Ghost of Tsushima

Ghost of Tsushima

por Felipe Demartini

Honra, beleza e baunilha

Um jogo é muito mais do que apenas o que vemos na tela. Por trás das imagens que são exibidas em nossos olhos, existem uma série de engrenagens funcionando, mecânicas em andamento ou linhas e códigos que se traduzem nas imagens que nos encantam. E encantador, realmente, é uma palavra para definir Ghost of Tsushima.

O novo game da Sucker Punch nos leva de volta ao século XIII. O fantasma do título é Jin Sakai, o último samurai vivo depois que a violência dos mongóis chegou ao Japão passando por cima de Tsushima. Enquanto a população sofre sob o domínio de Khotun Khan, o protagonista deve encontrar os guerreiros remanescentes para lançar uma última investida contra os conquistadores, mesmo que isso signifique deixar de lado aquilo que lhe é mais sagrado.

É uma saga de libertação e resistência definida pelo fio da espada. No jogo de mundo aberto, atravessamos o cenário ouvindo histórias, coletando recursos e melhorando as nossas habilidades enquanto derrotamos um mongol por vez, recuperamos cidades e resolvemos problemas pessoais dos habitantes, sempre nos encaminhando ao objetivo final, libertar Lorde Shimura, tio de Jin, e também a própria Tsushima.

Ghost of Tsushima é uma jornada, no melhor sentido possível da palavra, e uma viagem cujas paisagens você vai se lembrar por muito tempo — do restante, porém, nem tanto.

A saga em si, porém, acaba importando menos do que o caminho percorrido ao longo dela. O mundo aberto de Ghost of Tsushima não é apenas a arena onde os combates acontecerão e o caminho a ser percorrido entre as missões — ele carrega sua própria força e conta, também, a história da libertação deste local, de forma, inclusive, muito mais interessante do que o próprio roteiro, que segue convenções tradicionais do cinema de samurai.

A sutileza e a atenção a pequenos detalhes chega a chamar a atenção em um game que, antes mesmo do lançamento, glorificou um filtro visual baseado na obra de Akira Kurosawa, uma das grandes inspirações da Sucker Punch em todo o game. Acredite, por mais que a cara de filme antigo seja atrativa e altamente interessante, você vai querer jogar Ghost of Tsushima com todas as cores e elementos que ele carrega no cerne da experiência.

Fotógrafo feudal

Ghost of Tsushima

As belas imagens de Tsushima não apenas servem como um apelo visual para possibilitar o uso do Modo Foto mais inspirado da geração, como também servem como um elemento narrativo muito mais interessante do que qualquer linha de diálogo. Isso porque, além da população e em uma das tantas sutilezas de Ghost of Tsushima, a natureza e o ambiente também estão a favor da liberdade.

A navegação pelo mundo aberto acontece de uma das formas mais interessantes já vistas nessa geração e que, esperamos, se torne uma constante, com desenvolvedores pensando fora da caixa para preservar a imersão sobre a objetividade de um waypoint artificial. Em Ghost of Tsushima, as indicações até aparecem na tela, principalmente quando o jogador está perdido, mas são o vento e as partículas que nos guiarão pela jornada.

Ghost of Tsushima

Sem GPS, há todo um incentivo à exploração já que o ar é capaz de subir montanhas com facilidade e atravessar rios que o jogador não consegue. Esse aspecto abre espaço para um segundo elemento de Ghost of Tsushima, com animais como raposas e pássaros também indicando a rota até pontos de interesse como termas que garantem melhoria no nível de energia ou templos religiosos que liberam espaços para upgrades de armas.

A sutileza de Ghost of Tsushima é como poucas vistas em um game, e totalmente apropriada para uma saga de honra e resistência, embalada pelos cenários mais artisticamente belos do PS4, mesmo pecando nos detalhes.

A sinergia entre visuais e jogabilidade impressionam, principalmente, quando notamos o que está sob o capô. Não se trata apenas de direcionamento e evolução, mas também de transparecer os sentimentos e a turbulência do próprio Jin, que sozinho diante da ameaça mongol, tem que tomar atitudes e se aliar a indivíduos que não condizem com os mandamentos de um samurai. A liberdade e a resistência contra a opressão, entretanto, falam mais alto, o que não torna as coisas mais fáceis.

Por mais que a honra fale mais alto e os duelos sejam a via certa para levar a luta diretamente aos oponentes, o nome do game já indica que o caminho do fantasma pode ser o ideal para garantir a própria sobrevivência. Técnicas de furtividade são incrivelmente úteis para limpar acampamentos inimigos ou, pelo menos, reduzir seus números antes de um combate direto, principalmente em missões centrais da história que envolvem a invasão a castelos ou pontos centrais da conquista mongol.

Ghost of Tsushima

O sangue que sai dos inimigos mortos sem terem chance de defesa gera impactos internos em Jin, que por mais que não se reflitam em elementos de jogabilidade, transformam completamente o cenário. A noite chega mais rápido e demora mais para passar, assim como as tempestades e os raios, enquanto o combate se torna mais feroz e com som mais alto na medida em que o protagonista se transforma, efetivamente, no fantasma de Tsushima.

Tais atos, entretanto, se refletem pouco na história, com o lore criado na mente do jogador diante do cenário se tornando mais interessante do que o próprio enredo contado. O título incentiva o usuário a adotar o estilo furtivo, principalmente, em sua metade final, além de usar de tais artifícios para, mais tarde, inserir pontos narrativos que estariam na trama de qualquer maneira, tenha você agido com honra ou não. O transparecer dos conflitos em clima, imagens e cores, sempre, será mais instigante do que a próxima cutscene de história em si.

Ghost of Tsushima

Chega a ser difícil transpor em palavras a beleza de Ghost of Tsushima, por isso, tomamos a liberdade de encher este review de imagens que indicam exatamente do que estamos falando. Se há um jogo em que cada frame poderia ser um quadro, é este, com o jogador desejando até mesmo seguir a cavalo de uma ponta do mapa a outra, em vez de utilizar a viagem rápida, por saber que encontrará todo tipo de bioma, cor, elemento e poesia durante o trajeto.

Como uma viagem real, das mais interessantes e bonitas, daquelas que são raras em games de mundo aberto que, mesmo com a vastidão, tentam investir em elementos de objetividade para agradar a todo tipo de usuário. Caso nos permita uma sugestão, jogue Ghost of Tsushima sem nenhum elemento de interface, confiando apenas nos auxílios visuais (e deixe o modo Kurosawa para depois) — a experiência será memorável.

Fundamentos

Ghost of Tsushima

A sutileza de Ghost of Tsushima é como poucas vistas em um game, e totalmente apropriada para uma saga de honra e resistência. Porém, esse aspecto cria um contraste quase inexplicável com os aspectos do game que estão, sim, na superfície, e chegam a soar extremamente básicos diante dos elementos que estão se desenvolvendo por trás das cortinas.

Não fosse a beleza que nos leva adiante nas missões, o título da Sucker Punch poderia ser facilmente categorizado como básico e repetitivo. Existem meia dúzia de tipos de missão que se repetem sem parar, com objetivos que normalmente envolvem seguir rastros e enfrentar inimigos específicos, às vezes perseguir alguém de forma furtiva ou liberar uma área determinada, situações entremeadas com diálogos que ocorrem enquanto andamos e algumas poucas missões de escolta. É o arroz e feijão mais comum possível em games de mundo aberto, com missões pouco ortodoxas, como as que exigem a busca por um determinado local do mapa com base em um desenho, sendo um bem-vindo sopro de ar fresco.

Ghost of Tsushima

O segundo aspecto está nos combates em si. Não se engane, eles são bem localizados e carregam a força e a violência que permeava esse período feudal, mas, também, são sempre iguais, com exceções envolvendo alguns duelos contra chefes de fase que conferem a Ghost of Tsushima um ar quase de jogo de luta. Ainda assim, são momentos que se destacam em um todo bastante básico e que, como dito, só não cansa de todo porque a jornada entre eles é incrivelmente bela e lotada de significados.

Ao mesmo tempo em que possui um dos sistemas de direcionamento mais interessantes da geração, o game também tem missões baseadas no cumprimento de objetivos sempre iguais, com pouquíssimos momentos de respiro.

A Sucker Punch até tenta variar um pouco as coisas investindo em uma árvore de habilidades rica e cheia de caminhos possíveis, com pontos que devem ser cuidadosamente escolhidos pelos jogadores de acordo com sua preferência de estilo. Além disso, as posturas com a espada privilegiam os poucos tipos diferentes de inimigos presentes no game, mas o que começa como uma característica interessante logo de transforma em um jogo de apertar botões de forma sequencial.

Novamente, entram em jogo elementos visuais que nos auxiliam no combate, como indicadores de postura para os inimigos, que indicam o quão prestes a baixarem a guarda eles estão, e brilhos que indicam a iminência de um ataque indefensável. Entender tais elementos é essencial para levar a batalha adiante, e fazer isso não é complexo, deixando a experiência leve mesmo nos momentos mais tensos — até demais, dá para dizer, principalmente quando evoluímos Jin e chegamos a um personagem bem superior aos oponentes, com a evolução do protagonista sendo inversamente proporcional ao desafio do game.

Ghost of Tsushima

Os duelos quando chegamos a uma base inimiga são bonitos de ver, o fato de o restante dos mongóis se amontoar sobre você atacando de todos os lados, enquanto a câmera se perde no cenário, nem tanto. Há um investimento na cadência dos movimentos de Jin e seus oponentes, é verdade, mas ele nem sempre funciona, e em determinados momentos, parece que ele está atacando seus oponentes com um cabo de vassoura. O que importa, claro, é corpo mongol no chão, mas tais ações destoam, novamente, da beleza do restante.

Chamam atenção, ainda, os problemas de sincronização labial presentes quando se joga em qualquer outra opção que não seja com as vozes americanas. A localização para o português brasileiro é competente, mas a própria Sucker Punch chega a recomendar que o game seja explorado com vozes em japonês e legendas no idioma do jogador, o que faz ser estranho que um game com maioria de atores asiáticos e passado no Japão tenha sua captura facial realizada em inglês, gerando falhas graves em sua combinação mais imersiva.

Toda a experiência com Ghost of Tsushima, na realidade, soa contrastante, apesar de isso não resultar em um game ruim. Para cada constatação impressionante ou bela relacionada ao cenário ou o andamento dos conflitos, temos um aspecto básico que, muitas vezes, chega a soar descuidado, como a repetição de modelos de inimigos em um mesmo bando ou a cópia e colagem de cenários em aldeias sempre iguais.

Ghost of Tsushima

É um game que promove a imersão absoluta em seus cenários e na sutileza das paisagens, ao mesmo tempo em que bate tanto na mesma tecla até que ela se desgaste. Ao mesmo tempo em que possui um dos sistemas de direcionamento mais interessantes da geração, também tem missões baseadas no cumprimento de objetivos sempre iguais. A trama, em si, não é das mais instigantes do mundo, enquanto o cenário em que ela se situa faz maravilhas para esse mergulho no Japão do século XIII.

O título representa a prova cabal de que gráficos fotorrealistas não são tudo, e que um pouco de arte, muitas vezes, pode salvar até mesmo um título que, de outra forma, seria mediano. Ghost of Tsushima é uma jornada, no melhor sentido possível da palavra, e uma viagem cujas paisagens você vai se lembrar por muito tempo — do restante, porém, nem tanto.

O game foi testado em cópia cedida pela Sony.