. Domingues aponta, por exemplo, que nos games, as trilhas sonoras normalmente assumem um caráter mais mecânico e ligado à jogabilidade, com uma sonoridade que, muitas vezes, se assemelha a uma banda de rock. Ao colocar isso no palco e nas mãos de uma orquestra sinfônica, porém, tudo muda e, por mais que o som seja reconhecível, a experiência acaba sendo diferente.

O maestro ressalta que a ideia, aqui, é criar algo que seja belo não apenas para os fãs, mas também para todo o público. A sinergia entre música sinfônica, telões e performances ao vivo tem, para ele, apelo igual para gamers ou não. “Não dá para dizer que jogo não é arte”, diz, sem titubear. “É por isso que eles estão tomando conta do mundo e a busca por ingressos [para o Games Classic Show] só aumenta a cada ano.”

Também por conta disso, a apresentação faz questão de incluir não apenas melodias consagradas, como temas de Metal Gear Solid, God of War, Castlevania, Mario e Sonic, por exemplo, mas também games que normalmente não aparecem em concertos assim. No setlist, estão também músicas de Angry Birds, Quackshot e Resident Evil 6, por exemplo.

Uma força local

2015 é o ano da terceira “versão” do espetáculo, que firmou a capital paranaense como sua casa principal. Ele já passou por outras cidades, como Porto Alegre, Florianópolis e Maringá, mas como um show imaginado e produzido por locais, é claro que Curitiba acabaria se transformando na cidade-sede. Um fator que, para Carlos Eduardo Netto, um dos idealizadores originais do concerto, é motivo suficiente para levar a iniciativa adiante.

“A cidade é muito carente de [apresentações como estas] e nós mesmos, como fãs, não víamos isso por aqui”, conta. Um dos maiores shows do tipo, o Video Games Live, passou por Curitiba apenas uma vez, em 2008, e desde então, se concentra apenas em São Paulo, onde estão também boa parte dos eventos de games e grandes espetáculos do tipo. “O Games Classic Show surgiu fora do eixo Rio-SP, e para nós, isso é ao mesmo tempo motivo de orgulho e também a maior de nossas dificuldades”.

Netto é um dos integrantes do Multiplayers, um grupo de músicos paranaenses que, desde 2010, transforma trilhas consagradas dos games em composições para orquestra. Foram eles, por exemplo, os responsáveis por um concerto em comemoração aos 25 anos da série The Legend of Zelda, que aconteceu em 2010, numa época em que isso ainda era raro em Curitiba. Foi ali, também, que acabou plantada a semente que, anos depois, daria origem ao Games Classic Show.

O sucesso da apresentação chamou a atenção do maestro Domingues, que é dono de uma produtora de eventos, a Eruditu. Combinando a iniciativa dos músicos gamers com o know-how de anos trabalhando no mercado de espetáculos, surgiu a primeira edição, realizaao em 2012 de forma bastante grandiosa, com mais de 60 músicos. Desde então, muita coisa mudou e apenas o local do espetáculo continuou o mesmo, o clássico Teatro Guaíra, no centro de Curitiba.

Games Classic Show: transformando paixão em música

A necessidade de se deslocar e os altos custos envolvidos em fazer isso com uma orquestra gigante levaram a algumas mudanças. Desde sua concepção, o Games Classic reduziu o total de músicos e passou a trabalhar de forma mais concentrada nos arranjos, de forma a fazer mais com menos. Nasceu daí, também, uma versão pocket do espetáculo, como a que vimos no Shinobi Spirit, voltada para shows menores e mais curtos.

A ideia, porém, é alçar voos ainda mais altos. Um dos objetivos atuais, por exemplo, é poder aceitar um convite feito pela organização da Brasil Game Show para levar o Games Classic Show à feira, que acontece em outubro. A equipe encontra-se em estágio de negociações que envolvem, principalmente, patrocinadores, e por isso, a presença do espetáculo por lá ainda não pode ser confirmada.

Outro motivo de orgulho foi a recente parceria com a desenvolvedora Swordtales no desenvolvimento de Torën, título nacional recente que já foi analisado por aqui. A orquestra do Games Classic Show foi a responsável pela gravação de toda a trilha instrumental do game e, em troca, uma das composições se tornou parte integrante do repertório do show, que pretende dar ainda mais espaço para outras composições nacionais.

Apesar de tudo isso, porém, o show vai permanecer como um curitibano de coração. Anualmente, o show acontece ao fim do Mês do Orgulho Nerd, combinado a diversos eventos que rolam na cidade durante o mês de maio. Os organizadores garantem: todo ano vai ter edição do Games Classic na capital paranaense. E a expressão no rosto de quem deixava a edição 2015 deixava claro que os fãs mal conseguem esperar por isso.

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